Thursday, 25 October 2012

Paz em Moçambique precisa de ser consolidada - afirma Salomão Moyana

 
Salomão Moyana
Salomão Moyana
A PAZ no país não está devidamente consolidada, porque ainda prevalecem defeitos como a intolerância e a desconfiança mútua entre os protagonistas do AGP, segundo afirmou, terça-feira, em Maputo, o jornalista Salomão Moyana na conferência nacional sobre “a consolidação da paz e democracia em Moçambique: O papel dos partidos políticos”, organizada pelo Instituto Holandês para a Democracia Multipartidária (NIMD) em parceria com a AWEPA.
O encontro, de dois dias, tinha como objectivo colher a percepção dos partidos acerca dos ganhos e constrangimentos nos 20 anos da paz e da democracia multipartidária, bem como lançar as bases para a criação duma agenda conjunta de diálogo entre os partidos políticos para o reforço da democracia e de um ambiente de convivência política saudável entre si.
Orador do tema “20 anos de paz: Ganhos, constrangimentos, desafios e lições aprendidas”, Salomão Moyana afirmou que em Moçambique houve dois processos que tiveram lugar simultaneamente, enquanto devia ter havido um de cada vez. Trata-se, segundo aquele jornalista, da pacificação e da democratização do país.
Disse que depois da assinatura do Acordo Geral de Paz, em 1992, o país devia ter um período de transição para a pacificação. O AGP não era a conclusão do processo de pacificação. O processo de pacificação devia ter durado muito mais tempo.
Salomão Moyana afirmou que a ONUMOZ (Operação das Nações Unidas em Moçambique) não teve dinheiro suficiente para garantir o processo de pacificação no país. A título de exemplo, a ONUMOZ gastava um milhão de dólares norte-americanos por dia para manter a sua máquina operacional. Este facto, de acordo com o orador, terá feito com que a missão terminasse antes da consolidação do processo de pacificação.
“Teríamos tolerância entre nós todos se tivéssemos consolidado o processo de pacificação”, disse.
Indicou que os discursos belicosos que são proferidos por alguns políticos são sinal demonstrativo de intolerância, ataque, desconfiança e não contribuem para a construção duma paz genuína. Em 2012, disse, os políticos estão a discutir o mesmo problema que discutiam em 1992, como é o caso dos homens armados.
“Se tivéssemos resolvido o problema da pacificação, teríamos resolvido o problema do uso das nossas línguas nacionais na Assembleia da República e na Justiça. Teríamos resolvido a reintegração socioeconómica de milhares de desmobilizados”, observou.
Disse que a não conclusão do processo de pacificação tem reflexo no tipo de paz que hoje os moçambicanos têm. É uma paz precária, que depende mais da vontade das lideranças políticas do que do povo, uma paz que fica refém dos protagonistas do Acordo Geral de Paz.
Ressalvou, porém, que apesar disso o país cresceu, os moçambicanos demonstraram uma vontade enorme de viver em paz. Moçambique é um dos poucos países que não têm saldo de sangue, depois do alcance da paz.

Constrangimentos

Como constrangimentos à consolidação da paz em Moçambique, Salomão Moyana apontou a lei eleitoral. Segundo afirmou, cada ciclo eleitoral moçambicano foi regido por uma legislação específica. A instabilidade da legislação eleitoral contribui para a instabilidade da paz. Por isso, defendeu, é importante que se resolva a questão da legislação eleitoral.
Outro constrangimento apontado por aquele jornalista é de domínio comportamental. Segundo ele, tem havido comportamentos dúbios que não abonam a favor da paz e que podem desaguar num processo de confrontação. O campo do jogo eleitoral não se encontra aberto para todos os jogadores.
“Urge termos um comportamento cívico que nos ajude à paz. A paz tem de ser postura diária de cada um de nós. Uns não podem jogar no pelado, enquanto outros jogam no relvado”, disse.
A actuação da Polícia da República de Moçambique (PRM) é também um dos constrangimentos à consolidação da paz. Salomão Moyana disse que a PRM está profundamente partidarizada. Acata ordens ilegais para prender adversários políticos de alguém.
Indicou que a PRM não está a obedecer à legalidade e à Constituição. Para contrapor esta situação, defendeu, há que se reformar algumas figuras da corporação policial e que esta seja apetrechada de meios necessários para o desempenho cabal das suas funções.
O sector da Justiça também mereceu reparos por parte do orador. Salomão Moyana disse que alguns sectores do sistema de administração da Justiça já não fazem a justiça, porque actuam em obediência ou sob alguns ditames políticos.
Outro constrangimento apontado pelo orador é a “velocidade democrática” do país. Disse que à medida que se percorre o país, partindo da capital, constatam-se muitos problemas. Por exemplo, afirmou, é muito difícil realizar uma reunião na Manhiça, província de Maputo, sem que aos organizadores lhes sejam impostas ou exigidas muitas condições, ou sem que lhes sejam feitos muitos questionamentos. Ou seja, à medida que se sai da capital do país, a cultura e a percepção democrática vão diminuindo acentuadamente.

