Entrevista a Luís Campos Ferreira, responsável pela diplomacia portuguesa
Que balanço pode fazer da cooperação de Portugal com Moçambique?
Temos um Programa Indicativo de Cooperação (PIC) que decorre desde 2011 e acaba este ano, envolvendo 62 milhões de euros. As principais áreas de intervenção deste programa são educação, saúde e cooperação técnico-policial. Convém salientar que a ajuda pública na área da cooperação a Moçambique representa 22% de toda a ajuda bilateral de Portugal. Um facto que faz com que Moçambique seja o segundo país, logo a seguir a Cabo Verde, mais beneficiado com a ajuda portuguesa. Adicionalmente, é de realçar que, só no ano passado, houve uma ajuda de 50 milhões de euros que resultam de linhas de crédito dos bancos. Ou seja, em termos de ajuda à cooperação, temos o PIC, com 62 milhões de euros. A ajuda pública ao desenvolvimento, em 2013, onde estão as linhas de crédito, totalizou 50 milhões de euros, que foram utilizados, principalmente, em serviços sociais e infra-estruturas básicas em Moçambique.
Para o ano arranca o novo PIC?
Estamos a trabalhar e vamos entrar em negociações para o novo PIC 2015-18, com um enquadramento político e diplomático excelente. Agora, temos consciência que a construção de edifícios jurídico-administrativos similares aos nossos é o segundo factor mais importante, a seguir à língua, para um reforço da aproximação dos povos. Por isso, temos apostado em investir naquilo que designamos edifícios de um Estado de direito. Adicionalmente, estamos a ultimar um concurso para apoiar estudantes moçambicanos, para estudarem em Portugal como bolseiros. O concurso terá uma dotação orçamental de 500 mil euros. Estas bolsas, para além de preverem o pagamento das propinas na universidade, também têm uma componente para a instalação do estudante em Portugal.
Qual é o valor médio por estudante?
Um estudante receberá, dependendo também se é licenciatura ou pós-graduação, cerca de 500 euros mensais.
Ao nível da cooperação, que outros mecanismos de apoio existem?
A par do que referi sobre o apoio às estruturas do Estado, os fundos empresariais de cooperação já são a primeira grande aproximação àquilo que é o nosso conceito de cooperação. Uma cooperação que consiste em apostar no desenvolvimento da economia, onde deve haver uma partilha dos benefícios da cooperação. O FECOP (Fundo Empresarial da Cooperação) é um fundo com cerca de 12 milhões de euros, que está operacional e que tem como parceiros o Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, a Associação Moçambicana de Bancos, o Instituto de Moçambique de Pequenas e Médias Empresas e os bancos Millennium bim e BCI. Destina-se a micro-projectos de investimento – cujo montante global de investimento, incluindo fundo de maneio, ascenda até ao máximo de 17 mil euros; e a pequenos ou médios projectos de investimento – projectos cujo montante global de investimento, incluindo fundo de maneio, se situe entre os 35 e 350 mil euros.
E quanto a projectos de maior dimensão?
Nesta área, temos o INVESTIMOZ, que, neste momento, ainda não está operacional, mas iremos disponibilizar um fundo com 94 milhões de euros, que resulta das negociações da barragem de Cahora Bassa. O objectivo do fundo é promover o apoio ao investimento em Moçambique por parte de empresas portuguesas ou luso-moçambicanas. Ou seja, existe uma grande mudança de paradigma na cooperação que decorre, também, de uma mudança nos países de língua portuguesa com situações económicas muito diferentes do que acontecia no passado. Ainda não é o caso de Moçambique, mas as novas descobertas de gás e outros recursos naturais conduzirão ao mesmo tipo de alteração.
Pode concretizar um pouco melhor?
Teremos uma nova partilha de custos, ou seja, o Estado que beneficia dessa cooperação deverá dizer em que áreas pretende desenvolver projectos. O Estado deve indicar quais são as suas prioridades no âmbito da cooperação e não deixar essa definição para os países que promovem a cooperação. Acresce que os projectos terão de garantir continuidade para além da ajuda pública, e, por isso, deverão demonstrar que têm capacidade de gerar riqueza e emprego. A cooperação deve estar ao serviço do desenvolvimento do país. Dito de outra forma, trata-se de uma ajuda estruturante e não de uma ajuda circunstancial. Aliás, só assim podemos criar num futuro próximo equilíbrios entre o continente europeu e o continente africano, com fluxos migratórios mais sustentáveis e mais geríveis, tendo em atenção o crescimento populacional nos dois continentes. Hoje em dia, temos uma cooperação que capacita, com formação alargada às áreas que vão criar emprego, riqueza e progresso social.
