Wednesday 16 September 2009

Uma escola de Direito chamada CNE!

Sem nenhuma pretensão de influenciar a seja quem for, gostaríamos de reiterar, aqui e agora, a nossa profunda preocupação pela forma leviana e algo irresponsável como a CNE tem vindo a tratar de assuntos tão sensíveis quanto sérios, como o são as eleições num país democrático.
Já dissemos, vezes sem conta, que não basta a CNE andar a afirmar que tudo o que faz se baseia na Lei, pois nós também, embora não sejamos membros da CNE, temos acesso à mesma Lei, frequentemente mencionada como sendo a base, o critério, o fundamento e o limite da actuação dos órgãos de administração eleitoral.
Não basta a CNE andar a dizer que a Lei não permite isto ou aquilo, sem indicar, na mesma Lei, o competente comando normativo que assim o diz.
Por outro lado, a CNE não pode pretender transformar-se numa escola de Direito para ensinar aos partidos políticos e à sociedade, em geral, sobre o que a Lei diz e o que a Lei não diz. É que a própria CNE faz uma leitura conveniente da Lei, daí a correria para excluir ao invés de conceder aos interessados os amplos benefícios de reclamação que a mesma Lei estabelece.
Por isso, não basta a CNE andar a acusar a Lei de injustiça, quando quem pratica a injustiça é aquele que faz uma interpretação, convenientemente, deturpada da Lei, para depois saltar para o muro e dizer que foi a Lei que excluiu as pessoas do seu direito constitucional de participar dos pleitos eleitorais.
Em nosso modesto entender, a Lei Eleitoral moçambicana é tão benéfica e tolerante que, a ser correctamente aplicada, dificilmente excluiria algum partido minimamente organizado da participação num pleito eleitoral. Aliás, é no essencial a mesma Lei que tem vindo a ser aplicada desde 1994, não acrescentando novas e complicadas exigências processuais, antes inexistentes. Pelo contrário, tem havido muita simplificação e melhoria de prazos para a realização de cada etapa do processo. Se no passado, quando os partidos tinham pouca experiência as coisas funcionaram, mais ou menos bem, como é que hoje que os partidos e as pessoas, em geral, possuem mais experiência democrática as coisas parecem impossíveis?
Em nossa opinião, não é a Lei que é injusta ou incorrecta. Quem é injusto e incorrecto na aplicação da Lei é uma CNE controlada pelas principais sedes partidárias deste País, donde, claramente, provêm instruções de cariz político para esta lhes conferir uma aparência jurídica. E isso é bastante perigoso para a paz e estabilidade política do País.
Isso é capaz de levar para o abismo o presente processo eleitoral, sobretudo se os mandantes daqueles senhores não se abstiverem de continuar a dar-lhes instruções ilegais para baralhar e desorganizar o processo em proveito de um punhado de indivíduos que teimam, em vão, em navegar contra as marés da História.
Ao longo da semana finda, um vogal da CNE estranhamente usurpou as funções de porta-voz daquele órgão, que, de repente, sumiu sem deixar rastos. O mesmo vogal esgrimiu, em diversos canais televisivos, argumentos pouco convincentes e próprios de quem estudou Direito para enganar os incautos.
Num desses canais, o vogal disse que a CNE não produziu deliberação nenhuma, indicando as razões de exclusão de listas partidárias de certos círculos eleitorais porque “a lei assim não o permite”. De que lei estava a falar o senhor vogal? Da lei da inquisição, que mandava fuzilar alguém sem lhe explicar de que era acusado? Será que o vogal em causa meteu na pia o número 2 do artigo 184 da Lei 7/2007, de 26 de Fevereiro, que diz, taxativamente, que “para a formulação do recurso a Comissão Nacional de Eleições ou seus órgãos de apoio, devem facultar a documentação necessária quando solicitada pelo recorrente”. E nós vimos, na sede da CNE, vários reclamantes a solicitar, em vão, a documentação referida no artigo acima citado. É cumprir a Lei isso? Negar um direito legalmente estabelecido não é cumprir a Lei, é desobedecer a Lei, o que é crime punível nos termos da mesma Lei.
Aliás, a Lei Eleitoral moçambicana, a partir do artigo 173 até 184 explicita com bastante clareza os passos que tanto os concorrentes devem seguir, assim como o que a CNE deve fazer até tudo chegar ao fim. A Lei não atribui à CNE nenhum poder discricionário para eliminar as listas de que não goste e aceitar as que mais gostar.
