A proliferação de mercados informais e de vendedores ambulantes pela cidade do Maputo deve constituir um motivo de preocupação e merecer uma abordagem sociológica, antropológica e também económica, com o envolvimento das partes directamente envolvidas mas sem nunca descurar daquilo que deve ser a postura camarária de qualquer cidade que se preze como tal.
Não podemos ignorar o número de pessoas que dependem, directa ou indirectamente, do rendimento desta actividade para o seu sustendo e das suas famílias. Mas também, convenhamos, não podemos permitir que a anarquia e o total desgoverno imperem sobre as leis e sobre a vida urbana.
É um facto que os mercados do Estrela Vermelha, Mandela, Museu, Fajardo, entre outros, espalhados por toda a cidade, não dispõem do mínimo de higiene e de condições de trabalho e, não raras vezes, comercializam produtos que atentam contra a saúde das pessoas e até mesmo produtos de proveniência ilícita, o que impõe necessariamente que se faça algo visando alterar esta situação sob o risco de também sermos todos nós cúmplices da mesma. Devemos, o mais urgente possível, buscar alternativas que visem inverter este estado de coisas de modo a conferir maior dignidade a todos nós e que se tome, de facto, uma decisão visando repor a governação de uma cidade que se pretende limpa, acolhedora, coesa, segura, funcional, enfim, uma cidade no seu verdadeiro sentido da palavra e não um subúrbio que se pretende cidade.
É que a Lei deve ser para todos e todos os cidadãos devem ser tratados de igual modo pelas leis em vigor. Não se pode exigir que determinados cidadãos que queiram iniciar uma actividade comercial tenham de cumprir determinados requisitos e estejam sujeitos a inspecções e a vistorias pelas autoridades competentes e paguem os impostos enquanto outros não se sujeitem a nenhuma destas exigências e nem sequer pagam os impostos devidos.
Porquê esta discriminação? Não somos todos cidadãos de plenos direitos deste país? Há que se exercer o princípio de igualdade consagrado constitucionalmente.
TRANSFORMAR OS ESPAÇOS OCUPADOS
Os espaços actualmente ocupados por estes mercados poderiam, muito bem, ser transformados num local de múltiplos serviços onde naturalmente poderiam ser reenquadrados os actuais vendedores informais em actividades similares mas minimamente regradas. Poderiam ainda funcionar, paralelamente, nestes mesmos locais, os serviços de apoio ao cidadão (lojas do cidadão) onde os munícipes pudessem ter acesso aos serviços para a obtenção do bilhete de identidade, passaporte, carta de condução, certidões de nascimento, atestado de residência, serviços de cartório e notariado, correios, serviços aduaneiros, licenciamento das actividades económicas, entre outros serviços prestados ao cidadão, pelo Estado, em geral, e pelo município, em específico, de modo a contribuir para o descongestionamento do tráfego rodoviário na baixa e nos actuais locais onde funcionam estes serviços e levá-los para perto do cidadão, garantindo, assim, um atendimento acessível e em tempo útil.
Poderiam ainda ser erguidos nesses mesmos espaços parques de estacionamento, cafés, restaurantes e outras actividades de cariz comercial que possibilitassem a arrecadação de receitas indispensáveis ao funcionamento condigno do próprio município, com sanitários, saneamento do meio e em condições humanamente aceitáveis e apropriadas como acontece em qualquer cidade que se preze como tal. Basta-nos atravessar a fronteira com a vizinha África do Sul ou então visitarmos o Botswana ou a Namíbia para apercebermo-nos do significado de se viver numa cidade.
Não é admissível continuarmos a conviver com barracas que vendem desregradamente álcool, às barbas de uma escola a qualquer hora do dia, como acontece, por exemplo, com as barracas do mercado do Museu, ao lado da Escola Secundária Josina Machel, onde os vendedores não têm sequer as condições sanitárias mínimas e onde a única opção que têm é a de urinarem e defecarem nas árvores dos passeios sob o olhar das crianças e outros cidadãos e o olhar impávido das autoridades municipais.
Que exemplo de vida se quer transmitir à próxima geração?
