Tuesday, 14 December 2010

WIKILEAKS MOÇAMBIQUE 4/4 – EM PORTUGUÊS


por ABM (13 de Dezembro de 2010)

Em baixo, a tradução do texto integral, para língua portuguesa, da quarta de quatro mensagens secretas enviadas por Todd C.Chapman, até meados deste ano o Encarregado de Negócios da Embaixada norte-americana em Maputo, para várias entidades do governo norte-americano.
As anteriores três mensagens já se encontram traduzidas e podem ser encontradas neste blogue.
Esta mensagem, como muitas outras, foi divulgada mundialmente esta semana pelo sítio Wikileaks. Partes do seu conteúdo foram “tratadas” pela imprensa de língua portuguesa, mas ninguém, disponibilizou o que realmente as mensagens continham, em português.
O exmo Leitor que lê em português pode ler em baixo, e saber em primeira mão, o que Todd Chapman escreveu aos seus superiores, na íntegra.
O texto desta, a quarta mensagem do Encarregado de Negócios dos Estados Unidos, com data de 28 de Janeiro de 2010, três dias depois da data indicada na terceira mensagem. Há cerca de dez meses.
Depois de amanhã, e a quem interessar: o que eu penso disto tudo.
A quarta nota do Encarregado de Negócios norte-americano, traduzida:

VZCZCXRO0006
RR RUEHBZ RUEHDU RUEHMR RUEHRN
DE RUEHTO #0086/01 0280621
ZNY SSSSS ZZH
R 280621Z JAN 10
DE EMBAIXADA MERICANA EM MAPUTO
PARA RUEHC/SECRETÁRIO DE ESTADO WASHINGTON DC 1221
INFO RUCNSAD/SOUTHERN AFRICAN DEVELOPMENT COMMUNITY
RUEHLO/EMBAIXADA AMERICANA EM LONDRES 0605
RUEHLMC/MILLENNIUM CHALLENGE CORPORATION WASHINGTON DC
RHEFDIA/AGÊNCIA DE INFORMAÇÕES DE DEFESA WASHINGTON DC
RHEHNSC/ CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA WASHINGTON DC
RUEAIIA/CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY WASHINGTON DC

SECÇÃO SECRETA 01 DE 03 MAPUTO 000086
NOFORN
SIPDIS
E.O. 12958: DECL: 01/28/2020
TAGS: PREL PGOV KDEM KMCA MCC SNAR EINV MZ

ASSUNTO: XXXX FALA DE CORRUPÇÃO AOS MAIS ALTOS NIVEIS DO GOVERNO

REF: A. MAPUTO 80
B. 07 MAPUTO 1395
MAPUTO 00000086 001.2 OF 003
Classificado por: Charge d’Affaires Todd Chapman pelas razões 1.4 (b+d)

1. (S/NF) SUMÁRIO: O Encarregado de Negócios teve recentemente um encontro com XXXX (“a fonte”) que descreveu as suas frustrações com a Frelimo, com o Presidente Guebuza e Mohamed Bashir Suleiman (MBS). He reclamou que eles controlam completamente a economia lícita e ilícita em Moçambique. A fonte, que mantém excelentes ligações dentro do Governo de Moçambique, incluindo o número de telefone privado do Presidente, bem como um relacionamento pessoal com MBS, disse “eu não quero mais fazer negócios em Moçambique” devido a este triunvirato de controlo. Ele está a desfazer-se dos seus activos em Moçambique e diz que ele agora vê a “doença” em Moçambique como se ele “tivesse tido cataractas mas que agora vê tudo”.
2. (S/NF) A fonte descreve o Presidente Gebuza, que ele conhece e com quem tem mantido uma amizade durante os últimos vinte anos, como um “escorpião raivoso que te morde” e tem uma opinião ainda mais sinistra de MBS. Ele adverte que a Frelimo não está interessada em melhorar o padrão de vida dos seus cidadãos, mas, em vez disso, no seu próprio enriquecimento. Na economia legal, o partido no poder, Frelimo, e MBS trabalham em conjunto para controlar as economias legal e ilícita e restringir o espaço para crescimento do sector privado, exigindo uma parte de todas as transacções de negócio com expressão. Na economia ilícita, MBS domina em termos da lavagem de dinheiro e o trânsito de drogas ilegais através do país, pagando subornos à Frelimo. Outras pessoas-chave envolvidas em pressionar a comunidade empresarial para obter subornos ou quotas dos negócios, de acordo com a fonte, são Domingos Tivane, o Director das Alfândegas, e a anterior primeira-ministra, Luisa Diogo. FIM DO SUMÁRIO.
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MOHAMED BASHIR SULEIMAN E ARMANDO GUEBUZA
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3. (S/NF) A fonte XXXX. Ele especulou que, durante o próximo mandato, Guebuza utilizaria os seus associados para acumular uma fortuna pessoal ainda maior. Guebuza gere os seus interesses empresariais através de empresas-frente, incluindo a Insistec, de Celso Ismael Correia e a Intellect Holdings de Salimo Abdullah. A fonte referiu que MBS se reúne pessoalmente com o Presidente Guebuza, que tem conhecimento directo do suporte financeiro dado por MBS a ambos o Partido Frelimo (patrocinando a recente campanha eleitoral) e às empresas-frente de Guebuza. A fonte, que descreveu Correia como “um rapazola com 30 anos de idade” [no original: “pipsqueak”] referiu que Correia não tem qualquer experiência de negócios ou grau universitário, mas que exibe uma grande lealdade em relação a Guebuza.

