Deliberadamente, a presente Comissão Nacional de Eleições (CNE) não mostra nenhuma disponibilidade de acolher as contribuições públicas e de, delas, fazer, do actual processo eleitoral, algum sucesso. Antes, pelo contrário, o que a CNE se empenha a fazer é em esgrimir argumentos justificativos da sua actuação, não só muitas vezes ilegal, como, claramente, partidarizada. Ou seja, a CNE dá, nitidamente, aos olhos do público, a entender que age por encomenda do Partido Frelimo, encomenda essa, para nós, desnecessária, porquanto a Frelimo possui todos os meios, experiência e capacidade para ganhar as eleições, sem recorrer a expedientes de tão baixo jaez, como os, sistematicamente, ensaiados pela CNE.
Por outras palavras, se, de facto, a CNE age da maneira como age, a mando da Frelimo, então, a Frelimo já não tem, nem estratégia, nem estrategas eleitorais, ficando refém de oportunistas sem imaginação, que agem como se o povo fosse um conjunto de ignorantes, incapazes de ver quando é que um órgão cumpre o seu papel e quando é que não cumpre, mas anda a dizer que o cumpre.
Primeiro, a CNE não tem nenhuma legitimidade para exigir o cumprimento escrupuloso da Lei a ninguém, pois ela própria nunca se preocupou em cumprir com o número 3 do artigo 20 da Lei 8/2007, de 26 de Fevereiro (Vulgo Lei da CNE), o qual diz, clara e inequivocamente, que “os membros da CNE funcionam em regime de exclusividade”.
O que se sabe é que todos os membros da CNE, que outrora trabalhavam, continuam intactos nos seus empregos anteriores, não mostrando sinais, nem vontade, de aplicar o dispositivo legal que os manda estar na CNE em regime de exclusividade. Aliás, o presidente da CNE, em entrevista à comunicação social, no ano passado, chegou a dizer que “não se pode cumprir a lei à risca”. Perante os últimos desenvolvimentos, e relembrando esse arrazoado jurídico, dá para dizer que, para o Professor Doutor João Leopoldo da Costa, pelos vistos, pode-se, afinal, mandar os outros cumpri-la à risca... Bolas!
Ora bem, recapitulando o filme que o ilustre académico nos dera a contemplar, ao longo da sua actuação nesta CNE, a 7 de Setembro passado, a CNE permitiu-se afixar o que chamou de “listas definitivas” dos partidos apurados para concorrer às eleições. Na circunstância, não disse que motivos estariam por detrás da rejeição de numerosas listas partidárias não constantes das suas vitrinas. Os partidos aglomeraram-se junto da CNE, indagando das razões da não aparição das listas na íntegra. Em discurso legalista, a CNE, através de um dos seus vogais, só dizia que “não podemos dizer os motivos da rejeição, porque assim a lei não o permite”. Perante esta bacorada, cabe perguntar: qual lei, qual quê? De que lei falava esse miserável vogal?
Certamente, falava de uma lei local, contrária ao artigo 253 da Constituição da República de Moçambique, que, no seu número dois, diz que “os actos administrativos são notificados aos interessados, nos termos e nos prazos da lei e são fundamentados, quando afectam direitos ou interesses dos cidadãos, legalmente tutelados”.
Violando a Constituição, a CNE recusou-se a informar e a fundamentar, aos cidadãos interessados, as razões que a levavam a denegar um direito legalmente tutelado.
Só que, - pasmai gentes! -, depois de semanas de um braço de ferro, eis que, a 16 de Setembro, a CNE publica a famosa deliberação número 65, com a data de 5 de Setembro, isto é, datada de antes haver sido tomada tal deliberação! De facto, isto só pode acontecer na CNE, exactamente porque, a teor do miserável argumento do referido vogal, tal deliberação não explicava, nem fundamentava as razões de exclusão.
Em flagrante violação ao artigo 166 da Lei 7/2007, de 26 de Fevereiro, a CNE promoveu a inscrição ilegal de um partido de sua conveniência “democrática”, denominado PLD, só que este foi registado no dia 30 de Junho de 2009, quando o artigo em referência só aceita que apresentem candidaturas, apenas, os partidos registados até ao início do prazo de apresentação de candidaturas.
Ora, o prazo referido na lei começou no dia 1 de Junho e, nessa altura, o PLD nem sequer estava autorizado pelo Ministério da Justiça, o que aconteceu a 11 de Junho, que, então, nem sequer, estava registado na Conservatória dos Registos Centrais, onde só o conseguiu a 30 de Junho de 2009, isto é, 29 dias após ter começado o prazo de apresentação de candidaturas.
Se a CNE é um órgão que se diz cumpridor escrupuloso da Lei, por que é que, neste caso, fica mudo? Pior ainda, deu um tratamento privilegiado ao PLD, ao conceder-lhe três oportunidades para o suprimento de irregularidades processuais, quando, aos outros partidos deu, no máximo, duas oportunidades.