Imaginemos a sensação de alguém que viaje de carro e venha pela primeira vez à cidade do Maputo, e que após contornar a rotunda da Toyota de Moçambique, entre pela Av. 24 de Julho.
Certamente que a primeira imagem que o marcará será de estar a entrar numa cidade desorganizada, suja e sem o mínimo de condições para almejar que seja chamada de cidade. Será isso que todos nós queremos para a nossa cidade capital? Será para isso que contribuímos com os nossos impostos?
Até quando ficaremos reféns da falta de imaginação e pró acção visando transformar, em realidade, o sonho de viver numa cidade limpa, acolhedora, segura e próspera? Como desejar boas vindas a um visitante com a imagem de sujeira e de desorganização que caracteriza esta área? O que impossibilita que se construa, de forma organizada, novos edifícios e até mesmo um mercado moderno naquelas bandas ou que se transfira o actual mercado para um local apropriado e com as condições higiénicas necessárias?
ARRUAÇA E OBSTRUÇÃO DO TRÂNSITO NA MARGINAL
Ao percorrermos a marginal do Maputo e o seu prolongamento pela Costa do Sol, deparamo-nos com outro fenómeno também preocupante no qual as pessoas vendem na rua e de forma desregrada bebidas alcoólicas, confeccionam comida sem o mínimo de higiene e sem sanitários e onde a árvore do passeio, a praia e o próprio passeio servem de sanitários e lixeira. A marginal deveria ser o espelho da nossa cidade e o local aprazível para se estar com a família e amigos, nas tardes quentes e nos momentos de lazer para refrescar na praia, pescar-se, praticar-se desporto e deliciar-se da beleza da nossa praia. Após a reabilitação da marginal e da estrada e constituída a circular do Maputo, defendo que este espaço deva, no âmbito da parceria público-privada, ser reservado para a construção de restaurantes, cafés, casas de banhos e balneários públicos, marinas para barcos de recreio, locais para a prática do futebol, voleibol de praia, entre outros desportos e serviços de lazer e de praia como acontece noutras cidades do mundo.
As pessoas que hoje vendem bebidas alcoólicas e confeccionam comida na rua e de forma desregrada poderiam também ser contempladas nas novas oportunidades de negócio que fossem erguidas neste âmbito, mas de forma regrada e ordeira. Com esta acção ganhavam todos os cidadãos, incluindo aqueles que hoje vivem do negócio desordenado e informal nesses locais.
O que não se pode admitir é que um espaço tão nobre como o da marginal do Maputo propicie um espectáculo gratuito diário de bebedeira, de arruaça, de falta de higiene, de obstrução ao trânsito rodoviário e deixemos para as gerações vindouras uma herança muito pobre e deplorável do que significa viver numa cidade. É tempo de mudarmos, de facto, de atitude. Não existe bagunça ou desmando que dignifique cultura alguma. Penalizamos quem conduz embriagado mas toleramos e pactuamos com as pessoas que consomem bebidas alcoólicas na marginal e depois conduzem os seus carros sob o olhar impávido das nossas autoridades policiais. A que se deve esta tolerância e ilegalidade cúmplice?
Por outro lado, existem também 80 mil vendedores ambulantes que ocupam as principais artérias da nossa cidade, vendendo um pouco de tudo. O que impede, de facto, que se construam espaços apropriados como acontece com as feiras nas outras partes do mundo e onde estas pessoas possam vender os seus produtos de forma organizada, tenham sanitários públicos e contribuam com impostos para os cofres do município?
Será que também não será altura de o município promover parcerias com as multinacionais envolvidas nos megaprojectos visando buscar outras formas de ocupar esta força de trabalho ociosa, na maior parte das vezes por razões alheias à sua própria vontade e que deambula pela cidade e de uma maneira geral não contribuem, de facto, para o desenvolvimento saudável nem sequer deles mesmo e muito menos dos restantes munícipes que pagam impostos e também têm razão de exigir o seu direito de viver numa cidade limpa e ordeira? Haja vontade, pois o cidadão há muito espera!
• Ismael Mussa - Notícias, 28 de Março de 2012. Leia aqui.
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