O encontro, de dois dias, tinha como objectivo colher a percepção dos
partidos acerca dos ganhos e constrangimentos nos 20 anos da paz e da democracia
multipartidária, bem como lançar as bases para a criação duma agenda conjunta de
diálogo entre os partidos políticos para o reforço da democracia e de um
ambiente de convivência política saudável entre si.
Orador do tema “20 anos de paz: Ganhos, constrangimentos, desafios e lições
aprendidas”, Salomão Moyana afirmou que em Moçambique houve dois processos que
tiveram lugar simultaneamente, enquanto devia ter havido um de cada vez.
Trata-se, segundo aquele jornalista, da pacificação e da democratização do
país.
Disse que depois da assinatura do Acordo Geral de Paz, em 1992, o país devia
ter um período de transição para a pacificação. O AGP não era a conclusão do
processo de pacificação. O processo de pacificação devia ter durado muito mais
tempo.
Salomão Moyana afirmou que a ONUMOZ (Operação das Nações Unidas em
Moçambique) não teve dinheiro suficiente para garantir o processo de pacificação
no país. A título de exemplo, a ONUMOZ gastava um milhão de dólares
norte-americanos por dia para manter a sua máquina operacional. Este facto, de
acordo com o orador, terá feito com que a missão terminasse antes da
consolidação do processo de pacificação.
“Teríamos tolerância entre nós todos se tivéssemos consolidado o processo de
pacificação”, disse.
Indicou que os discursos belicosos que são proferidos por alguns políticos
são sinal demonstrativo de intolerância, ataque, desconfiança e não contribuem
para a construção duma paz genuína. Em 2012, disse, os políticos estão a
discutir o mesmo problema que discutiam em 1992, como é o caso dos homens
armados.
“Se tivéssemos resolvido o problema da pacificação, teríamos resolvido o
problema do uso das nossas línguas nacionais na Assembleia da República e na
Justiça. Teríamos resolvido a reintegração socioeconómica de milhares de
desmobilizados”, observou.
Disse que a não conclusão do processo de pacificação tem reflexo no tipo de
paz que hoje os moçambicanos têm. É uma paz precária, que depende mais da
vontade das lideranças políticas do que do povo, uma paz que fica refém dos
protagonistas do Acordo Geral de Paz.
Ressalvou, porém, que apesar disso o país cresceu, os moçambicanos
demonstraram uma vontade enorme de viver em paz. Moçambique é um dos poucos
países que não têm saldo de sangue, depois do alcance da
paz.
Constrangimentos
Outro constrangimento apontado por aquele jornalista é de domínio
comportamental. Segundo ele, tem havido comportamentos dúbios que não abonam a
favor da paz e que podem desaguar num processo de confrontação. O campo do jogo
eleitoral não se encontra aberto para todos os jogadores.
“Urge termos um comportamento cívico que nos ajude à paz. A paz tem de ser
postura diária de cada um de nós. Uns não podem jogar no pelado, enquanto outros
jogam no relvado”, disse.
A actuação da Polícia da República de Moçambique (PRM) é também um dos
constrangimentos à consolidação da paz. Salomão Moyana disse que a PRM está
profundamente partidarizada. Acata ordens ilegais para prender adversários
políticos de alguém.
Indicou que a PRM não está a obedecer à legalidade e à Constituição. Para
contrapor esta situação, defendeu, há que se reformar algumas figuras da
corporação policial e que esta seja apetrechada de meios necessários para o
desempenho cabal das suas funções.
O sector da Justiça também mereceu reparos por parte do orador. Salomão
Moyana disse que alguns sectores do sistema de administração da Justiça já não
fazem a justiça, porque actuam em obediência ou sob alguns ditames
políticos.
Outro constrangimento apontado pelo orador é a “velocidade democrática” do
país. Disse que à medida que se percorre o país, partindo da capital,
constatam-se muitos problemas. Por exemplo, afirmou, é muito difícil realizar
uma reunião na Manhiça, província de Maputo, sem que aos organizadores lhes
sejam impostas ou exigidas muitas condições, ou sem que lhes sejam feitos muitos
questionamentos. Ou seja, à medida que se sai da capital do país, a cultura e a
percepção democrática vão diminuindo acentuadamente.
O ponto de vista dos partidos políticos
Ao encontro foram convidados representantes de 40 partidos políticos, com
destaque para a Frelimo, Renamo e o MDM.
Sérgio Pantie, membro da Comissão Política e secretário do Comité Central do
partido Frelimo para a organização, em representação da formação política no
poder, disse, citando o Presidente Armando Guebuza aquando das celebrações do 4
de Outubro, que “a paz é um valor estruturante de todo o nosso pensamento e
acção na nossa lavoura quotidiana de erguer um Moçambique livre da pobreza,
próspero, sempre unido e com crescente prestígio na comunidade
internacional”.
