Monday 7 September 2009

“Na Frelimo era norma fuzilar pessoas”


Mariano Matsinhe (72anos), um dos símbolos da gesta de 25 de Setembro, confessa que não lhe agrada ouvir falar de órgãos de comunicação independentes. Para a velha guarda da Frelimo melhor se a designação passasse para órgãos independentes da Frelimo. Porque, acredita, dependentes o são de alguma coisa. Mas nem com isso, o homem que abandonou a engenharia civil (cursava o segundo ano) em Portugal para se juntar à Frelimo em 1962, não se coibiu em conversar com o SAVANA por quase uma hora, revivendo um percurso político sempre em reconstrução. Pelo caminho disse, entre outras revelações, que havia uma certa precipitação (necessária?) na tomada de decisões, que os campos de reeducação não foram um erro e que, volvidos quase 45 anos após o início da luta, não se arrepende de nada. Nem dos fuzilamentos, apesar de reconhecer alguns excessos do SNASP, um órgão do regime e de triste memória. Acompanhe alguns extractos da conversa mantida última sexta-feira em Maputo.



Os campos de reedu­cação foram um erro polí­tico?
Não, não foi nenhum erro. Nunca. Foi uma forma de reeducar pessoas. Quem ia aos campos de reedu­cação? Eram marginais da sociedade.


Mas houve exageros?
Ah, houve exageros, mas a reeducação existe até nos Estados Unidos. As prisões livres onde as pes­soas vão trabalhar e depois voltam para a cadeia para dormir é reedu­cação.


Na entrevista ao Notí­cias a que fizemos menção anteriormente, disse que a pena de morte era contra os inimigos. Inimigos de quem? Considera de ini­mi­gos todos que foram sacrificados em nome da Revolução.
Inimigos da nossa linha. Inimigos da nossa moçam­bicanidade. Por exemplo, há um que foi fuzilado na fronteira com o Zimbabwe, cooperava com Ian Smith e Ian Smith era nosso inimigo. Quem coopera com nosso inimigo é nosso inimigo também. Eu não estou arrependido de nada, aque­les que morreram, morreram porque pediram para morrer. Cidadão comum moçambi­cano, obediente da lei, vivendo como moçam­bi­cano, nunca foi fuzilado. Os que foram fuzilados estavam contra a Revolução e contra os desígnios da pátria. Não eram adversários, eram inimigos que estavam contra o desenvolvimento de Mo­çambique.


Na biografia de Urias Simango, “Um Homem Uma Causa” de Bernabé Lucas Nkomo, o General aparece a dizer que o Bureau Político não foi informado sobre o fuzila­mento de alguns presos políticos. E que Samora não queria ver aqueles homens, caso de Urias e esposa, mortos. Ele queria mostrar-lhes o Moçambi­que indepen­dente com que sonhava. Como foi possível?
Foi possível porque achou-se que a condenação daquela gente foi feita pela Frelimo, portanto, eram coisas da Frelimo. Não tinha nada a ver com o Estado. É verdade que o Bureau Político devia ser informado, mas não foi. Por que é que não foi não sei. É preciso ver que aquela gente foi condenada antes da inde­pen­­dência e na Frelimo tínhamos a pena de morte. Todos aqueles que saltas­sem para o inimigo eram tidos como inimigos e eram fuzilados. O primeiro fuzi­lamento de que me lembro foi em 1965 ou finais de 1964, de um indivíduo chamado Said, em Cabo Delgado. Era guerrilheiro, pegou na arma e foi invadir as populações para roubar galinhas. Foi fuzilado e fuzilámos muito mais. Du­ran­te a guerra não se pode brincar. Multipartidarismo durante a guerra é mentira. Você não faz guerra nenhu­ma. Alguns perguntam, por que é que não permitimos que os outros também lutassem pela indepen­dência de Moçambique sem estar necessariamente na Frelimo? Há uma regra que todo o militar conhece: não pode haver vários coman­dos no mesmo sítio. Pode haver vários exércitos, mas um comando comum. Não pode haver vários coman­dos e nós recusámos isso durante a luta armada.


No mesmo livro, é citado como tendo dito que Samora foi pres­sionado a mandar fuzilar presos políticos. Quem o terá pressionado?
Sim, penso que foi pres­sionado. Agora quem o pressionou, não sei. Mas foi pressionado porque ele disse uma coisa e não podia mudar para outra.


Mas sabe dizer se fo­ram pressões internas ou externas?
Penso que não foi uma força externa.


Naquela altura só po­dia ser uma pessoa ou pessoas com muita in­fluên­cia sobre Samora…
Sim. Tinha de ser uma pessoa com muito poder.


Tem ideia de quem terá sido, dada a sua posição da Frelimo?
Não.


Como é que se sentiu quando teve conheci­mento do fuzilamento de Uria?
Naturalmente, eu fiquei um bocadinho ressentido. Mas que era norma na Frelimo fuzilar pessoas era. Samora disse que não ia mandar fuzilar, queria que eles ficassem lá para um dia serem soltos, fazê-los pas­sear por todo o país e ver o que estávamos a construir.


( Francisco Carmona e Emídio Beúla no Savana, citado em www.oficinadesociologia.blogspot.com )

2 comments:

Anonymous said...

Uma entrevista que 'me deu arrepios'. Vejo que este veterano de 72 anos pouco aprendeu com os erros dos seus camaradas. Samora Machel nao precisava de ser influenciado para mandar fuzilar ninguem, ele sempre fez e disse o que bem entendia. Que os campos de reeducacao serviram para reeducar pessoas, quem engole essa 'treta'? Muitos que la foram parar ou eram 'religiosos/crentes' ou eram uma ameaca a Frelimo, visto discordarem do abuso de direitos humanos que se vivia na era Samoriana. Um crente nunca poderia pactuar com semelhante regime. Ele nao compare os campos de reeducacao com as prisoes nos EUA. Sera que pensa que esta falando para uma plateia de ignorantes ou analfabetos, ou criancinhas a quem se da rebucados e se faz esquecer as palmadas que lhe demos? Por favor, chega de cinismo, Samora e seus comparsas, debaixo do regime marxista-leninista, foram uns dos maiores violadores dos direitos humanos no mundo. Se a verdadeira historia de Mocambique fosse compilada com as devidas estatisticas, ficariamos a saber a verdade sobre todas as atrocidades cometidas debaixo do regime do ditador S. Machel. Nao devemos dizer que as coisas nao aconteceram, mas dizer que o que aconteceu esta errado, vamos aprender com esses erros e vamos lutar para que isto JAMAIS volte a acontecer na nossa Patria. O povo Mocambicano precisa de usufruir da verdadeira liberdade e democracia. Sonho para que isso aconteca num futuro proximo. Amo a minha Patria e os meus irmaos.
Maria Helena

JOSÉ said...

Fiquei com calafrios com a frieza e arrogancia deste dinossauro frelimista.Na verdade, deve pensar que somos todos estúpidos ou ingénuos!