Colaboração de Notas dos embaixadores apresentadas no briefing com o presidente da Comissão Nacional de Eleições, Leopoldo da Costa
1.Contexto
Desde as primeiras eleições multipartidárias que as autoridades eleitorais moçambicanas têm defendido três princípios básicos: liberdade, justiça e transparência. Estes princípios devem garantir não só a legalidade dos processos eleitorais, mas também a sua legitimidade. É neste contexto que esta nota foi produzida.
Os factos que deram origem a esta nota são:
- A exclusão de 6 dos 9 candidatos que pretendiam concorrer para a presidência.
- Dos 24 partidos e 5 coligações que submeteram candidaturas apenas dois (Renamo e Frelimo) irão constar nos boletins de voto em todas as províncias, enquanto que 3 coligações e 7 partidos foram completamente excluídos de concorrer para o parlamento nacional e um número desconhecido de listas foram excluídas dos outros partidos e coligações. Neste momento a escolha por província variará entre 4 listas (Tete) e 9 (cidade de Maputo e Niassa).
Esta nota irá brevemente explicar a plataforma legal e reguladora, apontar as zonas de penumbra e indicar pontos que a CNE ainda precisa de clarificar de modo a defender estes princípios fundamentais. Ao fazer isto, é importante fazer a distinção dos processos para cada eleição: presidente, parlamento e assembleias provinciais1
2. Plataforma legal e reguladora
Deliberação 10/CNE? 2009 de 14/05/2009 sobre os procedimentos para as candidaturas para o parlamento nacional.
- Lei 15/2009 de 09/04/2009 sobre a harmonização das três eleições que terão lugar num dia.
- Lei 10/2007 de 05/06/2007 sobre a eleição das assembleias provinciais.
- Lei 07/2007 de 26/02/2007 sobre as eleições presidenciais e parlamentares.
- - Lei 06/2006 (Lei Orgânica do Conselho Constitucional e a sua respectiva emenda pela Lei 05/2008).
As Leis 10/2007 e 07/2007 são mais completas do que a curta Lei 15/2009. Esta última lida apenas com uma parte do processo para a selecção de candidatos. Uma mudança importante que esta lei traz é que aumenta consideravelmente o fardo burocrático sobre os partidos e candidatos. Enquanto que a legislação de 2007 exige apenas o Bilhete de Identidade dos candidatos e uma carta individual de aceitação pelo candidato, a legislação de
2009 harmoniza os requisitos para os candidatos presidenciais com todos os outros candidatos, excepto no caso da caução monetária de 100 000.00 Meticais (um total de 12 fichas é necessário, muitas com cópias e/ou assinaturas autenticadas). Claro que isto também am-pliou fortemente o fardo administrativo sobre a CNE (cerca de 5 000 candidaturas deram entrada na CNE para o parlamento nacional e provavelmente um igual ou maior número para as assembleias provinciais).
O processo de selecção das candidaturas tal como previsto na lei 7/2007 é:
- Registo como partido ou coligação.
- Ter mandatários acreditados.
- Submeter a documentação exigida ao Conselho Constitucional para os candidatos presidenciais e à CNE para os candidatos ao parlamento e às assembleias provinciais. O número de nomes que deveriam ser submetidos foi determinado pelo recenseamento eleitoral de 2007 (os dados definitivos incluindo a actualização do recenseamento ainda não foram publicados pela CNE). Para o parlamento nacional cada lista deve ter um número de candidatos efectivos igual ao número de mandatos em cada província e um número de “suplentes” (entre 3 e o número total de mandatos por província para o parla-mento nacional e exactamente metade do número de mandatos para as assembleias provinciais). Aos partidos foi dado o período de 1 de Junho de 2009 a 29 de Julho de 2009 para que completassem os passos acima referidos.
Depois de 29 de Julho o CC e a CNE deveriam afixar as listas de candidatos que tivessem recebido e tinham 8 dias para :
- Verificar se as candidaturas estão em conformidade com as normas.
- Verificar se todos os documentos são autênticos.
- Verificar a elegibilidade dos candidatos.
