Sunday 29 April 2012

O Povo moçambicano não pode continuar a deixar-se enganar

Temos quase tudo para emergir como um país viável, auto-suficiente na interdependência básica inevitável.
Mas estamos longe de uma posição que possa orgulhar seus cidadãos.
Os sucessivos governos que têm liderado a situação, todos da mesma cor política e gravitando em torno das mesmas figuras há cerca de quatro dezenas de anos, têm sido incapazes de exibir uma postura que continue a merecer respeito. Daqui em diante só se deixará enganar quem quiser.
Se nos primeiros anos da nossa auto-determinação e independência se poderia atribuir determinados comportamentos à falta de experiência e conhecimentos específicos sobre a arte e ciência de governar, já passa tempo mais do que suficiente para que se continue a utilizar o mesmo tipo de conversa. O desempenho da governação do país deu no que deu e está à vista de todos nós.
O que sucede é que os senhores que nos vão governando estão ocos de ideias e mais entretidos com os seus interesses pessoais do que com a boa governação. Não andam nem um pouco preocupados com o Povo. Fingem que sim.
Apenas isso. E o Povo não pode continuar a deixar-se enganar.
Há todo um conjunto de circunstâncias e factores que interferiram e continuarão a interferir com o que deveria ser governação de facto.
Os interesses de certas famílias e o “complot” já são tantos que no dia--a-dia só se preocupando com os seus umbigos já não querem saber do Povo para nada. Não se pode estar no governo e ao mesmo tempo nos negócios. O Estado deixa de ser entidade reguladora. O Estado passa a ser a machamba de um grupo de senhores e o Povo só pode esperar fome. Quem está no Governo e à frente das instituições públicas só vê o que pode tirar para si em vez de encontrar soluções para os demais concidadãos. Governar passa a ser coisa para fazerem nas horas vagas.
Enquanto não houver um refrescamento do núcleo do poder em Moçambique, o Povo vai continuar a esperar pelo que nunca terá.
O que se pretendia com todo o combate anti-colonial deixou há muito de ser agenda dos senhores que pensam que a moçambicanidade para eles é Poder. Para esses senhores os outros moçambicanos há muito que deixaram de contar.
Moçambicanidade passou a ser para a elite a festa que o povo apenas aplaude. Moçambicanidade é para esses senhores o prato em que se servem com os outros a ver.
Todo um povo e as sucessivas gerações se continuarem à espera que eles façam obras para o Povo vão morrer à espera. Sempre os mesmos no poder dá isto. Pensam que o Estado lhes pertence.
O socialismo científico era o argumento. Tirar aos outros para dar ao Povo. Depois apareceram a dizer que se enganaram e agora são eles os donos de tudo o que era para o tal Povo. Fizeram leis para privatizarem a seu favor as coisas que roubaram aos outros.
O socialismo desmoronou. Quando se contabilizou o custo já nem dinheiro havia para comprar farinha.
Foi o desastre que se viu.
O que se prometia deu para o torto.
A economia do País chegou ao caos. Os moçambicanos viram-se na contingência de receber mercadorias industrializadas dos países com políticas que também colapsaram.
Era tudo de segunda qualidade que pagámos com nossos produtos de primeira qualidade.
Ideologicamente amarrado a um conceito que não estava florindo nem na sua origem, Moçambique viu-se coagido a enveredar por caminhos tortuosos que redundaram numa guerra civil. Foi a escolha dos “iluminados” da época que depois de redondamente enganados ainda persistem querendo impor-nos a sua governação, sempre a experimentar coisas novas, sempre amarrada aos mesmos preconceitos, sempre tentando fazer-nos crer que, no entanto, só “eles” nos podem salvar.
A liderança dos primeiros anos após a independência gozava e apreciava as prerrogativas que o poder totalitário lhes garantia. Uns poucos levaram-nos para o abismo, como acabou comprovado.
Alguns saudosistas desse tempo, entre os quais os que possuíam o poder de vida e morte sobre seus compatriotas, apresentam-se ainda hoje convencidos que só deles podem vir as soluções. Claramente denotam um estado de doença psíquica, mas mesmo assim insistem em quererem governar-nos.
