Friday 10 December 2010

O grande desafio aos doadores

Maputo (Canalmoz / Canal de Moçambique) - Pensamos que chegou a hora dos doadores usarem os instrumentos já disponíveis para aumentarem a transparência e a responsabilização na gestão de bens públicos de modo a contribuírem de modo mais efectivo e eficiente para o desenvolvimento de Moçambique. Correm o risco de perderem a credibilidade e tornarem-se realmente parte do problema se continuarem a dar cobertura a certas operações em que só não vê quem não quer que há do seu lado quem tem “rabos de palha”.
A Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transacções Comerciais Internacionais, conhecida também como Convenção da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico) é um bom exemplo do que já existe disponível para que se possa ser mais consequente e mais prático no “combate à corrupção”.
Esta Convenção estabelece a base legal que permite aos países subscritores, usarem-na e detectarem oficiais públicos ou interesses privados, isto é empresas, que se envolvem em sujeiras.
Este instrumento legal está disponível para que o tal “combate à corrupção” seja feito até onde se apregoa que deve ir e deixe de se resumir a seminários e relatórios inconsequentes.
Esta Convenção da OCDE permite que os países que a subscreveram a usem para forçar ou até mesmo processar empresas ou oficiais da administração pública em que se incluem membros dos governos dos países receptores e dos doadores eventualmente envolvidos em actos de corrupção.
São subscritores da OCDE 33 países. Outros cinco países a bem da transparência dos negócios com o exterior adoptaram a convenção mesmo não a tendo subscrito: Argentina, Brasil, Bulgária, Estónia, e, aqui mesmo ao nosso lado, a República da África do Sul de onde provém uma parte considerável do sustento em bens alimentares e outros, bem como do investimento, em Moçambique.
Diferentes estudos sobre a corrupção têm mostrado os efeitos negativos da corrupção nas diversas sociedades. Não só em Moçambique, bem entendido. E aqui está um ponto que não pode ser perdido de vista. Se é verdade que a corrupção em Moçambique atingiu níveis preocupantes, não é menos verdade que, quando ela atinge determinado escalão de pessoas, as instituições que existem, aparentemente para contrariarem comportamentos perversos, tornam-se, elas mesmas, também vulneráveis. E quando a sociedade começa a aperceber-se de que a chave da questão pode estar na mão de determinado doador, é frequente sentirmos um afrouxamento. Fica a percepção que se trata de não se comprometer as relações bilaterais que existam, quer ao nível institucional quer a nível empresarial privado, entre o país doador e quem está no Poder no país receptor.
Quem corrompe deve ou não ser tratado pelo menos como o pervertor?
A corrupção suscita diminuição do crescimento económico, impede o desenvolvimento, compromete a legitimidade política, enfraquece as instituições democráticas, os valores morais caem em desuso, os serviços públicos caem em descrédito, o crime organizado avança e agravam-se os problemas sociais.
A corrupção gera também a redução de investimentos públicos e privados, nacionais e internacionais, prejudicando o desenvolvimento industrial e o fornecimento de serviços públicos.
São essas as consequências da corrupção arroladas pelos países da OCDE.
Em várias partes do mundo acaba-se por sentir tudo isso muito perto.
O que se passa em Moçambique hoje cabe dentro desses parâmetros.
“São os doadores que promovem a corrupção”, chegou já a afirmar Joseph Halon, um investigador britânico que tem convivido de perto com a realidade moçambicana. Se são ou não, nós neste jornal não sabemos, mas o que sabemos é que os doadores dispõem de um instrumento legal que podiam usar para minimizar a corrupção em Moçambique, mas não estão a usá-lo. Se estão digam-nos o que já resultou disso.
Obviamente que não são os doadores os únicos culpados de haver corrupção em Moçambique, mas o dinheiro que é desviado dos seus propósitos e alimenta muita da corrupção em Moçambique vem de países doadores ou de empresas lá sediadas com grandes interesses em recursos minerais e não só, em Moçambique.
O nosso País precisa de investimento, mas estamos convencidos que um combate sem quartel à corrupção abriria melhores perspectivas de desenvolvimento.
Sabendo-se que existe um instrumento tão importante como a Convenção da OCDE para o combate à corrupção que pode ser usado pelos doadores, porque continua guardado nas gavetas?
