Políticos e negociantes apoiam-se mutuamente e vivem com requinte e luxo
Pôr as culpas num punhado de arruaceiros não é credível, nem ajuda a resolver os problemas de fundo. É uma resposta tática habitual, por parte de quem governa, quando ocorrem distúrbios graves da ordem pública. Sacode-se a responsabilidade dos ombros dos governantes e justifica-se o uso da força contra civis desarmados. Assim aconteceu, em Maputo, quando da greve geral contra o aumento do custo de vida. Com uma agravante. Os expoentes da sociedade civil fecharam-se em casa e em copas. As elites intelectuais alinharam as suas vistas pela bússola do poder. As religiosas preferiram o silêncio.
A verdade é que a situação que se vive em Moçambique é bem mais complexa. Em termos imediatos, os acontecimentos revelaram três questões importantes. Primeiro, a intensidade da pobreza urbana. As condições de sobrevivência dos mais pobres são de tal modo precárias que qualquer incremento, por menor que seja, nos preços dos produtos de base, como o pão, é fagulha em palha seca. Segundo, que existe uma profunda revolta em relação aos cidadãos mais desafogados. A nomenclatura do regime é a mais visada. Terceiro, a Polícia da República de Moçambique (PRM) mostrou, de novo, que não tem preparação profissional suficiente para lidar com motins.
O que aconteceu voltou a lembrar-nos que o modelo de desenvolvimento do país precisa de ser repensado. Trata-se de um modelo dual, que beneficia alguns e exclui a maioria. A sociedade moçambicana é profundamente desigual. Gente muito rica, uma minoria, vive cercada de pessoas muito pobres. Os políticos do regime estão intimamente ligados ao setor dos negócios. De um modo pouco saudável, aliás. Políticos e negociantes apoiam-se mutuamente e vivem com requinte e luxo. Com a abertura da economia ao exterior e a liberalização interna surgiram múltiplas oportunidades de enriquecimento rápido, que foram aproveitadas por quem tinha autoridade e influência. Essas camadas têm acesso ao rand e ao dólar, vivem na economia internacional e pertencem à aldeia global. Pouco têm que ver com quem transferiu a sua vida de rural pobre para a miséria dos bairros de caniço que circundam a capital e sobrevive em meticais, que se desvalorizam.
A mudança do atual paradigma de desenvolvimento deve ser feita em cinco frentes. Por um lado, travando a migração acelerada para as grandes cidades. Os centros urbanos estão a transformar-se em labirintos de instabilidade cívica e em viveiros de gangues violentos. Depois, modernizando o setor agrícola familiar e ligando-o aos mercados. É altura de passar à agricultura comercial, sem preconceitos ideológicos. Não se compreende que Moçambique importe da África do Sul o que come, batatas, cebolas, farinha de milho, e outros bens de primeira necessidade, quando existe, no quadro doméstico, um potencial agrícola enorme. Em terceiro lugar, incentivando as pequenas unidades industriais, ligadas ao crescimento do setor agrícola e à transformação dos produtos da terra. Quarto, combatendo a corrupção. E, quinto, mudando as atitudes. As elites têm que compreender que o futuro e a estabilidade requerem um crescimento económico mais justo.
Falar nestas coisas não quer dizer que não se reconheça os progressos realizados nos últimos vinte anos. Foram enormes, para mérito dos líderes nacionais. Resolveu-se o conflito interno, democratizou-se a política, abriu-se a porta ao investimento privado, cresceu a economia. Mas a rua diz-nos que há ainda muito por fazer.
Victor Ângelo, Visão
Pôr as culpas num punhado de arruaceiros não é credível, nem ajuda a resolver os problemas de fundo. É uma resposta tática habitual, por parte de quem governa, quando ocorrem distúrbios graves da ordem pública. Sacode-se a responsabilidade dos ombros dos governantes e justifica-se o uso da força contra civis desarmados. Assim aconteceu, em Maputo, quando da greve geral contra o aumento do custo de vida. Com uma agravante. Os expoentes da sociedade civil fecharam-se em casa e em copas. As elites intelectuais alinharam as suas vistas pela bússola do poder. As religiosas preferiram o silêncio.
A verdade é que a situação que se vive em Moçambique é bem mais complexa. Em termos imediatos, os acontecimentos revelaram três questões importantes. Primeiro, a intensidade da pobreza urbana. As condições de sobrevivência dos mais pobres são de tal modo precárias que qualquer incremento, por menor que seja, nos preços dos produtos de base, como o pão, é fagulha em palha seca. Segundo, que existe uma profunda revolta em relação aos cidadãos mais desafogados. A nomenclatura do regime é a mais visada. Terceiro, a Polícia da República de Moçambique (PRM) mostrou, de novo, que não tem preparação profissional suficiente para lidar com motins.
O que aconteceu voltou a lembrar-nos que o modelo de desenvolvimento do país precisa de ser repensado. Trata-se de um modelo dual, que beneficia alguns e exclui a maioria. A sociedade moçambicana é profundamente desigual. Gente muito rica, uma minoria, vive cercada de pessoas muito pobres. Os políticos do regime estão intimamente ligados ao setor dos negócios. De um modo pouco saudável, aliás. Políticos e negociantes apoiam-se mutuamente e vivem com requinte e luxo. Com a abertura da economia ao exterior e a liberalização interna surgiram múltiplas oportunidades de enriquecimento rápido, que foram aproveitadas por quem tinha autoridade e influência. Essas camadas têm acesso ao rand e ao dólar, vivem na economia internacional e pertencem à aldeia global. Pouco têm que ver com quem transferiu a sua vida de rural pobre para a miséria dos bairros de caniço que circundam a capital e sobrevive em meticais, que se desvalorizam.
A mudança do atual paradigma de desenvolvimento deve ser feita em cinco frentes. Por um lado, travando a migração acelerada para as grandes cidades. Os centros urbanos estão a transformar-se em labirintos de instabilidade cívica e em viveiros de gangues violentos. Depois, modernizando o setor agrícola familiar e ligando-o aos mercados. É altura de passar à agricultura comercial, sem preconceitos ideológicos. Não se compreende que Moçambique importe da África do Sul o que come, batatas, cebolas, farinha de milho, e outros bens de primeira necessidade, quando existe, no quadro doméstico, um potencial agrícola enorme. Em terceiro lugar, incentivando as pequenas unidades industriais, ligadas ao crescimento do setor agrícola e à transformação dos produtos da terra. Quarto, combatendo a corrupção. E, quinto, mudando as atitudes. As elites têm que compreender que o futuro e a estabilidade requerem um crescimento económico mais justo.
Falar nestas coisas não quer dizer que não se reconheça os progressos realizados nos últimos vinte anos. Foram enormes, para mérito dos líderes nacionais. Resolveu-se o conflito interno, democratizou-se a política, abriu-se a porta ao investimento privado, cresceu a economia. Mas a rua diz-nos que há ainda muito por fazer.
Victor Ângelo, Visão
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