É complicado e complexo tomar decisões no âmbito de uma governação pouco democrática, feita ao sabor de uma experiência incipiente e conduzida de modo autocrático.
Sempre os mesmos a procurarem soluções para o país, tem levado a que a governação não se afaste muito do “vira o disco e toca o mesmo”, no essencial.
O país anda hoje mais por que os mesmos de sempre já não conseguem impedir os demais de fazer coisas, do que propriamente por “eles” fazerem.
Mas mesmo assim, de tanto alucinados que andam, continuam a acreditar que são “eles” que fazem.
Autênticos párias egocêntricos. Auto convencidos de que sem “eles” o País não progride. Nem vêem o que o País progrediu depois de Samora que se julgava e julgavam-no um ser omnipotente.
Se os deixássemos continuar a seu bel prazer voltavam aos velhos sonhos à moda dos “kim il sungs”.
Há certas pessoas que não abdicam de pensar que os outros são sempre os culpados pelos males que vivemos e não conseguem entender que só a sua ausência aliviará as tensões e desimpedirá o caminho para que a modernização aconteça. A nossa modernização…
Nunca se falou tanto de se esperar que morram os velhos de Nachingweia para ficarmos definitivamente aliviados. Mas porquê?
Com o nosso voto nas eleições podemos passa-los à reforma. É preciso entendermos todos isto.
Os jovens, felizmente, já começam a assumir a responsabilidade do seu papel histórico e preparam-se para não vacilar. Em Quelimane não perderam a oportunidade e alguns senhores que se julgavam insubstituíveis está-se progressivamente a ver que eram de facto um empecilho.
O surgimento de vozes discordantes no seio do partido que sempre governou Moçambique é um fenómeno interessante que também interessa continuar a seguir. Eles acabarão também por se tornarem protagonistas das mudanças se se deixarem de ajudar a sustentar a elite predadora. Daí também começa a vir uma certa esperança. A grande marcha que os jovens estão dispostos a levar por diante, se for apoiada irá libertar-nos de mais humilhações a que certos senhores insistem sujeitar-nos.
A transição do poder entre Joaquim Chissano e Armando Guebuza não foi pacífica tendo em conta o conjunto dos procedimentos que acompanhámos. A violência foi doméstica, mas o que transpirou foi o suficiente para se ver o quando o poder custa a largar. E o eclipsar de certas figuras mostra bem que unidade existe no seio dos “camaradas”…
Houve esperança como acontece em todos os processos de mudança.
O discurso inicial cheio de vigor acabou por se tornar uma frustração, mas ao menos acabou-se com uma dinastia. Abriu-se caminho para que a oligarquia perdesse força. O inicio de uma nova era na política moçambicana permitiu que se vivesse um certo clima de entusiasmo justificado, pelo simples facto de ter havido um refrescamento. Infelizmente as expectativas goraram-se porque se montou uma nova dinastia.
Tornou-se tudo demagogia e uma forma de encobrir uma agenda pessoal pendente para a construção de uma outra oligarquia. Mas valeu a pena a mudança. Logo que a poeira desapareceu e os correligionários de Joaquim Chissano saíram de cena iniciou-se um movimento firme de reposição das pedras no tabuleiro e com a consolidação do novo elenco acabámos por verificar que entre uns e outros “venha o diabo e escolha”.
Quem estava na escuridão apareceu e ficou claro o que afinal pretendiam os novos titulares do poder.
Moçambique, os moçambicanos no geral continuaram e continuam a ter de aguardar pela oportunidade de terem um bom governo. Afinal era tudo “farinha do mesmo saco”.
Com astúcia e rigor todo o aparato montado durante a segunda república foi sendo desmontado e uma nova equipa de “carneiros obedientes” foi preenchendo os lugares deixados vagos pela click de Chissano.
Em consequência da falta de democracia no País tudo o que a nova liderança entendeu fazer, conseguiu, e Moçambique no geral continuou a ter de aguardar por melhores dias.
Até aqui tem-se apenas assistido a batalhas entre “alas” do mesmo partido e o resultado tem sido graves prejuízos e adiamentos sucessivos de oportunidades para a esmagadora maioria dos concidadãos do País.