A situação económica de Portugal pode pôr em causa esse novo conceito?
Portugal não tem, pelo menos neste momento, uma situação económico-financeira que permita despejar dinheiro. Por isso, temos de aplicar uma estratégia que vise aplicar fundos em projectos com visibilidade, já que estamos a competir também com outros países. Depois, temos de procurar novas formas de financiamento, concretamente junto da União Europeia (UE).
A UE está a disponibilizar fundos para apoiar economias menos desenvolvidas?
A UE tem disponíveis dois grandes instrumentos de apoio à cooperação para o desenvolvimento nos países em vias de desenvolvimento. Para o período 2014-2020 está prevista uma dotação global de 54 mil milhões de euros. Um desses fundos é o Instrumento de Cooperação para o Desenvolvimento (ICD), criado em 2007 e financiado directamente pelo Orçamento Comunitário, o qual visa apoiar projectos de cariz geográfico e temático em 47 países em desenvolvimento. O financiamento ascende aproximadamente a 23 mil milhões. Outro instrumento é designado Fundo Europeu para o Desenvolvimento (FED) e tem uma dotação orçamental de 31 mil milhões de euros para aplicar entre 2014 e 2020. Neste caso, os beneficiários são os países das regiões de África, Caraíbas e Pacifico (ACP). De realçar que, para os PALOP, o envelope financeiro ascende a 1,2 mil milhões de euros, dos quais 734 milhões, mais de metade, estão afectos a Moçambique.
Que tipo de projectos estão abrangidos e quem é que pode concorrer?
Quem pode concorrer são as empresas privadas, as fundações, as universidades, as associações empresariais e outras, os municípios, praticamente todas as pessoas singulares e colectivas dos Estados-membros da União Europeia e Estados ACP, sendo que parcerias com entidades moçambicanas são valorizadas. Além disso, os projectos devem ser propostos ao ordenador nacional moçambicano que está ligado ao ministério dos negócios estrangeiros daquele país. Ou seja, as candidaturas podem ser feitas de uma forma conjunta entre entidades portuguesas e moçambicanas, e depois têm de passar pelo ordenador nacional e ser concretamente enquadradas no plano estratégico de desenvolvimento de Moçambique e de seguida remetidas para aprovação em Bruxelas. Assim, temos 734 milhões de euros para investir em cooperação em desenvolvimento. Por isso digo que existem montantes muito significativos disponíveis na UE que podem ser agarrados por projectos entre entidades portuguesas e moçambicanas. Estamos perante verbas extraordinárias.
Fez referência também aos apoios da UE aos programas sectoriais. Moçambique também pode beneficiar dessas verbas?
Pode, apesar de neste acaso não haver uma verba cativa. Aqui, trata-se de apoiar empresas europeias que querem investir em Moçambique. Mas saliento que as empresas, por exemplo portuguesas, que concorram no âmbito deste programa com empresas moçambicanas verão os seus projectos valorizados.
Que balanço se pode fazer do investimento que as empresas portuguesas têm realizado nos últimos anos em Moçambique?
Somos o terceiro investidor em Moçambique e no primeiro trimestre deste ano fomos mesmo o primeiro, com um investimento de 150 milhões de euros. Depois, é também o investimento mais gerador de emprego. Por cada milhão investido, as empresas portuguesas criam 58 postos de trabalho, por comparação com o restante investimento, que gera apenas 22 empregos. Veja a diferença! E este ano ainda podemos criar mais 4 mil postos de trabalho. E o investimento português não é um investimento que chega, retira os dividendos e vai-se embora. A grande maioria dos investimentos é estruturante.
Recentemente, o primeiro-ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho, apelou a investimento moçambicano em Portugal. Estava a pensar em empresas e sectores específicos?
Neste momento, temos um conjunto de grupos económicos em Moçambique com capacidade de se internacionalizar. Investir em Portugal pode ser essa experiência para a internacionalização.
Em que sectores?
Desde o sector da comunicação social até ao sector financeiro.
Portugal acarinharia esses investimentos?
Os grupos moçambicanos manifestando esse desejo terão o mesmo tratamento que outros grupos africanos que já investiram em Portugal. Aliás, Portugal é hoje um país muito mais atractivo para o investimento estrangeiro e é uma porta de entrada para a UE.
O País
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