Depois de mais de 60 rondas marcadas por divergências e entendimentos em relação a um e outro assunto sobre o qual gira o diálogo político prestes a terminar, apercebemo-nos de uma mudança súbita do rumo dos acontecimentos no Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano (CICJC). Tem sido realmente impressionante perceber que todo o teatro político que foi encenado ao longo das rondas negociais não tinha, no seu todo, razão de ser. Se houve motivo para tal, tudo foi à custa do martírio de inocentes. Teatro porque já está claro que o verdadeiro diálogo acontecia ou acontece fora do CICJC e longe dos nossos olhos. Já há um entendimento feito à revelia do povo e naquelas instalações só se vão cumprir formalidades.
Não é por acaso que, de repente, Afonso Dhlakama passou de homem bravo para manso e, mais do que nunca, está tão certo das datas sobre certos eventos inerentes ao diálogo, falando disso naturalmente e com firmeza. Armando Guebuza já se esquece de dizer que a paz depende apenas da sua contraparte e escolhe minuciosamente as palavras para se dirigir à Renamo. Os famigerados discursos incendiários apenas são notórios nas bocas daqueles que parecem ter sido erradamente educados para serem intolerantes à oposição.
O primeiro sinal de volte-face por parte dos intervenientes no processo de pacificação do país foi a moderação dos discursos, ao que se seguiu a redução da intensidade dos ataques nas zonas onde era comum ouvirem-se tiros todos os dias e as pessoas eram mutiladas ou mesmo mortas. Estamos todos comovidos com este novo ambiente. Orgulha-nos saber que estamos muito perto de selar um acordo supostamente inspirado na vontade de vivermos em paz e em harmonia. Trata-se de um entendimento que, por assim dizer, será o remédio para todos os nossos males físicos e morais e que nos permitirá perdoarmo-nos uns aos outros.
Entretanto, sabemos que toda a velocidade imprimida para se alcançar o tão aguardado acordo tem uma relação bastante forte com as eleições marcadas para Outubro, em especial com a campanha eleitoral que vai oficialmente iniciar dentro de dias. É de louvar que haja vontade de se criar condições para que os moçambicanos exerçam um dos seus direitos de cidadania num clima de tranquilidade e sem o eco de espingardas. Mas não nos enganem outra vez. Esperamos que desta vez haja realmente um pacto duradouro, diferente daquele de há 20 anos, que não passou de um mero documento cosmético que somente tinha importância para uma das partes.
E, agora, com o acordo à vista, que destino se vai dar ao Acordo Geral de Paz (AGP) ou parte do seu conteúdo abertamente refutado pela Renamo? Vai ser considerado caduco e reduzido a cinzas ou teremos dois documentos simultaneamente em uso? Que garantias teremos desse entendimento relativamente ao período posterior às eleições e o que vai ser daqueles que tiverem que se contentar com mais uma derrota?
Não nos enganem outra vez, porque depois de meses a fio a vivermos na incerteza e num ambiente que nos arrastava cada vez mais para uma guerra, já não temos espírito nem alma para aguentar tanta maldição daqueles que quando os seus interesses políticos colidem usam-nos como escudo ou como um meio de pressão. Não queremos um barril de pólvora como o AGP pareceu ser quando do nada foi evocado como uma das principais causas da origem do sofrimento dos moçambicanos, mas, sim, um acordo claro sujeito a direitos, deveres, garantias e responsabilidades entre as partes. Queremos um pacto que represente os interesses da Nação e dos partidos politicos.
Editorial, A Verdade
Editorial, A Verdade
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