Sunday 21 November 2010

Carlos Cardoso morreu há dez anos - Moçambique continua de luto


Com a morte do Jornalista morreu também, como disse Mia Couto, “um pedaço do país, uma parte de todos nós”

Carlos Cardoso morreu a 22 de Novembro de 2000. Foi assassinado, em Moçambique, porque como Jornalista fazia uma séria investigação à corrupção que rodeava o programa de privatizações apoiado pelo Fundo Monetário Internacional. Para Mia Couto, «não foi apenas Carlos Cardoso que morreu. Não mataram somente um Jornalista moçambicano. Foi assassinado um homem bom, que amava a sua família e o seu país e que lutava pelos outros, os mais simples. Mas mais do que uma pessoa: morreu um pedaço do país, uma parte de todos nós».
Embora sejam uma espécie em vias de extinção, os Jornalistas continuam (em todo o mundo) a ser uma espinha na garganta dos ditadores, mesmo quando eleitos e escudados em regimes democráticos. Viva Carlos Cardoso.
Porque morreu Carlos Cardoso? Morreu por entender que a verdade é o melhor predicado dos Homens de bem. Morreu, segundo Mia Couto, porque «a sua aposta era mostrar que a transparência e a honestidade eram não apenas valores éticos mas a forma mais eficiente de governar». Morreu, «por ser puro e ter as mãos limpas». Morreu «por ter recusado sempre as vantagens do Poder». Morreu por ter sido, por continuar a ser, o que muito poucos conseguem: Jornalista.
«Liquidaram um defensor da fronteira que nos separa do crime, dos negócios sujos, dos que vendem a pátria e a consciência. Ele era um vigilante de uma coragem e inteligência raras», afirmou Mia Couto num testemunho que deveria figurar em todos os manuais de Jornalismo, que deveria estar colocado em todas (apesar de poucas) Redacções onde se faz Jornalismo. Nas outras, onde funcionam linhas de enchimento de conteúdos, não deve figurar. E não deve porque Carlos Cardoso não pode ser confundido com a escumalha que vegeta em muitas delas à espera de um prato de lentilhas.
É certo que no mundo lusófono não são muitos os casos de morte física. Mas há, igualmente, muitos assassinatos. O crime contra os Jornalistas é agora muito mais refinado. Não se dão tiros, marginaliza-se. Não se dão tiros, rescinde-se. Não se dão tiros, amordaça-se.
«O sentimento que nos fica é o de estarmos a ser cercados pelo selvajaria, pela ausência de escrúpulos dos que enriquecem à custa de tudo e de todos. Dos que acumulam fortunas à custa da droga, do roubo, do branqueamento de dinheiro e do tráfico de armas. E o fazem, tantas vezes, sob o olhar passivo de quem devia garantir a ordem e punir a barbárie», disse Mia Couto na cerimónia fúnebre em Honra de Carlos Cardoso.
É isso mesmo. Continua a ser isso mesmo, seja em Moçambique ou na Guiné-Bissau, em Angola ou em Portugal.
Na cadeia de segurança máxima da Machava, nos arredores de Maputo, decorreu uma espécie de julgamento dos presumíveis autores, materiais e morais, do assassínio de Carlos Cardoso, abatido a tiro em pleno centro da capital moçambicana.
Nympine Chissano, filho mais velho do presidente de Moçambique, foi citado em tribunal como o autor intelectual do assassínio. O arguido Momed Abdul Satar «Nini» confessou ter pago ao principal suspeito do assassínio - Aníbal dos Santos Júnior «Anibalzinho» - mais de mil milhões de meticais (cerca de 423 mil euros), a mando do filho mais velho do presidente Joaquim Chissano.
«Eu paguei ao Anibalzinho porque alguém me mandou fazê-lo», disse «Nini», acrescentando que o mandante foi Nympine Chissano, de quem terá ainda sete a oito cheques em seu poder, que disse estar disposto a entregá-los em tribunal como prova do envolvimento do filho do chefe de Estado moçambicano.
O arguido referiu ainda que, depois de ter sido detido, questionou Anibalzinho sobre a razão da sua detenção, tendo este respondido que tudo estava ligado com a morte de Carlos Cardoso e que «estivesse descansado».
«Anibalzinho disse-me que foi Nympine Chissano quem mandou matar Carlos Cardoso. Ele pediu-me para ficar tranquilo porque, a qualquer momento, íamos sair da cadeia, e que, caso dissesse alguma coisa, seríamos mortos», afirmou Nini. O filho do presidente fora já citado por Manuel Fernandes «Escurinho» como o autor intelectual do assassínio.
As estações de rádio e de televisão moçambicanas que então cobriam essa espécie de julgamento do "caso Carlos Cardoso" foram autorizadas pelo presidente do Tribunal da Matola, a efectuar a transmissão em directo das audiências.
A decisão do juiz Augusto Paulino surgiu em reposta a um requerimento apresentado pelos conselhos de administração da Rádio Nacional (RN) e da Televisão de Moçambique (TVM) solicitando-lhe ponderação, já que inicialmente não permitira as transmissões em directo.
As duas empresas, de capitais públicos, invocaram o direito à informação, a expectativa da sociedade moçambicana e o interesse público em torno do referido julgamento para solicitarem ao juiz uma "melhor ponderação e reconsideração da decisão tomada".
Numa das audiências, estes dois órgãos de informação foram impedidos de realizar transmissões em directo quando, nomeadamente, depunha o arguido Manuel Fernandes ("Escurinho").
No caso da rádio, ocorreu um corte de emissão no momento em que aquele arguido acabava de citar o nome de Nympine Chissano.
O julgamento do "caso Carlos Cardoso", proprietário e editor do jornal "Metical", prendia na altura a atenção de toda a sociedade moçambicana sendo já considerado o acontecimento mediático mais importante desde a assinatura, em 1992, dos acordos de paz de Roma, entre o Governo e a RENAMO.
Carlos Cardoso, moçambicano, foi morto a tiro junto às instalações do seu jornal em Maputo, quando investigava um desfalque de cerca de 14 milhões de dólares ocorrido no Banco Comercial de Moçambique em 1996.

Notícias Lusófonas

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