O ponto de vista dos partidos políticos

Ao encontro foram convidados representantes de 40 partidos políticos, com destaque para a Frelimo, Renamo e o MDM.
Sérgio Pantie, membro da Comissão Política e secretário do Comité Central do partido Frelimo para a organização, em representação da formação política no poder, disse, citando o Presidente Armando Guebuza aquando das celebrações do 4 de Outubro, que “a paz é um valor estruturante de todo o nosso pensamento e acção na nossa lavoura quotidiana de erguer um Moçambique livre da pobreza, próspero, sempre unido e com crescente prestígio na comunidade internacional”.
“Na verdade, vemos hoje que com a paz prosperando em cada canto do nosso país, a vastidão dos benefícios é longa e robusta como a geografia e tenacidade do próprio país e povo. Com a paz, o povo moçambicano pode diariamente usufruir das realizações do Governo em vários domínios como a expansão da rede escolar, sanitária, abastecimento de água rural e urbana, telefonia móvel, a ruralização da banca e do micro-crédito, energia eléctrica para quase todas as sedes distritais e muitos postos administrativos levados pela reabilitada energia de Cahora Bassa, a expansão da televisão e das rádios para formar e informar o nosso povo”, disse.
Acrescentou que, com a paz, os moçambicanos testemunham a reconstrução e expansão das vias de acesso, das estradas asfaltadas, das grandes e pequenas pontecas que ligam vidas, comunidades e o país e que melhoram grandemente a vida dos concidadãos. Com a paz, os jovens testemunham e desafiam a sua inteligência concorrendo para os exames de admissão ao Ensino Superior, provando nos seus exames e testes periódicos a sabedoria buscada nas carteiras do primário e secundário para, no dia da graduação, com as togas posarem, com famílias e convidados, para as fotografias com os seus canudos de fim do curso superior.
Com a paz materializam-se os projectos de desenvolvimento económico e social com base, primeiro, na capacidade dos moçambicanos e, segundo, com a colaboração do investimento externo atraídos não só pelas variadíssimas riquezas do país mas, sobretudo, pelo bom ambiente de negócio.
“Tudo isso porque, caros conferencistas, todos nós estamos seriamente comprometidos com a paz e porque sabemos que a alternativa à paz é a própria paz”, disse.
Segundo Sérgio Pantie, a paz é um aspecto central para galvanizar as vontades e esforços de todos os moçambicanos para o desenvolvimento, promovendo a inclusão, a cultura de diálogo permanente entre as forças vivas de uma sociedade democrática.
A Renamo, na voz do seu secretário-geral, Manuel Bissopo, considera que os 20 anos da paz foram muito difíceis para consolidá-los. Afirmou que, em 2005, a Força de Intervenção Rápida atacou militarmente a guarda da Renamo em Inhaminga, província de Sofala, e a 8 de Março último em Nampula. Os membros da Renamo e a maioria dos moçambicanos são excluídos das oportunidades que o país oferece.
“A Frelimo incentiva em todas as instituições do Estado e até privadas a exclusão social, marginalizando todo e qualquer moçambicano que não concorde com a sua filosofia”, disse.
Manuel Bissopo acrescentou que a Polícia e recentemente os líderes comunitários, principalmente nas zonas rurais, são usados para reprimir e humilhar os membros da Renamo, procurando sempre decidir penalizando-os.
Disse que a Renamo foi enganada em Roma. Tudo o que as partes acordaram continua a ser deliberadamente violado pela Frelimo, demonstrando que não está interessada num verdadeiro Estado de Direito democrático.
O secretário-geral da Renamo disse, no entanto, que este partido é pelo diálogo, não quer a guerra. Pretende negociar a gestão dos processos eleitorais, a reorganização do Exército, a reestruturação e reformas profundas a nível da PRM, constituição da Força de Intervenção Rápida (FIR), transparência na gestão das riquezas do país e o processo de implementação e execução dos respectivos acordos alcançados.
Para o MDM, vistas as diferentes vertentes da paz, fica claro que em Moçambique só houve o calar das armas. A paz continua ausente no dia-a-dia dos moçambicanos. Passados 20 anos do AGP, a maioria das famílias moçambicanas vive num ambiente de total incerteza, devido à carência de bens e serviços básicos. Para o secretário-geral desta formação política, Luís Boavida, a tolerância política e a convivência na diversidade ainda são aparentes, porque nas zonas longe de Maputo, o partido no poder tudo faz para impedir, desestabilizar e inviabilizar as actividades do MDM.
A justiça e a Administração Pública em geral são usadas como instrumentos ao serviço do partido político que governa o país.
“Lá, os membros e simpatizantes do MDM são ameaçados e agredidos fisicamente e presos sem justa causa; as sedes do MDM são vandalizadas e destruídas, bandeiras arriadas, rasgadas e apoderadas por membros do partido no poder protegidos pela PRM, Polícia Camarária, líderes comunitários e titulares locais das instituições do Estado”, disse Luís Boavida, acrescentando que se trata de manobras que põem em perigo a paz e a construção de um Estado de Direito democrático e visam consolidar e reinstitucionalizar as atitudes e práticas de partido único.


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