“Na verdade, vemos hoje que com a paz prosperando em cada canto do nosso
país, a vastidão dos benefícios é longa e robusta como a geografia e tenacidade
do próprio país e povo. Com a paz, o povo moçambicano pode diariamente usufruir
das realizações do Governo em vários domínios como a expansão da rede escolar,
sanitária, abastecimento de água rural e urbana, telefonia móvel, a ruralização
da banca e do micro-crédito, energia eléctrica para quase todas as sedes
distritais e muitos postos administrativos levados pela reabilitada energia de
Cahora Bassa, a expansão da televisão e das rádios para formar e informar o
nosso povo”, disse.
Acrescentou que, com a paz, os moçambicanos testemunham a reconstrução e
expansão das vias de acesso, das estradas asfaltadas, das grandes e pequenas
pontecas que ligam vidas, comunidades e o país e que melhoram grandemente a vida
dos concidadãos. Com a paz, os jovens testemunham e desafiam a sua inteligência
concorrendo para os exames de admissão ao Ensino Superior, provando nos seus
exames e testes periódicos a sabedoria buscada nas carteiras do primário e
secundário para, no dia da graduação, com as togas posarem, com famílias e
convidados, para as fotografias com os seus canudos de fim do curso
superior.
Com a paz materializam-se os projectos de desenvolvimento económico e social
com base, primeiro, na capacidade dos moçambicanos e, segundo, com a colaboração
do investimento externo atraídos não só pelas variadíssimas riquezas do país
mas, sobretudo, pelo bom ambiente de negócio.
“Tudo isso porque, caros conferencistas, todos nós estamos seriamente
comprometidos com a paz e porque sabemos que a alternativa à paz é a própria
paz”, disse.
Segundo Sérgio Pantie, a paz é um aspecto central para galvanizar as vontades
e esforços de todos os moçambicanos para o desenvolvimento, promovendo a
inclusão, a cultura de diálogo permanente entre as forças vivas de uma sociedade
democrática.
A Renamo, na voz do seu secretário-geral, Manuel Bissopo, considera que os 20
anos da paz foram muito difíceis para consolidá-los. Afirmou que, em 2005, a
Força de Intervenção Rápida atacou militarmente a guarda da Renamo em Inhaminga,
província de Sofala, e a 8 de Março último em Nampula. Os membros da Renamo e a
maioria dos moçambicanos são excluídos das oportunidades que o país oferece.
“A Frelimo incentiva em todas as instituições do Estado e até privadas a
exclusão social, marginalizando todo e qualquer moçambicano que não concorde com
a sua filosofia”, disse.
Manuel Bissopo acrescentou que a Polícia e recentemente os líderes
comunitários, principalmente nas zonas rurais, são usados para reprimir e
humilhar os membros da Renamo, procurando sempre decidir penalizando-os.
Disse que a Renamo foi enganada em Roma. Tudo o que as partes acordaram
continua a ser deliberadamente violado pela Frelimo, demonstrando que não está
interessada num verdadeiro Estado de Direito democrático.
O secretário-geral da Renamo disse, no entanto, que este partido é pelo
diálogo, não quer a guerra. Pretende negociar a gestão dos processos eleitorais,
a reorganização do Exército, a reestruturação e reformas profundas a nível da
PRM, constituição da Força de Intervenção Rápida (FIR), transparência na gestão
das riquezas do país e o processo de implementação e execução dos respectivos
acordos alcançados.
Para o MDM, vistas as diferentes vertentes da paz, fica claro que em
Moçambique só houve o calar das armas. A paz continua ausente no dia-a-dia dos
moçambicanos. Passados 20 anos do AGP, a maioria das famílias moçambicanas vive
num ambiente de total incerteza, devido à carência de bens e serviços básicos.
Para o secretário-geral desta formação política, Luís Boavida, a tolerância
política e a convivência na diversidade ainda são aparentes, porque nas zonas
longe de Maputo, o partido no poder tudo faz para impedir, desestabilizar e
inviabilizar as actividades do MDM.
A justiça e a Administração Pública em geral são usadas como instrumentos ao
serviço do partido político que governa o país.
“Lá, os membros e simpatizantes do MDM são ameaçados e agredidos fisicamente
e presos sem justa causa; as sedes do MDM são vandalizadas e destruídas,
bandeiras arriadas, rasgadas e apoderadas por membros do partido no poder
protegidos pela PRM, Polícia Camarária, líderes comunitários e titulares locais
das instituições do Estado”, disse Luís Boavida, acrescentando que se trata de
manobras que põem em perigo a paz e a construção de um Estado de Direito
democrático e visam consolidar e reinstitucionalizar as atitudes e práticas de
partido único.
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