Friday, 19 November 2010

“Mozambique is very nice”

Só falta comerem os ossos ao Povo e pedir-lhe que deseje aos comilões bom apetite

Maputo (Canalmoz / Canal de Moçambique) - O caso Mozal. As “questões à volta da Mineração em Moçambique” levantadas pelo Centro de Integridade Pública (CIP) e mostradas também no estudo levado a cabo pela equipa do IESE (Instituto para Estudos Económicos e Sociais) sobre economia extractiva no País. A conclusão do concurso para se apurar a terceira operadora de telefonia móvel que elegeu uma concorrente que nem sequer foi a que melhor oferta fez, mas porque a holding da Frelimo (SPI) está associada a ela, lá teve de ser. O caso das sedes da administração municipal da Beira nos bairros, que o tribunal de Sofala está a recolher do Município e a entregar ao Partido Frelimo que até as registou nas conservatórias antes mesmo de as comprar sem respeitar o princípio legal que estabelece que cada beneficiário só pode alienar uma casa em cada cidade. Tudo isto é uma parte do retrato perfeito do abuso de poder que de novo volta ao extremo em Moçambique com nova roupagem.
Afrouxou a violência, regressam os abusos e as manipulações. Pode-se entender como um convite ao regresso da violência. Há que se evitar a todo o custo. Quando faltam alternativas aos abusos o caldo pode-se entornar.
A falta de respeito por opiniões divergentes, a falta de consideração pela saúde dos cidadãos sujeitos a poluição comprovada; o abocanhar de tudo o que devia ser a riqueza dos moçambicanos entanto que comunidade, por um punhado de pessoas com ligações estreitas ou de conveniência ao Partido Frelimo, são demonstrações claras de que depois de terem comido a carne ao Povo ainda lhe querem comer os ossos se é que ainda há ossos para mastigar.
Como é possível alguém registar um imóvel do Estado a seu favor sem antes requerer a alienação? Por este andar qualquer dia teremos um deputado em fim de mandato a registar o edifício da Assembleia da República em seu nome e só depois a requerer a sua alienação porque se julga no direito a ele por ter frequentado aquela Magna Casa durante cinco anos.
Se um moçambicano só tem direito a alienar uma casa pertencente ao Estado em cada cidade, como é que a Frelimo aliena 14 imóveis na Cidade da Beira? Será que a Procuradoria e os juízes são cegos? Não vêem que há abocanhamento de bens do Estado e um flagrante atentado à legalidade independentemente de outras apreciações?
Porque razão o tribunal executa “provisoriamente” os edifícios da administração municipal da Beira para os dar à Frelimo e não manda para a cadeia o ex-ministro dos Transportes e Comunicações António Munguambe, condenado a vinte e tal anos de cadeia no processos dos Aeroportos de Moçambique? Está cá fora à espera que o Tribunal Supremo produza o Acórdão final. Porque no caso dos imóveis da Beira não se aguarda também pelo Acórdão ao recurso do Conselho Municipal?
Por outra. No caso dos Recursos Naturais, se são de todo o povo, do Estado, como reza a Constituição, como é possível que a classe política nacional se esteja a apoderar desses recursos, designadamente das licenças de exploração das minas de Moatize, Benga, etc.? Enquanto o funcionário público precisa de 35 anos para receber migalhas como pensão de reforma, há quem sentado na sua poltrona na Sommerschild, em Maputo, esteja a receber um milhão de dólares por ano pelo aluguer da licença a brasileiros, australianos e por ai fora. Como é que isto é possível? Porque não é p Estado a fazer esse negócio?
Como é que até hoje o Estado não publica os contratos sobre Cahora Bassa e outros com as multinacionais dos mega-projectos? A quem escondem? Ao Povo? Afinal o poder não reside no Povo? Afinal a Frelimo não libertou o Povo para que o Povo fosse dono da riqueza do País? Como se pode elevar a auto-estima de um Povo, quando ele não sabe o que tem para estimar?
O que é afinal combater a pobreza?
Todo este abocanhamento é feito com a cumplicidade de alguma parte das forças vivas da sociedade civil, de certos partidos da oposição e até de certos sectores da comunidade internacional.
O Povo já percebeu tudo isso. Tem tentado mostrar que não anda contente com o que se está a passar, mas não o ouvem ou fingem não o ouvir.
A justiça pelas próprias mãos está há muito a ser usada por a justiça formal não cumprir o seu dever e demonstrar até a sua subserviência às gangs instaladas.
O Povo já mostrou a sua capacidade de se mobilizar quando se uniu para libertar o País do colonialismo.
O Povo já demonstrou a sua determinação quando se organizou para derrubar a ditadura que se instalou depois da independência alcançada.
O Povo já demonstrou que quando as autoridades vacilam ele organiza-se para resolver o que as instituições subvertidas não resolvem.
No informal apercebemo-nos de que já não há quem não tenha consciência do risco que todos estamos a correr deixando a coisa andar como se tudo o que nos rodeia fosse um mar de sucessos.
Já não há quem não se tenha apercebido que o País foi abocanhado. Uns com a “boca cheia”, outros esfomeados. É este o actual Moçambique.
Nos bastidores não há quem não deseje urgentemente uma saída que não nos leve a passar por um banho de sangue.
Todos, em conversa amena, mostram ter consciência de que vivemos outra vez sentados num “barril de pólvora”, mas todos continuam a fingir que estamos no bom caminho. Não bastaram os avisos que já houve?
Os próprios tradicionais doadores fingem acreditar que Moçambique não vai deixar de ser um caso de sucesso. Dizemos fingem porque em circunstâncias mais relaxadas e informais ouvimos os seus desabafos, os seus receios, as suas apreensões.
Mesmo com todos os relatórios de cientistas moçambicanos debaixo do nariz – até com dados produzidos pelo Instituto Nacional de Estatística e do Ministério da Agricultura à frente dos olhos – que mostram que o País está mal, certos representantes dos doadores continuam a sua “palhaçada” convencidos que nós ainda temos vontade de rir. Pobres distraídos!.. que não compreendem que o Povo já entendeu que vivemos uma farsa suportada até pelos orçamentos dos doadores. Seria óptimo que deixassem de enganar os serviços centrais dos seus países.
Para terminar, parafraseando Tomás Selemane, pesquisador do CIP, perguntamos: “quem dentro das ONG´s, dos sindicatos, dos órgãos de comunicação social, dos parlamentares, da academia, [dos doadores], enfim dos combatentes da pobreza absoluta estará disponível a assumir” e a liderar a vontade do Povo de Moçambique para que não se chegue ao extremo, depois deste enorme banquete a que estamos a assistir? Estamos perante uma elite perversa a comer os ossos ao Povo e a pedir-lhe enfaticamente que deseje aos comilões bom apetite. “Mozambique is very nice”?

(Editorial do Canalmoz / Canal de Moçambique)

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