Friday 16 October 2009

João Paulo Borges Coelho: Uma Entrevista


A propósito da atribuição do Prémio Leya ao académico e Autor moçabicano João Paulo Borges Coelho, para quem dos exmos visitantes Maschambianos não o conhece, em seguida transcrevo, com a devida vénia, uma entrevista que JPBC concedeu ao Notícias de Maputo e que foi publicada em 15 de Agosto de 2006. Não captei o nome do entrevistador.
Repare o exmo leitor que, sendo JPBC branco e filho de português, o entrevistador não conseguiu resistir a fazer três perguntas a inquirir sobre as suas afinidades e sua “moçambicanidade”. Uma praga perfeitamente aceitável no Moçambique actual.



João Paulo Borges Coelho é historiador. Dedica-se à pesquisa e ao ensino, na Universidade Eduardo Mondlane (UEM), da história contemporânea de Moçambique. É também um escritor que se está a afirmar. Lançou o seu primeiro livro (”As Duas Sombras do Rio”) em 2003 e, no primeiro semestre deste ano, o quinto, intitulado “Crónicas da Rua 513.2″. Pelo meio publicou também “As Visitas do Dr. Valdez”, com que ganhou a edição 2005 do prémio literário José Craveirinha, organizado pela AEMO em parceria com a HCB. A sua escrita literária é um casamento que faz da bagagem científica que carrega com uma ficção sempre relacionada com realidades presentes ou passadas do nosso país. O tema do novo livro é o Moçambique do socialismo, que diz ter sido um tempo “de experiências para lembrar”. Sobre si, sobre este e outros temas que marcam a nossa realidade e não só entrevistámos este proeminente cientista social e valor adquirido na literatura moçambicana, de que passamos a seguir os principais trechos:


N - As suas raízes são portuguesas, apesar de praticamente ter feito a vida em Moçambique. Nasceu no Porto, filho de português. Ocorre-me perguntar, por estes dados, se é moçambicano ou português?
- Sou moçambicano, apesar de ter nascido cá. Nasci no Porto, em 1955, mas as minhas origens maternas são daqui. A minha mãe nasceu no Ibo, a minha avó nasceu no Ibo e a minha bisavó nasceu no Ibo. Ainda há pouco tempo estive lá a ver os túmulos e um deles está referenciado a 1917, duma tia-bisavó. Quer dizer, metade de mim é moçambicana e a outra metade, por via paterna, portuguesa. O mais importante é que eu optei por ser moçambicano.

N - Quais são as suas afinidades com Tete, mais concretamente com o Zumbo, que aparecem em muitos dos seus escritos, tanto de ciência como de ficção?
- Com Tete eu tenho afinidades desde criança, que onde pela primeira vez tive a noção do mundo, com um ou dois anos de idade, foi em Moatize, onde o meu pai trabalhou nas minas de carvão. Em Moatize nasceram dois irmãos meus, portanto foi isso. Com o Zumbo é uma afinidade relativa, apesar de ser especial, porque é um sítio que eu visitei muitas vezes em trabalho. É um sítio que é muito difícil de chegar, está mais para lá, na confluência do Zimbabwe e da Zâmbia, numa espécie de fim do mundo pelas condições em que vive. Então eu decidi fazer um pouco de barulho a volta do Zumbo tal como se podia fazer por muitos outros lugares deste país nas mesmas condições.

N - Apesar de se dizer moçambicano e, ao mesmo tempo, que geneticamente é metade moçambicano e metade português, tem algum afecto especial digamos por Portugal?
- Tenho afinidades, sim. Primeiro porque é a minha terra natal, é terra do meu pai. Mas essas coisas não nos impedem de sermos quem somos. Tenho as minhas afinidades e tomei a minha liberdade de escolher o que sou sem que isso signifique me ter zangado com o pai, nesse sentido. São afinidades, emocionais, culturais que eu acho que para sermos uma coisa não nos devemos necessariamente excluir das outras. Eu acho que todas as experiências e todas as emoções são um capital individual que nós temos e determinam o olhar que nós temos sobre o mundo.

N - Nesse aspecto, no olhar que tem sobre o mundo, e voltando um bocadinho atrás ao que acaba de dizer, que nos obrigam a ser ou uma coisa ou outra, discorda da dupla nacionalidade, que a nossa Constituição rejeita textualmente?
- Sobre isso falo não no sentido legal do país, mas no emocional ou de sentimento. Imaginemos por exemplo um indivíduo de Mocímboa da Praia que tem família na Tanzania com quem comunica numa dessas línguas comuns de um e do outro lado. Para mim a identidade não é uma coisa estática nem feita de acordo com pressupostos teóricos que na prática nem sempre se verificam. Eu acho que ela se processa a vários níveis e à partida temos, num sentido mais amplo, a identidade de seres humanos. Depois vamos descendo a outros níveis até chegarmos a uma identidade especial que é a identidade nacional, que é muito importante porque as relações do mundo ainda se pautam pelas nações, que se regem pelo respeito e reconhecimento a um espaço territorial, a obediência a um estado; há muitas identidades que convivem todas no mesmo espaço e em espaços variados. E até há a identidade individual! Penso que nós devemos viver com os todos os elementos identitários que nos circundam não apenas no nosso meio mais próximo mas também num plano mais amplo. A identidade não é uma caixa fechada nem os seus elementos são estáticos; é uma coisa dinâmica e viva.
“A História é uma ferramenta importante para muitas outras coisas”


(ABM, em www.ma-schamba.com).

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