Hoje quase a caminhar para a recta final do mandato, a III república pouco ou quase nada tem para mostrar de interesse público. O que foi feito é mais resultado do que os senhores do Governo não conseguiram impedir, do que os que esses senhores deixam como seu legado a Moçambique.
O que se continuou a ver com as mudanças no seio da mesma confraria política foi um grupo de senhores apoderarem-se do Estado no seu interesse privado e usarem o Estado para lhes servir de trampolim para conquista de espaço em iniciativas privadas.
Montaram-se redes de empresas privadas em vários sectores de actividade, e em quase todas elas se nota o toque mágico do grande líder.
Termos Estado e governo continua a ser um desejo por realizar.
Os sócios nacionais das empresas estrangeiras não deixam margens para dúvidas para entendermos o que o “espírito santo” fez por eles.
Em frente de todos os empreendimentos que foram sendo idealizados e implementados os nomes não deixam dúvidas do que se pretende aludir quando se fala de corrupção.
A viciação das regras do “procurement”, a promiscuidade entre o público e o privado, a promoção e crescimento do nepotismo, das alianças familiares no lugar dos interesses do País, a confusão desenvolvida entre o familiar e o público, a recorrente recusa em escutar a voz dos cidadãos levou a que o país se transfigurasse.
Somos um país com recursos da mais diversa natureza mas temos que pedir ajuda a países destituídos dos mesmos. Não havendo corrupção seria possível aparecerem ao mesmo tempo que os grandes projectos, florescentes, de um dia para o outro, figurões do governo que antes andavam a contar as quinhentas ou quase isso? E se não fosse corrupção porque será que são sempre os mesmos e só florescem os do governo?
Por outro lado, nestes anos todos, os recursos humanos que deveriam ser capitalizados no quotidiano de modo a que nacionais e empresas nacionais se colocassem na lista daquelas que exploram os recursos nacionais, jamais foram formados. O que de formação emergiu foi uma infeliz experiência de que resultaram alterações nas estatísticas e pouco mais. A mediocridade é tal que um inquérito aos conhecimentos básicos no seio de graduados universitários revelaria situações muito graves. Tanto é assim que ninguém se atreve a fazer tais inquéritos. Bastou, no entanto, o inquérito à UEM, recentemente divulgado pelo Canal de Moçambique, para dali qualquer um perceber o que terá saído daquela fornalha.
Enganam-se a eles próprios, até ao dia em que abrirem os olhos, os que se continuam a deixar iludir por estes senhores que estão no governo.
Quando mais tempo se leva a abrir os olhos, mais tempo leva a vir a solução.
A corrida para o Congresso de Pemba da Frelimo vai continuar a revelar o tipo de ambiente que se vive no seio daquele partido. A luta é por quem ficará em posição de arranjar bons sócios estrangeiros por via do poder político. Deixou de haver preocupação com o Estado.
Pensam que por ali se chega ao céu e que tudo perdura. Esquecem-se de que o Povo está a ver…
Os moçambicanos esperam e anseiam por mais democracia e pelo fim da mediocridade como forma de estar na vida pública e não será seguramente no tal congresso, mas, sim, em eleições livremente concorridas que o grande problema nacional se resolverá. Disso devem tomar consciência os moçambicanos.
Não olhar para Pemba como algo de onde virá a solução para os seus problemas, é mais seguro do que continuarem a deixarem-se adormecer por coisas do género. Já se viu que aqueles congressos só resolvem os problemas de alguns…
O País precisa de mudanças e a essencial é que tudo se faça para que o fórum essencial não seja aquele. Já vivemos experiências suficientes para nos deixarmos de ilusões iguais às de sempre.
Não se pode continuar a perder a oportunidade de influir no que acontece neste portentoso país, empobrecido por políticas e políticos que enriquecem enquanto continuam a iludir os cidadãos em geral.
É preciso que se perca o medo e se avance para mudanças mas em eleições e não em assembleias partidárias encenadas para mais uma vez adormecer os tontos que continuam a deixar-se levar.
Os moçambicanos não podem continuar cegos ou a fazer-se de cegos. É hora de dizer basta à farsas.

Noé Nhantumbo, Canal de Moçambique - 28.03.2012, citado no Moçambique para todos

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