1.É com muita preocupação que a cada sessão parlamentar testemunho a degradação do debate na Assembleia da República. O parlamento é, por definição, um espaço de debate e de questionamento. Entretanto, a bancada parlamentar da Frelimo tem estado a prestar um mau serviço ao povo moçambicano.
Este meu apontamento vem na sequência da ida do Governo ao parlamento para responder às perguntas dos deputados. O que se viu naquela magna casa foi tudo menos debate. A bancada parlamentar da Frelimo esforçou-se tanto para impedir os deputados da oposição de questionar e debater com o governo.
Mais grave ainda: a bancada maioritária, a dado momento confunde-se com o próprio Governo. É ela que responde à oposição em nome do governo. Se a própria bancada pode responder em nome do governo, o que este último foi lá fazer? Gastar tempo e dinheiro dos contribuintes?
Os longos e enfadonhos discursos de elogio à acção governativa, passando pela obstrução quando a oposição procura pedir mais esclarecimentos ao Governo, fazem do Parlamento e do debate parlamentar um espaço menos atractivo e reduz a importância que este órgão deve ter num estado de direito democrático, como o nosso!
Na verdade, esta legislatura corre o risco de ser uma das mais ridículas desde a introdução do multipartidarismo no país. Tudo por culpa da bancada da Frelimo, que impede que o governo seja confrontado pelos legítimos mandatários do povo. As chefias desta bancada manietam os próprios deputados da Frelimo e obrigam a que eles leiam - ao invés de debater e confrontar o executivo - discursos longos, vazios e prenhes de adjectivos demagógicos de elogio e saudação ao Governo e ao seu grande líder: Armando Guebuza.
Não há nenhuma intervenção destes deputados que não saúde a visão sábia e clarividente do Presidente e Chefe do Governo, Armando Guebuza, e por extensão do governo. A este nível, caros deputados, saibam que não estão a prestar um bom serviço nem ao governo, muito menos à vossa bancada parlamentar.
Questionar o governo, debater com ele, não se configura em nenhum Estado de Direito uma afronta à grande visão do líder. Pelo contrário, é salutar o debate, todos saem a ganhar e, por consequência, melhora-se a acção governativa. A este ritmo, caros deputados da Frelimo, a história de certeza não vos reservará nenhuma página: terão sido um número, um conjunto de pessoas no parlamento para levantar o boletim de voto em troca de um salário. A política é uma actividade nobre e, por isso, merece mais respeito.
2. As forças vivas da sociedade civil no país não podem continuar a assistir à degradação do ambiente de paz de que desfrutamos no país há 20 anos. As tentativas também demagógicas do Presidente da República e da Frelimo de evitar um diálogo franco e aberto com o líder da oposição no país não podem ser aceites.
Conforme referiu - e muito bem - o professor Lourenço do Rosário, as reivendicações do líder da Renamo são legítimas. Discordo dos métodos e do discurso usados por Afonso Dhlakama. Na verdade, todos temos que perceber que o líder da Renamo, por causa da sua intensa vivência militar, nunca vai transitar para um discurso moderado e político. O único discurso que conhece é o da ameaça e da chantagem. Este facto não pode nem deve torná-lo irrelevante e inexistente, como a Frelimo e Armando Guebuza procuram dar a entender. Dhlakama existe e deve ser ouvido... e compreendido. Todos os moçambicanos de bem devem fazer este esforço. O líder da Renamo, por mais que nos doa aceitar, não é uma pessoa qualquer. É subscritor da paz de que desfrutamos, paz esta que criou as condições para que muitas pessoas ligadas à Frelimo tenham prosperado no mundo dos negócios de forma até espantosa. Por isso, temos que escutá-lo!
Na verdade, creio que quando Dhlakama fala da necessidade de renegociar o Acordo Geral de Paz, ele quer incluir cláusulas económicas no Acordo. Digo de outra forma: Dhlakama e seus homens querem ser também incluídos nos benefícios económicos de que muitas figuras da Frelimo que também estiveram na guerra disfrutam neste momento.
Vou dar aqui um exemplo. Hermínio Morais, da Renamo, e Tobias Dai, da Frelimo, foram os principais negociadores dos protocolos relativos a questões militares, como a formação do exército e a desmobilização dos efectivos militares.
Vinte anos depois, Hermínio Morais não passa de um simples membro da Assembleia Municipal da Cidade de Maputo. Vive da pensão das Forças Armadas e do subsídio que lhe é pago na sua qualidade de membro da Assembleia Municipal. Este alto comandante da Renamo leva uma vida modesta para um homem da sua dimensão histórica.
Tobias Dai, da Frelimo, foi ministro da defesa durante mais de uma década e só saiu do Governo porque a sua situação ficou precária, com as explosões do paiol de Malhazine. Mesmo assim, foi enviado ao Parlamento, onde faz parte da chefia da bancada parlamentar. Há dados que o apontam como detentor de um património assinalável, com o agravante de ser irmão da esposa do Presidente da República. Ou seja, tem praticamente as portas abertas para tudo o que ele deseja, do ponto de vista financeiro.
Tobias Dai é apenas um pequeno exemplo de como os altos comandos militares das forças governamentais têm acesso aos bens económicos. Ele e sua família alargada.
Se formos mais a fundo da questão, vamos constatar que há milhares de altos quadros da Renamo que vivem nas mais míseras condições de pobreza. Os únicos membros da Renamo que não vivem na pobreza são os deputados, por conta dos salários no parlamento. Em regra, os membros da Renamo não têm acesso à função pública, muito menos aos negócios. Vivem na indignidade. Isto é inaceitável!
Daí ser compreensível que o líder da Renamo exija uma renegociação do Acordo Geral de Paz para salvaguardar a parte económica para os seus homens, que praticamente o “sequestraram” de Zambézia para Gorongosa. Dhlakama, ao “aceitar” permanecer em Gorongosa, fá-lo por razões estratégicas, uma vez que percebeu que reina um nível de descontentamento no seio dos seus homens, agravado pelo facto das prometidas manifestações nunca terem acontecido. Ele está, por um lado, a jogar a sua sobrevivência política e até certo ponto física. Por outro lado, chuta a bola ao Presidente Guebuza e à Frelimo, que, como se sabe, têm muito a perder em caso de uma agitação política. Dhlakama sabe, também, que a elite económica e os mega-projectos não vão permitir movimentações militares que possam pôr em causa os seus interesses. Gorongosa dista sensivelmente 500 km de Tete, actual epicentro dos negócios, tanto das elites económicas internas como dos interesses das multinacionais. Por isso, se há alguém que vai perder em caso de movimentações mais musculadas, esse não será de certeza a Renamo e o seu líder. Estes há vinte anos que estão a perder.
Efectivamente, há que salvaguardar um estatuto político claro e digno ao líder da Renamo, juntamente com os seus comandos mais graduados, como acontece actualmente com os generais da Frelimo. Por isso, apelo ao diálogo entre a Frelimo e a Renamo. Todos saímos a ganhar com isso.
Texto de opinião publicado hoje no jornal "O País"
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