4. (C) Os interesses empresariais de Guebuza em Moçambique são muitos. Eles incluem quotas na empresa Moçambique Gestores (MG), Maputo Port Development Company (MPDC), que gere o porto de Maputo, Focus 21, Navique, Vodacom e SASOL. Guebuza tem ainda uma percentagem da empresa Maputo Corridor Logistics Initiative (MCLI), que controla a estrada com portagem desde Maputo até à África do Sul, refere a fonte. Guebuza tem quotas num número sifgnificativo de bancos, incluindo o BCI Fomento (a que Correia preside), Moçambique Capitais, Moza Banco e Geocapital. Através de familiares seus, Guebuza controla também Intelect Business Advisory and Consulting, Beira Grain Terminal, MBT Construction, Ltd e Mozambique Natural Resources Corp.

5. (S/NF) Uma nova area em que Guebuza aparenta estar interessado é o negócio de apostas de casino. A fonte refere que Guebuza obrigou o Tribunal Constitucional a fiscalizar e a declarar “constitucional” uma recente lei que liberaliza a indústria de casinos, apesar de conter provisões para que todos os activos dos casinos revertam para o Estado após um dado período de tempo, em violação directa das leis que regulam a propriedade privada e que figuram na Constituição. Os juízes do Tribunal Constitucional, que também legislaram em favor de decisões durante as eleições para invalidar um grande número de candidatos da oposição para os pleitos legislativo e presidencial, reclamaram quanto à inconstitucionalidade da nova lei, mas foi-lhes dito que aprovassem a lei, o que eles fizeram.

6. (S/NF) A fonte deu mais detalhes quanto ao envolvimento de Guebuza em negócios, que estão presentes um pouco por toda a economia. Ele disse que

MAPUTO 00000086 002.2 OF 003

Guebuza está dentro em quase todos os negócios multimilionários dos “mega-projects” através de provisões contratuais para trabalharem com o sector privado Moçambicano. Um exemplo é o envolvimento de Guebuza na aquisição em 2007 da Barragem Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB)ao Governo Português por 950 milhões de dólares americanos. Deste montante, 700 milhões de dólares americanos foram pagos por um consórcio de bancos privados, operação a qual foi montada por um associado de Guebuza, pelo qual Guebuza recebeu, enquanto Presidente no exercício das suas funções, uma comissão estimada em entre 35 e 50 milhões de dólares americanos. O banco Português o qual obteve o financiamento entregou as suas acções no BCI Fomento, um dos maiores bancos comerciais Moçambicanos, a uma empresa controlada por Guebuza.
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MBS E A FRELIMO
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7. (S/NF) A fonte diz que a Frelimo activamente “espreme” a comunidade empresarial para obter subornos. Como um exemplo, a fonte diz que ele pessoalmente assistiu a Manuel Tomé, o anterior Secretário-Geral da Frelimo, membro sénior da Assembleia da República e familiar do Presidente Chissano, no gabinete de MBS, abertamente a receber subornos. O Director das Alfândegas, Domingos Tivane, pede abertamente, e recebe, subornos dos importadores, incluindo MBS. A fonte referiu que um empresário conhecido comentou com ele que quando numa visita à enorme residência de Tivane para lhe entregar um suborno, ele notara que o funcionário tinha torneiras de ouro sólido no seu quarto de banho. A fonte refere ainda que a ex-primeira ministra, Luísa Diogo, até à data da sua substituição (septel), estava profundamente [em inglês: “heavily”] envolvida no recebimento de subornos para a Frelimo, dos quais ela guardava uma percentagem. Alegações semelhantes foram feitas na edição do dia 21 de Janeiro do jornal Zambeze, relativamente a empréstimos “de favor” [em inglês: “soft loans”] pagos ao marido de Diogo, Albano Silva, a compra de casas e edifícios por uma fracção do seu valor, bem como o relacionamento próximo de Diogo com funcionários como Diodino Cambaza, cujo julgamento por corrupção decorre neste momento.

