O acordo entre Governo e Renamo, principal partido de oposição, para o fim das hostilidades revela saturação das partes e o falhanço de uma solução militar, mas o entendimento será testado nas eleições gerais, já daqui a dois meses.
Ao fim de 69 rondas negociais em Maputo, as partes alcançaram finalmente o consenso em relação à integração do braço armado da Renamo nas Forças de Defesa e de Segurança e uma amnistia para os crimes cometidos durante mais de um ano e meio de conflito, desconhecendo-se ainda os detalhes do entendimento e quando ou por quem será assinado.
O politólogo moçambicano Jaime Macuane acredita que, para o processo de diálogo se ter arrastado tanto tempo, foi tentada uma solução militar que “não deu certo". Ainda assim, "não seria sustentável porque falharia as razões fundamentais para que a crise atingisse esta magnitude".
"Apesar de as partes não terem considerado isto como tal, Moçambique viveu uma guerra", alerta por seu lado António Francisco, investigador do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).
Desde há mais de um ano, a circulação na única estrada que liga o sul ao centro do país só é possível com escoltas militares, que até há um mês eram atacadas por homens da Renamo. E o exército reforçou as suas posições na região da Gorongosa, província de Sofala, onde se presume estar escondido o líder da oposição, Afonso Dhlakama. O número de vítimas resultante de numerosos confrontos, incluindo civis, é desconhecido.
"Achava-se que 20 anos depois a paz era um dado adquirido e não era", insiste António Francisco, que vê o acordo anunciado na terça-feira como "uma trégua, uma moratória", no âmbito de um processo "anacrónico", centrado nos dois beligerantes históricos, "frágil, ‘adhoc' e informal, até na forma como secundarizou a Assembleia da República".
O teor das reivindicações da Renamo remete para o Acordo Geral de Paz, que em 1992 colocou fim a 16 anos de guerra civil e que, "por conta de uma implementação deficiente, voltou ao de cima" duas décadas mais tarde. "Isto deve chamar a nossa atenção", avisa Jaime Macuane, salientando também a permanência de um grupo armado fora do quadro das forças armadas regulares.
"Este acordo, pelas circunstâncias em que foi feito e pelo conjunto das suas reivindicações, tem um caráter essencialmente transitório", defende o investigador de Ciência Política da Universidade Eduardo Mondlane. E o seu sucesso depende, mais uma vez, "da forma como vai ser implementado".
Todo este processo desenrola-se em simultâneo com a contagem decrescente para as eleições gerais (presidenciais, legislativas e assembleias provinciais) de 15 de outubro, um período sensível de transição em que o atual Presidente, Armando Guebuza, termina o seu segundo e último mandato, e a Frelimo, partido no poder desde a independência, em 1975, candidata o ex-ministro da Defesa Filipe Nyusi para a sua sucessão.
Estas serão as quintas presidenciais de Dhlakama e em todas saiu derrotado, numa equação que agora se complica com o advento do MDM (Movimento Democrático de Moçambique, terceira força do país) nos meios urbanos e que conquistou importantes municípios, como a Beira, Nampula e Quelimane nas últimas autárquicas, que não contaram com a participação da Renamo.
"Se Dhlakama fica em terceiro lugar [nas presidenciais, atrás de Nyusi e Daviz Simango, líder do MDM], pode provocar uma crise idêntica" à que protagonizou no último ano e meio, receia o investigador do IESE.
"As eleições têm historicamente alguma margem de conflituosidade, foi assim em quase todas elas", assinala Macuane, pelo que a paz em Moçambique vai ser testada. E também as instituições do Estado, sua isenção e capacidade de acomodar as exigências da oposição, desde logo a polícia, segundo o académico, recordando perturbações nas últimas autárquica.
O problema da exclusão politica, social, económica, sustenta politólogo, é mais "amplo e sério" do que a Renamo e "a reconciliação tem de envolver toda a sociedade".
Mas, para isso, segundo António Francisco, seria preciso que os beligerantes "mostrassem essa abertura". O acordo "até pode ser duradouro, mas não tranquilizador e o que predomina ainda é a alta incerteza".
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