O movimento de libertação de Marcelino, Samora e Mondlane, também de Gwambe, Magaia e Simango, fez da solidariedade uma das suas bandeiras. São dos livros, as conferências e encontros do Dr. Mondlane nas universidades americanas e na sede das Nações Unidas em Nova Iorque. É da história a passagem de Gwambe pela Accra de Nkrumah. São notáveis as referências a Marcelino dos areópagos europeus, em Casablanca e no Cairo.
Pelos cv de muitos militantes da causa que entraram no aparelho de Estado no pós-independência, muitos países do Leste europeu, de Cuba e da China Popular ofereceram bolsas de estudos para que moçambicanos tivessem acesso ao ensino que lhes era negado na sua própria terra.
São paradigmáticos os apoios proporcionados a partir das regiões comunistas italianas à causa da libertação em Moçambique, para não falar do tradicional apoio dos países nórdicos, que depois se estendeu às causas da Namíbia, Zimbabwe e África do Sul.
Durante muitos anos mantiveram-se vivos comités de apoio em países ocidentais como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, o Canadá e a Holanda.
Samora Machel, indiscutivelmente o arquitecto da independência, falava de internacionalismo, uma palavra agora em desuso e certamente proscrita entre a nomkenklatura amnésica que tomou de assalto o poder nas duas últimas décadas.
Na marcha do Rovuma ao Maputo, Samora, em termos pedagógicos simples, esforçou-se por desmontar muitos dos fantasmas do passado, como o racismo e a inferioridade racial.
Em nenhum momento, a necessidade de enfatizar a auto-estima foi confundida com o estigma racial, a necessária promoção de um sector a expensas de outro.
Dezenas de nacionalidades chegaram a Moçambique no pós-independência atraídos pelo sonho de construír um país novo e diferente. Milhares de exilados politicos da América Latina nos países nóridocos vieram viver para Moçambique. Havia técnicos de El Salvador, de Guatemala, do Chile, do Uruguai, do Brasil e da Argentina. Eram brancos, mestiços. Pretos poucos.
Havia inimigos – internos e externos – mas não estavam abrigados pelo rótulo global de estrangeiros.
A morte de Samora e a economia de mercado fizeram desparecer o internacionalismo. A solidariedade passou a palavra mitigada no discurso official. E mesmo assim, o país passou a viver de enormes remessas de ajuda alimentar vinda do exterior distribuida internamente por um grande exército de organizações, tambem elas vindas do exterior.
A guerra acabou em Moçambique, mas não acabou em África. Nem tão pouco a miséria. Milhares de burundeses, somalis, etíopes, congoleses e nigerianos escreveram Moçambique nas suas rotas de desespero. Como os moçambicanos demandaram a Zâmbia, a Tanzania, o Zimbabwe e a África do Sul quando a desgraça apertava em casa.
Porém, o discurso de pobreza, da pobreza mental dos media, passou a atribuir aos estrangeiros a desgraça da sua terra. Das lojas e das barracas que os moçambicanos não têm porque exactamente as venderam a malianos, guineenses e nigerianos. Do garimpo que não fazem, mas que é feito por tanzanianos, zimbabweanos e congoleses.
Os oficiais do governo não participam da chacina verbal, mas são cúmplices pelo silêncio e pela omissão. O sentimento xenófobo e o racismo subadjacente beneficia a elite de que fazem parte. Na pressão do emprego na organização não governamental para os seus familiars, nas agencias das Nações Unidas, nos conselhos de administração dos bancos quando perdem os empregos e as mordomias no governo.
E acabamos assim por viver num sistema esquizofrénico em que os estrangeiros são habitualmente os maus da história, mesmo que metade do Orçamento de Estado que paga ministros e subalternos, seja suportado a partir do exterior.
Vivemos num sistema esquizofrénico em que o que corre mal nos programas de desenvolvimento, o crime, o desemprego, a alta do custo de vida e até as doenças é invariavelmente imputada a mãos externas, à cínica agenda dos doadores, ao estrangeiro.
Nem a morte horrenda de algumas dezenas de compatriotas em ataques xenófobos tocou a rebate nas consciências.
Independentemente da cínica agenda dos governantes que já se esqueceram de onde vieram, os moçambicanos devem encontrar em si próprios as respostas para os seus próprios desafios. Sem complexos, sem oportunismo e sem convenientes bodes expiatórios. A escravatura e o colonialismo são referências incontornáveis na história sofrida do continente. Mas não podem igualmente ser arma de arremesso onde se escondem politicos sem escrúpulos e incapazes de desenvolver programas que tragam benefícios aos sectores de baixa renda que são desgraçadamente a maioria da população.
Mais do que armas de arremesso, há estigmas que funcionam como perigosos vírus. E, por experiência própria, quando estes não são combatidos de forma apropriada, desenvolvem pandemias.
Como todos sabemos.
SAVANA, 08/05/09
NOTA:
Muitos moçambicanos estão sempre dispostos a receber dinheiro dos estrangeiros através da ajuda e da venda do País a retalho (estancias, madeira, barracas, negocios, garimpo, etc. ) mas depois teem os descaramento de serem xenófobos.
Os moçambicanos por vezes queixam-se de descriminação no estramgeiro, como podemos reclamar se também temos problemas em nossa casa?
A xenofobia tem de ser denunciada e vigorosamente combatida!
Os moçambicanos por vezes queixam-se de descriminação no estramgeiro, como podemos reclamar se também temos problemas em nossa casa?
A xenofobia tem de ser denunciada e vigorosamente combatida!
2 comments:
Alguem tinha de ser o bode expiatorio. Ninguem melhor do que os estrangeiros ou os colonos. S. Machel e seus seguidores faziam e diziam e faziam coisas bastante incoerentes. Nao gostavam dos estrangeiros, brancos, etc., mas estavam dispostos a pedirem ajuda externa aos mesmos, isso nao faz sentido nenhum. Entao, tinham orgulho para umas coisas, porque nao para outras? Muitos Mocambicanos sao mesmo xenofobos, mas esquecem-se depressa da valiosa ajuda que recebem nos paises de acolhimento... e nao estao dispostos a darem aos outros em suas casas o que receberam no estrangeiro. No estrangeiro fazem exigencias que nem sequer sonhariam fazer em Mocambique, pois sabem o que de 'bom' lhes poderia acontecer. Cinismo ou maldade? Sou contra qualquer forma de racismo ou xenofobismo. Maria Helena
Isso mesmo, Maria Helena, e mesmo assim, e os mais atentos, contra tudo e contra todos, vao continuar a denunciar as situacoes e a alertar sobre os perigos do racismo, tribalismo e xenofobia e outros oportunismos abertos ou encobertos.
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