Monday, 1 October 2012

Um alfaiate de nome Guebuza

Se alguma coisa pode ser dita a quente sobre os resultados do X Congresso do partido no poder em Moçambique desde a independência em 1975, é que ele foi feito à medida exacta do alfaiate Armando Emílio
Guebuza, agora verdadeiramente entronizado na cadeira do poder e com os seus acólitos bem pertinho.
Guebuza chegou a Pemba com a máquina partidária totalmente na sua mão. Pelo trabalho que começou ainda secretário-geral do partido, pelo trabalho de campo e fidelidade canina de colaboradores chave como Filipe Paúnde, Margarida Talapa e Edson Macuácua. Estes serão também os “homens fortes” para o partido - pese o facto de Talapa ser mulher - nos próximos cinco anos.
Numa lógica maquiavélica de poder - e já Samora dizia que “com o poder não se brinca”- Guebuza desbaratou a “oposição” e deitou pela borda fora as vozes mais críticas. É sintomático Manuel Tomé ter resignado da reeleição à Comissão Política na 25ª. hora e Luísa Diogo ter sido preterida por menoridades intelectuais.
O resto do congresso foi sobretudo coreografia, não obstante as grandes encruzilhadas em que o país se encontra: altas taxas de desemprego, sobretudo entre a camada jovem, crise na qualidade de ensino, falta de habitação urbana, estratégias claras na agricultura e grandes projectos de exploração de recursos naturais, crime em alta e equidade na distribuição e redistribuição de riqueza e oportunidades. Escalpelizar as questões do país
em três minutos era claramente impraticável.
Mesmo assim, a tentativa de colocar problemas, problemas sérios, continuou a cargo de militantes veteranos e combatentes da luta de libertação, como se os desafios do país não fossem também da responsabilidade dos jovens e dos quadros que trabalham na máquina governamental. A tal juventude que clama pelo seu próprio espaço, mostrou muito pouco do seu IQ, parecendo muito mais preocupada com os “lobbies” das listas de acesso
ao poder, a qualquer poder, elogio permanente ao chefe e a exibição de adornos da marca Frelimo, como as controversas boinas “à Julius Malema”.
Embora Guebuza se tenha demarcado da censura e da coerção contra a comunicação social, os sinais que dão os seus colaboradores próximos, que são a prática corrente de administradores distritais e primeiros secretários dos escalões mais baixos, deixam inquietação, receio e, certamente, mais uns furos para baixo nos índices internacionais de que já fomos um orgulho em África em tempos recentes.
Uma última questão, a questão que correu em paralelo com o próprio congresso, a sucessão de Guebuz enquanto Presidente da República ficou mais em aberto, uma vez que vários delfins caíram em Pemba. Pela lógica, e em política a lógica é algo muito difuso, Luísa Diogo comprometeu irremediavelmente a sua candidatura e arrisca-se a entrar na galeria aberta pelo zambeziano Hélder Muteia. O afastamento de Aires Ali da CP coloca-o
na mesma situação, beliscando claramente a sua reputação política enquanto Primeiro-Ministro.
Se há muito se deixou de ler Marx e Engels no partido que continua a convidar os seus irmãos de armas da China, da Coreia do Norte e de Cuba para os congressos, George Orwell, um velho autor do século passado, não escapa certamente à avidez literária do “dream team” (equipa de sonho) de Guebuza.
O que é um mau presságio para os moçambicanos.


Fernando Lima, convidado ao X Congresso do Partido Frelimo, SAVANA

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