A Deliberação 10/CNE/2009 indica que a CNE tentou reduzir o trabalho de correcção através da verificação de todos os documentos no momento da sua submissão. Dentro deste período de 8 dias a CNE, respectivamente o CC, notificam os mandatários das listas/candidatos que contêm irregularidades processuais. A CNE fez isto, mas nem sempre dentro do período estipulado por lei. Os partidos/candidatos tinham 5 dias para suprir as irregularidades processuais.
O CC NÃO teve esse procedimento para os candidatos presidenciais. Aquele órgão argumentou que os erros não eram de natureza processual, mas sim de substância. O CC considerou que havia provas bastantes de que os candidatos haviam intencionalmente forjado os documentos, e entendeu que isto se tratava de matéria criminal.e não de uma irregularidade processual. Um dos Juízes do CC levantou objecções quanto a esta interpretação com base no argumento de que os mesmos problemas haviam ocorrido em 2004 e que nesse caso o CC deu aos candidatos 5 dias para corrigirem os erros. Considerou “injusto” que desta vez os candidatos não tivessem a mesma oportunidade. Uma grande diferença com 2004 é que o CC poderia agora verificar os documentos com maior eficácia recorrendo aos cadernos eleitorais electrónicos. Torna-se pouco provável que os 6 candidatos teriam conseguido corrigir os seus documentos (eles precisavam entre 4 000 e 10 000 novos documentos), mas tal atitude teria contribuído para criar a percepção de se estar a ser justo se uma segunda oportunidade lhes tivesse sido dada.
- Depois destes 13 dias (8+5) a CNE deve publicar de novo as listas aprovadas. Nos casos em que os candidatos são definitivamente rejeitados os outros candidatos passam para cima na lista (e o primeiro suplente entra na lista efectiva).
Este passo pode ser interpretado de forma diferente se seguir o artigo 7 da Lei 15/2009. o artigo 7 diz que a CNE verifica a regularidade 60 dias antes das eleições e depois dá 8 dias para a sua correcção. A CNE parece ter recorrido a este artigo para estabelecer o prazo de 5 de Setembro para a publicação das listas definitivas (de facto, a publicação das listas foi feita gradualmente e só terminou na manhã do dia 7 de Setembro).
- Partidos/candidates podem depois consultar as listas e têm 5 dias para reclamar junto da CNE, que por sua vez tem 5 dias para responder.
- No fim deste período a CNE publica as listas definitivas e organiza o sorteio para o posiciona-mento dos concorrentes no boletim de voto.
- Se um partido/candidato não concordar com a decisão da CNE sobre um protesto ou queixa, pode recorrer junto do Conselho Constitucional dentro de um prazo de 3 dias. O CC tem 5 dias para deliberar em definitivo.
- De acordo com o calendário publicado pela CNE no Boletim da República todo este processo deveria ter terminado até 28 de Agosto (mais uma vez, a razão porque a CNE alterou os prazos não está clara; se a CNE tiver que alterar o calendário só o pode fazer através de uma deliberação que revoga a anterior, por exemplo, a 9/CNE/2009).
O que parece ter acontecido é que a CNE apenas seguiu parcialmente o procedimento estipulado na Lei 7/2007.
Não há confirmação de que a segunda publicação das listas (que deveria ter sido em meados de Agosto) tenha de facto acontecido. Portanto, os partidos/candidatos não tiveram a oportu-nidade de apresentar reclamações contra a decisão da CNE. É verdade que esta fase do processo não descrito na Lei 15/2009, mas tal é o caso em relação a outras fases essenciais do processo eleitoral. A Lei 15/2009 é parcial e não revoga a Lei 7/2007 ou a Lei 10/2007. Uma possível explicação é de que o processo de verificação e correcção levou tanto tempo (mais de um
mês, e não os 13 dias previstos na lei) que simplesmente não havia mais tempo para os procedimentos de reclamações e de recurso. A CNE poderá provavelmente argumentar que seguiu os procedimentos previstos no artigo 7 da Lei 15/2009, mas este artigo descreve apenas parte do mais completo processo descrito acima e baseado nos artigos 173 a 179 da Lei 7/2007. Mais ainda, a CNE ainda não substanciou a sua decisão de exclusão com factos e/ou argumentos jurídico-legais, como o fez o CC em relação aos candidatos presidenciais.