Por que é que os doadores não agem de forma a condicionar a continuidade da ajuda ao governo de Moçambique, à ratificação dessa convenção para que ela passe a regular todo o apoio a Moçambique? Caso este Governo moçambicano não queira, por que é que os doadores e países subscritores dessa Convenção pelo menos não a usam em relação às grandes empresas que operam em Moçambique para as ajudarem a livrarem-se da pressão que sobre elas é exercida pelos que tão de pressa apregoam que o País precisa de investimento, como de imediato se fazem a ter quotas e acções nas empresas e nos projectos que surgem?
A Convenção não obriga simplesmente os governos receptores da ajuda. Obriga também os governos dos países doadores e as empresas desses países. E o que advém disto é que para haver tanta corrupção em Moçambique, como nunca se viu, sendo Moçambique um país que vive com mais de cinquenta por cento do orçamento do Estado subvencionado por doações e outro tipo de ajuda externa, torna-se óbvio que a corrupção está a ser alimentada por quem vem de países doadores, ou não é assim?
Se os doadores não usam os instrumentos que eles próprios subscrevem, porque falam tanto de corrupção? Têm medo que o uso desta convenção da OCDE em Moçambique possa estragar alguns esquemas e da sua aplicação ainda venha a ser apanhado na rede alguém que não convém?
Será que os doadores querem ser como governantes de certos países que passam a vida a assinar leis que não operacionalizam? Como podem convencer os receptores da ajuda a cumprir, se os doadores não usam as suas próprias convenções?
Esta convenção da OCDE pode permitir que caiam, na rede, “tubarões” não só moçambicanos como dos países doadores. Está esquecida, por acaso ou intencionalmente?
Mário Machungo quando era primeiro-ministro – agora é PCA do Millennium bim – disse que “não há corruptos sem corruptores”. A Convenção da OCDE permitiria agarrar corruptos e corruptores. Com base nela ficaria desmontado o argumento de alguns governos de que não podem imiscuir-se em assuntos internos de outros estados. Ao investigarem processos com base na convenção da OCDE descobrir-se-ia o que se passa do lado dos governos e empresas dos países doadores e cairiam na rede, consequentemente, os seus comparsas locais.
Esta convenção poderia resolver – uma parte pelo menos – do grande problema da corrupção em Moçambique e seria muito grato sabermos em breve que ela foi tirada da gaveta para deixar de morar apenas nos portais da internet e de fazer parte apenas dos debates académicos.
Quem da parte dos doadores a Moçambique está disposto a dar o exemplo para que o que temos vindo a chamar de farsa deixe de ter razão de ser?
Quem tem medo de tornar sã a cooperação e a moralizar a globalização e o capitalismo?
Temos em mente que as empresas estrangeiras que decidem vir investir em Moçambique são um suporte essencial para que o desenvolvimento de Moçambique acelere. Quando falamos da “caça” aos grandes corruptos, queremos acreditar que quem corrompe até o possa fazer para poder ultrapassar as dificuldades criadas por quem em nome do Estado Moçambicano tem a incumbência de tratar dos procedimentos para a legalização dos investimentos.
Tudo fazer-se para que o ambiente de negócios melhore passa também por se pôr mais esforço no “combate à corrupção”.
Intriga-nos a presença sempre dos mesmos empresários moçambicanos em negócios de grande dimensão e até nos mais variados ramos. Sabemos que há outros moçambicanos que também ambicionam entrar nos grandes business. Porque será, no entanto, que são sempre os mesmos a “brilhar”?
Porque será até que os “empresários de sucesso” são sempre os mais amigos ou familiares de quem está na crista do Poder? Não será por isso que uns são cada vez mais ricos e outros cada vez mais pobres?
Combater a corrupção abrirá caminho aos investidores estrangeiros de todos os calibres – não só às multinacionais – para se relacionarem livremente com qualquer moçambicano em vez de terem sempre que se relacionar com os mesmos para se poderem instalar em Moçambique.
Combater a corrupção abrirá caminho para mais investimentos estrangeiros limpos e, consequentemente, mais emprego para os moçambicanos que só aspiram a ter trabalho e nunca sequer pensaram em serem sócios de empresas.
Combater a corrupção, sem rodeios, é, na nossa opinião, altamente vantajoso para todas as partes. Enquanto os investidores estrangeiros tiverem que dar participações a certos moçambicanos para poderem estabelecer-se no País, podemos acreditar nas boas intenções dos doadores quando dizem que querem ajudar o Povo Moçambicano?

(Editorial do Canalmoz / Canal de Moçambique)

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