Thursday, 7 August 2014

Da paz duradoura à paz definitiva

Entre os sucessivos entraves e consensos resultou, finalmente, o actual acordo quanto ao documento básico que acomoda o fim das hostilidades entre as partes, a desmilitarização e integração nas Forças Armadas e na Polícia, entre outros aspectos. As partes, a Renamo e o Governo, através deste entendimento, iniciam assim um processo tendente a trazer a paz com vis...ta a saldar a sua dívida para com o povo. Digo “um processo” na medida em que a paz, decorrente de um conflito político militar, não se instala com simples assinaturas e abraços. Não há dúvidas que as “assinaturas e os abraços” constituem um ponto de partida fundamental, uma forma de se accionar o “enter” para que o resto, em cascata, funcione. Porém, muito mais do que isso, a paz, para que passe de uma situação de “duradoura” para “definitiva”, constrói-se no dinamismo do quotidiano político, cultural, económico, social.
O tom e o foco dos discursos políticos constituirão, nos próximos tempos, bons indicadores de comprometimento das partes relativamente ao Acordo. Um primeiro desafio será a campanha política que começará a enrobustecer- -se nos próximos tempos. Um desafio que pode ser vencido. É possível fazer uma campanha política com dísticos, música, discursos e alegria que sejam uma clara manifestação do comprometimento político com a paz. É possível.
O problema é que, ao longo destes anos, a falta de uma cultura de paz, uma cultura de Estado, a falta de uma motivação virada para o entendimento da política como expressão de tolerância transparência, adaptação e readaptação, a falta de tudo isso e muito mais, proporcionará a manutenção dos vícios a que estamos habituados: vício de acusação como estratégia denegridora para conquistar politicamente o eleitorado, vício do discurso inflamatório, vício de olhar para o “outro”como inimigo e não como adversário. Como conviver num ambiente onde se pretende que a paz se processe livremente quando o que impera imponentemente como betão são esses e outros vícios? É um processo, claro. Há indivíduos que preferem morrer com os seus vícios porque os que o rodeiam conhecem-nos naquele formato.
Pensar em abandonar o vício é para eles um autêntico suicídio. Por exemplo, diante de um ambiente inapropriado ao discurso inflamatório e a atitudes ou posturas nada abonatórias, os “viciados” logicamente que tendem a se tornar anónimos, desenquadrados e a necessitar de uma esforçada adaptação aos novos momentos. Para se tornarem “politicamente limpos” o ambiente político terá que se definir como merecidamente limpo. Só se discursa “sujo” onde o ambiente político se revela “politicamente sujo”.
Pretende-se hoje, como ideal a cultivar, uma paz definitiva. Para que isso ocorra temos que construir um Estado que não seja simplesmente nominal; um Estado “politicamente limpo” para que governos eleitos o entendam como tal e não chafurdem nele ao ponto de perderem o senso de limite. A paz duradoura, entendida como efémera e refém de vontades e desejos inconfessáveis, tem, a partir de agora, uma grande oportunidade para seguir um novo rumo tendente a se constituir como definitiva. É altura de as pombas levantarem voo.



Luís Guevane, Savana, 01-08-2014

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