8. (S/NF)Nos portos, a fonte comentou que a Frelimo tem os seus próprios agentes transitários, que gerem as operações da Frelimo e de MBS. O transitário rotineiramente sub-factura pelos itens, não paga o IVA de 17 por cento, e tem também um entendimento com as autoridades alfandegárias de Tivane para não passar pelo sistema de “scanning” obrigatório do porto. A fonte tem em sua posse documentos que provam a existência da sub-facturação em relação a MBS, e poloff observou os camiões de MBS sairem do porto sem terem sido scaneados. Não obstante, a fonte diz que os funcionários que representam o Governo de Moçambique normalmente se referem a MBS como “intocável”, devido às suas ligações com Tivane e Guebuza, a situação a qual reportadamente irrita Rosário Fernandes, Presidente de uma Autoridade Tributária (AT) sem dinheiro.
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MBS E OUTROS HOMENS DE NEGÓCIOS
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9. (S/NF) No que concerne a operação de retalho de MBS, a fonte disse que MBS não tolera a concorrência. A processadora de leite pertencente à fonte foi ameaçada por MBS, que recorreu ao não pagamento de IVA e sub-facturação, para fazer o “dumping” de grandes quantidades de leite condensado importado no mercado, de forma a arruinar a fonte. Só depois da fonte ter celebrado um acordo com MBS para que este tivesse o direito exclusivo de distribuição dos seus produtos de leite, com um pagamento a MBS de dez por cento de todas as vendas, é que MBS parou o “dumping”. Outros empresários queixaram-se de práticas semelhantes em outros produtos, incluindo óleo alimentar. A fonte queixou-se que “mesmo aqueles que pagam subornos” a MBS ou à Frelimo, não conseguem obter um lucro sob estas condições.
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DROGAS ILEGAIS E LAVAGEM DE DINHEIRO
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10. (S/NF) A fonte diz que só tem conhecimento em segunda mão no que respeita ao tráfico ilegal de drogas e lavagem de dinheiro em Moçambique. Ele diz que “MBS e os ‘negociantes de Nacala’ todos têm escritórios no Dubai” para facilitar as operações de lavagem de dinheiro em Moçambique. É através destas operações que, depois de operar durante quinze anos em Moçambique, MBS foi capaz de pagar trinta milhões de dólares americanos, a pronto, para construir o seu centro comercial na baixa, o Maputo Shopping, que abriu em 2007. A fonte referiu que ele questionou o proeminente homem de negócios Ismaelita/Aga Khan, Mustaque Ali, como é que MBS ficou tão rico, tão depressa. A resposta meio irónica [em inglês, “wry”]de Ali foi “pó de talco para bebé da Johnson”, um eufemismo querendo dizer drogas ilegais. A fonte referiu que as mudanças por vezes erráticas na posição cambial de Moçambique ocorrem devido a transferências súbitas

MAPUTO 00000086 003.2 OF 003

de muitos milhões de dólares americanos em dinheiro vivo para o estrangeiro, associadas à lavagem de dinheiro. A fonte comentou que, em anos recentes, ocorreram várias situações embaraçosas em que carregamentos de drogas ilegais, essencialmente de haxixe e heroína, vieram dar à costa; contudo, a comunicação social tem medo de reportar estes incidentes porque ninguém se quer tornar noutro Carlos Cardoso, o corajoso jornalista Moçambicano que foi assassinado em 2000 enquanto investigava o caso de uma enorme fraude bancária com ligações à família do então Presidente, Chissano.
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COMENTÁRIO: COMENTÁRIOS FRANCOS DE UM HOMEM COM LIGAÇÕES
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11. (S/NF) A fonte, XXXX, enquanto se nota que tem rancores [em inglês: “an axe to grind] porque ele está frustrado com a dimensão da corrupção em Moçambique, as suas afirmações corroboram aquilo que nós já obtivemos por outras fontes (Referência A). As ligações com MBS e outros conhecidos operadores de lavagem de dinheiro e traficantes de drogas ilegais com membros séniores do Governo de Moçambique são preocupantes e demonstram um foco imediato no seu enriquecimento pessoal. A fonte acautela contra o desenvolvimento de relações a longo prazo com a Frelimo e receia que, tendo permitido o crescimento da economia ilícita, e tendo publicitado Moçambique como um destino para a lavagem de dinheiro e um ponto quente para o trânsito de drogas ilegais, que o partido no poder não será capaz de controlar as actividades criminosas dentro das suas fronteiras. Rumores e histórias de corrupção abundam em Moçambique, mas raramente estará um XXXX disposto a partilhar práticas específicas baseado em conhecimento em primeira mão e participação nessas práticas.

CHAPMAN


Ma-schamba

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