Carlos Nuno Castel-Branco em entrevista à “Deusche Welle”.
No final da década de 1980, Moçambique ocupava o último lugar do Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD. Com os dividendos da paz, o país conseguiu diminuir a pobreza, facilitando o acesso à saúde e à educação, por exemplo. Contudo, na segunda década de paz, a pobreza rural não diminuiu ou piorou. Em 2011, Moçambique encontrava-se no lugar 184 entre 187 países do mesmo Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD. Como explica esta situação?
(...) Os grandes projectos, que marcaram a segunda década, o grande investimento para toda a área do complexo mineral energético, não geram os níveis de emprego nem geram as ligações necessárias com o resto da economia para poder dinamizar a economia como um todo: nós, nos últimos dez anos, tivemos um aumento rapidíssimo do investimento directo estrangeiro em Moçambique. Mas, ao todo, 80% do investimento vão para infra-estruturas e serviços ligados ao complexo mineral energético, ou, no caso da agricultura, ligados à exportação de bens primários sem processamento, que é o caso das florestas, o caso do tabaco, o algodão e o caju. Ora, ao gerar uma economia de tipo extractivo, as actividades económicas não se ligam umas com as outras. Outro problema é que a economia também não retém a riqueza que gera, então, por exemplo, apesar de a economia de Moçambique continuar a crescer entre 7 e 7,5% ao ano, a nossa dependência relativamente a fluxos de recursos externos aumentou neste período – não só no que diz respeito a financiamento do Estado, mas, sobretudo, no que diz respeito a financiamento de investimento privado. 95% do investimento privado são financiados por fluxos externos de capital.
A ajuda externa financia cerca de 40% do Orçamento do Estado de Moçambique. Até que ponto acha que o Estado continua, ou continuava, até à vinda dos mega-projectos, dependente desta ajuda externa?
Na minha opinião, quando o grande capital internacional começou a ficar, o elemento determinante do desenvolvimento da economia nacional, nos últimos 12, 15 anos, a ajuda externa passou a jogar um papel interessante, que é o papel de financiar este grande capital: o Estado dá incentivos fiscais enormes ao grande capital. O Estado entraria em colapso político se desse estes incentivos fiscais ao grande capital e não tivesse ajuda externa, porque a ajuda externa permite ao governo prestar serviços e permite ao governo prestar esses serviços, apesar do facto de as políticas nacionais serem de todo o apoio ao grande capital internacional, incluindo o favorecimento da saída de capitais de Moçambique. Ora, em incentivos redundantes que nós estamos a dar a multinacionais, Moçambique está a perder 240 milhões de dólares por ano. Nós é que estamos a fazer o dinheiro sair do país, com as políticas que estamos a seguir. É verdade que aqueles 240 milhões de dólares não dão para todas as necessidades de Moçambique, mas dão para muita coisa. São 10% do Orçamento do Estado. Além disso, nós estamos a acelerar a entrega de recursos a grandes empresas internacionais e estamos, neste momento, a permitir a saída de 7 a 9% do PIB em fuga lícita e ilícita de capitais todos os anos. Então, como é que somos reféns dos doadores? Nós somos reféns de nós próprios. É paradoxal que, enquanto nos últimos dez anos o Produto Interno Bruto de Moçambique pouco mais do que duplicou, a produção alimentar per capita no país diminuiu no mesmo período. Então, isto tem reflexos directos: primeiro, a maioria das pessoas, de facto, não está a participar tão activamente no processo de recuperação económica; segundo, o principal bem de consumo básico, que é a comida, está a ficar mais caro, e isso necessariamente afecta a distribuição real de rendimento, contra as pessoas pobres. E os mega-projectos precisam de infra-estruturas extremamente caras, de grande escala, grande envergadura, mas que não servem para diversificar e ligar o país.
Quais são, então, os benefícios dos mega-projectos para o país?
Os benefícios são marginais. Ainda. Com base fiscal, estamos a reter menos do que 4% das receitas brutas destes projectos, que é um nível de retenção muito limitado. A Mozal emprega um pouco mais que 1 500 trabalhadores. Mas se nós pensarmos que o investimento que a Mozal fez em Moçambique é equivalente a um quarto do PIB, nós, com um quarto do PIB, empregamos 1 500 pessoas! Com todo o PIB, este custo por posto de trabalho, nós iríamos empregar 6 000 pessoas num país que tem 23 milhões... Então, não é uma estratégia viável para gerar emprego! A economia não pode continuar a gerar postos de trabalho com esse tipo de custo por posto de trabalho. Estimulou algum tipo de formação, mas este é muito reduzido, de muito pouco alcance, gerou riqueza, mas esta riqueza não é absorvida pela economia, gerou nome para Moçambique como uma zona no continente africano onde grande investimento internacional é seguro e pode vir, mas, por outro lado, isso não beneficia o desenvolvimento do país.
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