Monday 13 September 2010

Congelar os preços em Moçambique é como tapar o sol com uma peneira

Governo teima em trabalhar para os poucos que têm milhões e não para os milhões que têm pouco... ou nada

A viúva do primeiro Presidente de Moçambique, Graça Machel, disse hoje que o problema alimentar não termina com o recuo do governo relativamente ao aumento do preço do pão. A actual mulher de Nelson Mandela e activista dos direitos das crianças e dos pobres, disse que ela e outros activistas irão pressionar o governo para aumentar a produção de alimentos. Tal como há dois anos, o governo quer curar as "infecções" do país apenas ministrando "aspirinas". O doente melhora temporariamente mas a doença continua lá e vai-se agravando.
Na semana passada, em Maputo, manifestações de protesto pelo aumento dos preços do pão, água e electricidade, degeneraram em violência provocando a morte a pelo menos 14 pessoas, segundo fontes oficiais, mas que segundo outras fontes totalizam 18.
Esta semana, na sequência dos confrontos, o Governo anunciou que vai subsidiar o pão, e outros bens essenciais e cortar custos na administração pública.
A decisão do governo moçambicano de congelar os aumentos de produtos essenciais só serviu para “apaziguar os ânimos e reduzir a pressão” mas “não resolve nada”, diz o economista Nuno Castel-Branco.
Doutorado em Economia, professor em Maputo e director do IESE, Instituto de Estudos Sociais e Económicos, Nuno Castel-Branco comentava assim a decisão do governo de congelar os aumentos dos preços de electricidade, água, pão e outros bens.
“Em termos de resolver as causas do problema não”, disse o economista, referindo-se à decisão do governo e lembrando que em 2008, perante manifestações idênticas, o executivo tratou o assunto “da mesma maneira”, subsidiando os transportes, “um subsídio que não consegue manter hoje”.
“É uma medida que adia o problema, uma não-medida”, que vai absorver 46 milhões de dólares (36 milhões de euros) por ano só para subsidiar o pão, o que equivale “a 10 escolas secundárias”, disse, acrescentando que o problema principal é que a capacidade de o Estado em financiar subsídios depende da capacidade de gerar recursos.
E, para Nuno Castel-Branco, o Estado não consegue gerar esses recursos. Segundo o economista, só as multinacionais Mozal, Sasol e Kenmare “retêm mais de mil milhões de dólares” anuais, (786 milhões de euros), ou seja, não pagam impostos desse dinheiro.
“Se fossem tributadas, o país podia reter 300 milhões de dólares adicionais. Se as multinacionais todas pagassem impostos e taxas justas podiam gerar-se receitas fiscais de 400 a 500 milhões de dólares. Porque é que o Estado não usa esses meios?”, questionou o economista, para quem o Estado tem como “opção política” a de se aliar às multinacionais e não “às largas camadas desfavorecidas de moçambicanos”.
Num país onde “85 por cento do investimento privado é investimento externo” a manutenção de subsídios só é possível “com ajuda externa”, avisou.
Enquanto isso, o Grupo Moçambicano da Dívida, que monitoriza a dívida pública do país, instou hoje o Governo a acabar com “despesas supérfluas”, para libertar recursos para os pobres e desaconselhou mais endividamento, como forma de resolver a crise social.
Comentando as medidas do Governo na sequência da rebelião popular, o Grupo Moçambicano da Dívida (GMD), uma coligação de ONG, sindicatos, grupos religiosos e economistas, saudou hoje a aprovação dos subsídios, mas defendeu que o Governo deve financiar-se com “despesas supérfluas e reservas orçamentais”, em vez de cair na tentação de recorrer ao endividamento interno ou externo.
“Se o Governo for responsável, tem muitas alternativas para resolver o problema sem recorrer ao endividamento. Há que identificar despesas supérfluas, como a criação de novos ministérios e a construção de novos edifícios para as instituições do Estado e redistribuir os recursos pelos mais pobres”, disse o oficial de pesquisa do GMD, Humberto Zaqueu.
“Não se pode continuar a gastar no luxo, não se pode continuar a tirar poupanças públicas para financiar os caprichos das elites políticas. Qual é a prioridade? Um novo edifício da Procuradoria Geral da República ou uma estrada?”, questionou Humberto Zaqueu.
Para o GMD, a violência da semana passada não se tratou de “vandalismo”, segundo a qualificação inicialmente atribuída pelo Governo à agitação, mas de manifestação de uma crise social provocada por “um modelo de desenvolvimento falhado, porque foi sempre sustentado por doações”.
“O modelo de desenvolvimento que o país vem seguindo falhou. É um modelo que criou muito oportunismo e muita preguiça, sustendo a produção e a produtividade do país”, enfatizou Humberto Zaqueu.
Como a fórmula de subsídios não é sustentável, a médio e longo prazo, de acordo com o GMD, o Governo deve apostar seriamente em substituir as importações pela produção nacional, por forma a que os produtos e bens de primeira necessidade cheguem aos consumidores pobres a preços acessíveis.
O oficial de pesquisa do GMD alertou o Governo para o perigo de cair na tentação de aumentar a dívida pública, para manter os subsídios, considerando que “essa opção pode levar à falência das contas públicas”.
“Emitir bilhetes de tesouro para aumentar a dívida pública interna vai encarecer as taxas de juro, desacelerar o investimento e retrair o crescimento económico. Recorrer à dívida externa vai provocar conflitos com as instituições financeiras internacionais, que já avisaram que o país não pode abusar de créditos não concessionais”, afirmou Humberto Zaqueu.
A dívida pública externa de Moçambique é estimada em quatro mil milhões de dólares (pouco mais de três mil milhões de euros) e a dívida interna está orçada em cerca de mil milhões de dólares (cerca de 790 milhões de euros).

Nortícias Lusófonas

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