David Simango perdeu a guerra, que ele próprio desnecessariamente provocou, com os vendedores informais, e mais do que isso, mostrou que aprendeu pouco dos erros dos seus antecessores. Por isso, sai manifestamente fragilizado neste confronto. Porque mostrou que é um presidente perfeitamente vulnerável à pressão, que cede no seu primeiro grande teste público como presidente do município.
“Podem vender à vontade, mas deixem as ruas limpas, podem vender, mas deixem as pessoas circular”, David Simango, ontem na reunião com os vendedores informais.
O presidente do Conselho Municipal da Cidade de Maputo emendou a mão e fez, ontem, mea culpa no seu diferendo com os vendedores informais. Numa atitude inédita e com objectivos puramente políticos, Simango autorizou publicamente os vendedores a passarem a vender livremente nas ruas da capital.
Para quem cinco dias antes tinha dito que não recuava da sua decisão e seria intransigente no braço-de-ferro com os vendedores informais, é sem dúvida extraordinário este volte-face do mayor de Maputo.
Em palavras mais simples, diríamos que David Simango perdeu a guerra, que ele próprio desnecessariamente provocou, com os vendedores informais, e mais do que isso, mostrou que aprendeu pouco dos erros dos seus antecessores. Por isso, sai manifestamente fragilizado neste confronto. Porque mostrou que é um presidente perfeitamente vulnerável à pressão, que cede no seu primeiro grande teste público como presidente do município, acentuando a ideia de que lhe falta carisma suficiente para o cargo. A sombra de Comiche, pelos vistos, ainda está bem presente naquela casa.
Como dizíamos, desde Baptista Cosme, falharam todas as tentativas de tirar à força os vendedores informais das ruas. E nessa altura, há mais de 20 anos, não havia tantos vendedores nas ruas como os há agora. O que, então, houve de comum entre Cosme, Canana, Comiche e agora Simango?
Faltou a compreensão da verdadeira dimensão do fenómeno “comércio informal”. No caso de Simango, minimizou mesmo a força deste segmento económico-social, como o atesta o excessivo recurso aos mecanismos coercivos e administrativos para o eliminar, só acedendo ao diálogo quando a pressão dos vendedores se tornou absolutamente insustentável, como se viu na televisão, na passada sexta- feira.
Faltou a Simango, tal como aos seus antecessores, perceber que o problema dos informais se resolve compreendendo a sua génese: de onde eles vêm e por que evoluíram tanto, ao longo destes anos, apesar da tensão permanente e quase diária com as autoridades, alimentada muitas vezes pela ambiguidade do município, que por uma mão lhes cobra taxas, e por outra manda-os embora das ruas.
Umas vezes politicamente instrumentalizados e outras vezes ostensivamente ostracizados, os vendedores informais são um produto do nosso modelo de desenvolvimento, goste-se deles ou não. Representam um agrupamento de pessoas socialmente excluídas do processo formal de desenvolvimento, que encontraram na rua uma alternativa para a sobrevivência e melhoria das suas condições de vida.
Maputo cresceu com um inadequado desenvolvimento urbano. Este desenvolvimento descontrolado aliou-se a níveis acentuados de pobreza urbana, ao crescimento das taxas de desemprego, à redução de oportunidades e ao crescimento da exclusão, deixando à maioria dos cidadãos poucas possibilidades de emprego no sector formal, devido ao próprio sistema produtivo urbano, baseado em serviços, comércio e num sistema de capital intensivo. Excluídas dos processos formais da economia, o comércio informal emergiu, então, como a única alternativa para a sobrevivência destas pessoas.
Para gravar, a incapacidade do Estado no provimento de serviços sociais básicos e da economia em criar empregos para a maioria dos seus cidadãos, aliada à falta de articulação das políticas públicas e dos mecanismos integrados de inclusão social, criou terreno fértil para o crescimento destas formas alternativas de gestão social ligadas à produção do bem-estar económico e social dos cidadãos.
Os programas de protecção social introduzidos pelo Estado revelaram-se e continuam a revelar-se manifestamente insuficientes para conter o efeito social e económico do actual modelo de desenvolvimento. Veja-se o potencial de desempregados existente no país – desde os regressados da ex-RDA aos desmobilizados dos exércitos governamental e da Renamo, passando pelos milhares de trabalhadores que perderam empregos nas fábricas têxteis, de descaroçamento de caju e outras indústrias que não resistiram à economia de mercado, até desaguar nos muitos jovens que se formam todos os dias nas nossas escolas e não encontram colocação. Toda esta gente – e suas famílias – precisa de trabalhar para sobreviver, mas o emprego formal não chega para todos. Sobra a rua, a actividade informal. Por isso, para eles, a rua não tem a mesma dimensão que lhe dá quem tem emprego formal e uma vida mais ou menos organizada, que ao fim da jornada, por vezes, passa por ali e compra qualquer coisa. Para eles, a rua é o espaço económico e social que assegura a sua sobrevivência e dos seus. Económico porque lhes assegura a renda. Social porque já não é só o lugar onde vendem, mas também onde desenvolvem redes sociais de solidariedade e grupos de poupança. É como a terra para um camponês. Tirá-los de lá é o mesmo que afrontá-los no espaço sócio-económico essencial para a sua subsistência.
Na verdade, na situação conjuntural do país, o sector informal continua a ser a única alternativa para a sobrevivência de muitas famílias, para a redução da exclusão social. Como dizia uma das vendedeiras, é ali onde cumprem o desiderato de combate à pobreza, onde geram renda para ajudar os maridos e colocar os seus filhos a estudar. Por isso, no lugar de ser combatido com uma musculatura exagerada, como a que se viu nos últimos dias, o informal tem de ser gradualmente integrado, acarinhado, organizado e apoiado. É precisamente aqui onde têm falhado os sucessivos presidentes dos nossos municípios, incluindo o actual.