As listas rejeitadas ainda não foram tornadas públicas e os mandatários ainda não foram notificados tal como está previsto no artigo 178 da Lei 7/2007. Isto abre espaço para a especulação sobre as verdadeiras motivações das decisões da CNE não só de excluir candidatos, mas também de excluir listas inteiras. Também não há precedente disto na curta, mas intensa história eleitoral de Moçambique. Um factor agravante é o de que porque partidos/candidatos não podiam submeter as suas reclamações, também perdem a oportunidade de recorrer junto do CC. Este órgão só pode receber recursos contra decisões da CNE sobre uma reclamação. O CC não aceita normalmente recursos sobre matéria de procedimento (não houve uma reclamação prévia ao nível apropriado, que é a CNE). A única possibilidade seria a impugnação com base no facto de que a CNE não respeitou certas disposições da Lei 7/2007.
As decisões do CC, mas em larga medida as da CNE, afectam os três princípios básicos:
- A liberdade de concorrer e de ser eleito.
- A justeza do processo porque os procedimentos de reclamação e de recurso não foram observados e a decisão da CNE é vista como estando a dar tratamento desigual aos candidatos.
- A transparência do processo está em causa porque a CNE ainda não justificou publicamente a sua decisão com factos e argumentos jurídico-legais.
3. Pontos a serem levantados em relação à recente decisão da CNE sobre as candidaturas:
- Poderá a CNE explicar o processo que seguiu no que diz respeito à legislação aplicável? A CNE irá provavelmente argumentar que seguiu os artigos 7 e 8 da Lei 15/2009, mas estes de forma nenhuma invalidam todas as outras fases do processo de verificação tal como descrito nos artigos 173 a 178 da Lei 7/2007.
- Será possível a CNE confirmar que os partidos tiveram a oportunidade não só de corrigir as irregularidades, mas também de apresentar reclamações contra as decisões da CNE?
- Qual é a base legal para a exclusão de listas e não apenas de candidatos individuais? Não há nenhuma disposição específica na lei que determina em que circunstâncias uma lista é rejeitada.
- A lei debruça-se apenas sobre candidatos individuais (que são automaticamente substituídos se a candidatura não for corrigida).
4. Relevantes pontos adicionais:
- Por que é que a CNE reteve a Frelimo e a Renamo como números 1 e 2 durante o sorteio? Isto não parece estar em conformidade com o Acórdão do CC de Janeiro de 2009 sobre as eleições municipais. O CC deliberou que sorteios diferentes devem ser feitos para cada distrito eleitoral (neste caso cada província (11) e os dois círculos eleitorais fora de Moçambique, África e o resto do mundo). Mais uma vez, esta decisão da CNE poderá alimentar a percepção de tratamento preferencial e como tal desigual dos candidatos.
- Quando é que a CNE irá publicar as listas para as assembleias provinciais e como é que irá evitar ou reduzir o potencial para a contestação?
- Quando é que a CNE irá transferir os fundos da campanha e qual será o critério? Mais uma vez, este é um ponto sensível que poderá afectar os princípios básicos sobre o processo eleitoral em Moçambique.
- Quando é que a CNE irá publicar os dados definitivos do recenseamento eleitoral? Uma vez que estes (dados) têm impacto na distribuição de mandatos, é importante que isso seja feito o mais breve possível.
*Notas dos embaixadores apresentadas no briefing com o presidente da Comissão Nacional de Eleições, Leopoldo da Costa
1 Neste momento o Conselho Constitucional já se pronunciou sobre os candidatos presidenciais e a CNE sobre as listas para o parlamento nacional. A CNE ainda NÃO publicou as listas definitivas para as assembleias provinciais.
( Savana, 18/09/09 )
2 comments:
Isto aqui já está a cheirar a 'esturro'. Acho que são manobras a mais. O inimigo iniciou a batalha pelo poder, não se importando em derrubar tudo e todos, o objectivo é atingir a vitória, custe o que custar. Os meios justificam o fim a alcançar. A CNE já está desacreditada.
Maria Helena
A Comunidade Internacional está bem atenta à situação em Moçambique e apresentou pontos fortes que provam o mau trabalho da CNE.
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