Por exemplo, a deliberação número 10/CNE/2009, de 14 de Maio, estabelece, a dado passo, que ”para o caso da Assembleia da República, as listas propostas à eleição indicam os candidatos efectivos, em número igual ao dos mandatos atribuídos ao círculo eleitoral a que se refiram, e os candidatos suplentes, em número não inferior a três e nem superior ao dos efectivos, nos termos do número 1 do artigo 162 da Lei 7/2007, de 26 de Fevereiro. No que respeita às assembleias provinciais, as listas propostas contêm suplentes em número correspondente à metade dos candidatos efectivos” (o itálico é nosso).
A alegada falta desses requisitos foi amplamente invocada pela CNE ao longo da semana passada como sendo o motivo principal da exclusão de listas partidárias do pleito eleitoral que se avizinha.
Só que, estranhamente, a mesma CNE aprovou e mandou afixar, nas suas vitrinas, no dia 8 de Setembro corrente, algumas listas da Frelimo e da Renamo às eleições provinciais, com número de suplentes inferior ao que vem na deliberação número 10/CNE/2009, de 14 de Maio.
Assim, em Boane a Frelimo devia propor sete membros efectivos e um número mínimo de quatro suplentes, mas apenas meteu dois suplentes e mesmo assim foi “autorizada” a participar.
Na Cidade da Matola, a Frelimo devia candidatar 44 elementos efectivos e 22 suplentes. Estranhamente, candidatou apenas 15 suplentes e, apesar disso contrariar a “Lei”, foi aprovada a sua lista.
Na Manhiça, o partido no poder candidatou os 11 efectivos necessários e devia juntar um mínimo de seis suplentes mas conseguiu apenas cinco e a CNE não viu nenhuma “irregularidade” nesta irregularidade.
Na Beira, a Frelimo apresentou os 25 efectivos exigidos por Lei mas onde devia propor 13 suplentes, apresentou 12 faltando um e, mesmo assim, não há problemas para a “rigorosa” CNE.
Em Vilankulo, apresentou os nove candidatos efectivos exigidos e devia concorrer com um mínimo de cinco suplentes mas meteu apenas quatro e passou.
Como hoje em dia, a Frelimo e a Renamo parecem estar a fundar a “FRENAMO”, a Renamo não deixou de aproveitar as “irregularidades do mano” para meter mais algumas listas problemáticas.
Assim, em Boane a Renamo apresentou os sete efectivos exigidos e devia apresentar no mínimo quatro suplentes, mas conseguiu três e foi “aprovada”, na secretaria da CNE.
Em Matutuíne, apresentou três efectivos e no lugar de dois suplentes apresentou apenas um e o jogo da sorte da CNE deu-lhe uma passagem automática.
Em Xai-Xai, a Renamo apresentou os nove efectivos necessários e tinha que dar quatro suplentes mas no final de contas apresentou oito efectivos e quatro suplentes. Mesmo assim, a CNE não vê nenhuma irregularidade processual.
Nós estamos a fazer um imenso esforço para compreender a lógica jurídica da CNE mas, sinceramente, não conseguimos encontrá-la. Apenas conseguimos visualizar um grande esforço da CNE em ter eleições “livres, justas e transparentes” participadas, unicamente, pela Frelimo e Renamo.
Nesse sentido, nós julgamos que esta é a pior CNE, em termos de ausência de valores básicos como independência e imparcialidade no tratamento das diferentes candidaturas.
Jamais Moçambique conseguiu tão distintas personalidades para colocar num órgão que deve ser visto como isento, independente, imparcial e, sobretudo, justo nas suas deliberações.
Ora, se a CNE é zelosa cumpridora da Lei, como é que as listas da Frelimo e Renamo podem ser aprovadas com número inferior de candidatos suplentes, quando as listas doutros partidos, segundo a CNE, foram rejeitadas, precisamente, por esses motivos de insuficiência de suplentes?
Como é que o público pode ter confiança num órgão eleitoral que, publicamente, demonstra que também está a concorrer no pleito?
A sociedade civil deve ser muito activa e atenta contra os truques ardilosos de um órgão jogador mas que veste a camisa de árbitro.
É bom que o árbitro seja o próprio povo, sob pena de isto descarrilar numa altura em que se pensava que o País já tinha suficiente maturidade democrática.
Estamos seriamente preocupados com a falta de seriedade de algumas pessoas!
( Salomão Moyana,Magazine Independente,citado em www.oficinadesociologia.blogspot.com )

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