Jeremias Langa, O País
“Podem vender à vontade, mas deixem as ruas limpas, podem vender, mas deixem as pessoas circular”, David Simango, ontem na reunião com os vendedores informais.
O presidente do Conselho Municipal da Cidade de Maputo emendou a mão e fez, ontem, mea culpa no seu diferendo com os vendedores informais. Numa atitude inédita e com objectivos puramente políticos, Simango autorizou publicamente os vendedores a passarem a vender livremente nas ruas da capital.
Para quem cinco dias antes tinha dito que não recuava da sua decisão e seria intransigente no braço-de-ferro com os vendedores informais, é sem dúvida extraordinário este volte-face do mayor de Maputo.
Em palavras mais simples, diríamos que David Simango perdeu a guerra, que ele próprio desnecessariamente provocou, com os vendedores informais, e mais do que isso, mostrou que aprendeu pouco dos erros dos seus antecessores. Por isso, sai manifestamente fragilizado neste confronto. Porque mostrou que é um presidente perfeitamente vulnerável à pressão, que cede no seu primeiro grande teste público como presidente do município, acentuando a ideia de que lhe falta carisma suficiente para o cargo. A sombra de Comiche, pelos vistos, ainda está bem presente naquela casa.
Como dizíamos, desde Baptista Cosme, falharam todas as tentativas de tirar à força os vendedores informais das ruas. E nessa altura, há mais de 20 anos, não havia tantos vendedores nas ruas como os há agora. O que, então, houve de comum entre Cosme, Canana, Comiche e agora Simango?
Faltou a compreensão da verdadeira dimensão do fenómeno “comércio informal”. No caso de Simango, minimizou mesmo a força deste segmento económico-social, como o atesta o excessivo recurso aos mecanismos coercivos e administrativos para o eliminar, só acedendo ao diálogo quando a pressão dos vendedores se tornou absolutamente insustentável, como se viu na televisão, na passada sexta- feira.
Faltou a Simango, tal como aos seus antecessores, perceber que o problema dos informais se resolve compreendendo a sua génese: de onde eles vêm e por que evoluíram tanto, ao longo destes anos, apesar da tensão permanente e quase diária com as autoridades, alimentada muitas vezes pela ambiguidade do município, que por uma mão lhes cobra taxas, e por outra manda-os embora das ruas.
Umas vezes politicamente instrumentalizados e outras vezes ostensivamente ostracizados, os vendedores informais são um produto do nosso modelo de desenvolvimento, goste-se deles ou não. Representam um agrupamento de pessoas socialmente excluídas do processo formal de desenvolvimento, que encontraram na rua uma alternativa para a sobrevivência e melhoria das suas condições de vida.
Maputo cresceu com um inadequado desenvolvimento urbano. Este desenvolvimento descontrolado aliou-se a níveis acentuados de pobreza urbana, ao crescimento das taxas de desemprego, à redução de oportunidades e ao crescimento da exclusão, deixando à maioria dos cidadãos poucas possibilidades de emprego no sector formal, devido ao próprio sistema produtivo urbano, baseado em serviços, comércio e num sistema de capital intensivo. Excluídas dos processos formais da economia, o comércio informal emergiu, então, como a única alternativa para a sobrevivência destas pessoas.
Para gravar, a incapacidade do Estado no provimento de serviços sociais básicos e da economia em criar empregos para a maioria dos seus cidadãos, aliada à falta de articulação das políticas públicas e dos mecanismos integrados de inclusão social, criou terreno fértil para o crescimento destas formas alternativas de gestão social ligadas à produção do bem-estar económico e social dos cidadãos.
Os programas de protecção social introduzidos pelo Estado revelaram-se e continuam a revelar-se manifestamente insuficientes para conter o efeito social e económico do actual modelo de desenvolvimento. Veja-se o potencial de desempregados existente no país – desde os regressados da ex-RDA aos desmobilizados dos exércitos governamental e da Renamo, passando pelos milhares de trabalhadores que perderam empregos nas fábricas têxteis, de descaroçamento de caju e outras indústrias que não resistiram à economia de mercado, até desaguar nos muitos jovens que se formam todos os dias nas nossas escolas e não encontram colocação. Toda esta gente – e suas famílias – precisa de trabalhar para sobreviver, mas o emprego formal não chega para todos. Sobra a rua, a actividade informal. Por isso, para eles, a rua não tem a mesma dimensão que lhe dá quem tem emprego formal e uma vida mais ou menos organizada, que ao fim da jornada, por vezes, passa por ali e compra qualquer coisa. Para eles, a rua é o espaço económico e social que assegura a sua sobrevivência e dos seus. Económico porque lhes assegura a renda. Social porque já não é só o lugar onde vendem, mas também onde desenvolvem redes sociais de solidariedade e grupos de poupança. É como a terra para um camponês. Tirá-los de lá é o mesmo que afrontá-los no espaço sócio-económico essencial para a sua subsistência.
Na verdade, na situação conjuntural do país, o sector informal continua a ser a única alternativa para a sobrevivência de muitas famílias, para a redução da exclusão social. Como dizia uma das vendedeiras, é ali onde cumprem o desiderato de combate à pobreza, onde geram renda para ajudar os maridos e colocar os seus filhos a estudar. Por isso, no lugar de ser combatido com uma musculatura exagerada, como a que se viu nos últimos dias, o informal tem de ser gradualmente integrado, acarinhado, organizado e apoiado. É precisamente aqui onde têm falhado os sucessivos presidentes dos nossos municípios, incluindo o actual.
Jeremias Langa, O País
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