“O país está no bom caminho rumo à prosperidade”, repete orgulhoso o Presidente da República. Em entrevista à Rádio Moçambique, no princípio deste mês, voltou a reivindicar ganhos e falou do crescimento do país. Negou que este caminha para o abismo como muitos apregoam e falou daquilo que considera vitórias.
Porém, esqueceu o grito dos pobres e oprimidos que raramente atravessa as fronteiras do país real. Do grito que os meios de comunicação raramente ouvem de tão preocupados com o perímetro de Maputo, onde também há pobreza, mas muito menos severa do que aquela que virou regra no país real. A seca e a falta de políticas públicas para mitigar grandes calamidades não nos deixam mentir. Em Chigubo, por exemplo, é mais fácil encontrar uma criança malnutrida do que ver deputados com barrigas avantajadas numa sessão plenária da Assembleia da República.
Pessoas reduzidas abertamente à condição de miseráveis, sem eira nem beira. Tornadas impotentes por uma terra que não produz. Ou seja, um cenário que desmente qualquer relatório de que a pobreza reduziu. O ardil usado para reivindicar algum avanço passa por ignorar estes pontos do país de difícil acesso e maquilhar os centros da cidade. Assim, com a convicção própria dos políticos, podem dizer que infringem golpes à pobreza.
O Presidente e seus acólitos esquecem-se de que aqui, ao lado de Maputo, em Gaza, 22158 pessoas não têm o que comer. Esquecem-se de que há moçambicanos, tão legítimos como os seus filhos, que estariam felizes se ao menos tivessem o pão que o diabo amassou.
Esquecem-se de que neste país maravilhoso, que diz combater o HIV, há locais onde um preservativo não é prioridade. Ninguém compra porque o mais importante é enganar o estômago. Antes comer do que se prevenir de um doença que o país aparentemente combate.
Contudo, o pior não está na miopia do Presidente da República, mas na cabeça dos que julgam que o país progride por ter mais estradas asfaltadas. O pior é a miopia daqueles que confundem esse asfalto, feito para explorar madeira e tirar carvão, com desenvolvimento. Isso não é apenas vergonhoso. É redundantemente criminoso. 37 anos depois da independência, a água não pode ser um problema neste país.
37 anos depois da independência, não podemos continuar com sedes distritais sem corrente eléctrica. É inadmissível que crianças estudem debaixo da árvore e estendidas na terra num distrito com madeira para dar e vender. Isso é celebrar a incompetência e dar razão aos relatórios que nos colocam como o quarto pior país do Mundo.
Não precisa tanto para esbarrarmos nessa verdade atroz. É só deixar as cidades e penetrar por esse país adentro para descobrir que os direitos humanos dos moçambicanos estão a ser cobardemente violados. Para descobrir distritos que alimentam Maputo de carvão votados ao abandono, onde pessoas comem algas e raízes para sobreviverem à intempérie de serem liderados por pessoas que só sabem olhar para os megaprojectos desta vida. Para pessoas que abrem a boca para falar de prosperidade quando deviam arregaçar as mangas e extirpar a pobreza do país.
Os nossos dirigentes têm de começar a perceber que a pobreza não acaba com discursos. É preciso muito trabalho, mas muito trabalho mesmo. Por outro lado, deviam informar aos seus soldadinhos de chumbo, aqueles que andam nas redes sociais para pregar que o sol é que gira em torno da terra, que os seus actos um dia serão julgados. Ninguém é proibido de gritar hossanas aos seus chefes, mas há verdades que não podemos negar de forma alguma. Até porque fechar os olhos ao sofrimento dos moçambicanos, em nome do amor à Frelimo, é um acto de traição a pátria.
Editorial, A Verdade
Editorial, A Verdade
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