Mais grave ainda, é que a última notificação para o PLD suprir as irregularidades aconteceu a 1 de Setembro passado, quando as listas definitivas da CNE tinham a data de 28 de Agosto! Ou seja, o PLD é notificado, a 1 de Setembro, para suprir irregularidades de uma lista que, a 28 de Agosto, já era definitiva!
Em flagrante violação do número dois do artigo 5, da Lei 15/2009, de 9 de Abril, que estipula que a iniciativa de apresentação das candidaturas nas eleições legislativas cabe aos órgãos competentes dos partidos políticos e coligações de partidos, a CNE promoveu e patrocinou, nos seus próprios aposentos, a apresentação da candidatura do partido UDM na província de Sofala, à revelia “dos órgãos competentes do partido”, conforme o obriga o artigo supracitado. Ou seja, a UDM manifestou o interesse e vontade de participar nas eleições legislativas, concorrendo, apenas, nas províncias de Zambézia e Nampula; só que, estranhamente, na vitrina da CNE, apareceu a concorrer na província de Sofala e não nas províncias solicitadas. Porquê?
Dizem que a estratégia da FRENAMO é levar os incautos a pensarem que a UDM e o MDM são a mesma e única coisa, e isto como forma de, para satisfazer os interesses dos partidos Frelimo e Renamo, pulverizarem os votos do MDM em Sofala, garantindo, assim, uma elevação eleitoral da Frelimo numa província onde nunca foi para além de cinco deputados, e para, desse modo, evitar o terramoto político da Renamo, que vê a sua base provincial fundamental a fugir-lhe, gradualmente, dos pés, a favor do MDM. Portanto, para se atingir os objectivos, todos os meios valem, incluindo a manipulação da mandatária, para mudar a vontade do partido, nas instalações da CNE!
Repetimos, se toda esta sujeira é, realmente, feita com conhecimento e beneplácito da Frelimo, então, o partido no poder está em franca decomposição política, sem estratégia, nem estrategas vitoriosos. De tal forma que, mesmo que ganhe as eleições, terá a sua legitimidade governativa beliscada, pois não é dessa forma que se ganham eleições em países democráticos. Urge, por isso, uma grande reflexão interna no seio da Frelimo!
Como se toda a acumulação de infracções acima enumerada não fosse nada, eis que o sempre prestável presidente da CNE, Dr. João Leopoldo da Costa, em plena televisão nacional, declara, em voz alta, no dia 5 de Outubro, e citamos, “Tenho assessores que me foram sugeridos pelo Conselho Constitucional”. Eureka!
Com que então, este senhor faz e desfaz porque existe um acasalamento, inconstitucional, diga-se de passagem, entre a CNE e o Conselho Constitucional? Se os senhores do “Constitucional” é que assessoram a CNE, como é que, em sede de recurso, podem “desassessorar” o seu assessorado? Onde é que está a observância, sobretudo pelo Conselho Constitucional, da regra democrática fundamental, plasmada no artigo 134 da Constituição da República, a regra da separação e interdependência de poderes? Como é que pode acontecer o que o Dr. Leopoldo disse na TVM?
Com um pouco mais de insistência do entrevistador, nós pensamos que o Dr. Leopoldo seria capaz de ser mais franco: informar ao povo moçambicano que alguns dos venerandos juízes conselheiros do “Constitucional” recebem salários na instituição onde ele é reitor, pois, ali, eles dão aulas! Com um pouco mais de insistência, ficaríamos a saber que também, na instituição onde o vogal das leis era, até ao mês passado, director-adjunto, alguns venerandos precisam de horário para dar aulas e, desse modo, aumentarem a sua renda.
Deve ser, por isso, muito fácil aos venerandos conselheiros encontrar,
dentre colegas de docência comum, alguns disponíveis para assessorar “o
chefão da casa” de quem depende, em última análise, a subsistência do vínculo laboral com a instituição académica.
Subjectiva e afectivamente, não é fácil chumbar a decisão do órgão dirigido por quem nos paga salário, todos os meses, pois, perante isso, pode passar-se a impressão de que estamos a chumbar o nosso próprio salário, o que, claro, nos pode custar o cargo de que nos advém esse mesmo salário!
Com esse nível de cumplicidade social e política, temos imensas dúvidas de que os órgãos aqui referidos venham a exercer a sua função com a necessária imparcialidade, isenção e independência. De resto, o que eles estão a fazer é, exactamente, a demonstrar o contrário.
Gostaríamos que nos surpreendessem, nos próximos tempos, começando por corrigir, em vez de justificar, as infracções cometidas até este momento.
Gostaríamos, igualmente, de ver o Ministério Público a cumprir o seu papel de garante da legalidade, ao invés de continuar espectador cúmplice dos atropelos à Lei, e isto com graves repercussões negativas, na imagem do processo eleitoral em curso e na reputação internacional de Moçambique.
Este País merece melhor!
( Salomão Moyana, no Magazine Independente, citado em www.oficinadesociologia.blogspot.com )
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