Monday, 15 November 2010

Lula provou que fome e pobreza são problemas políticos

O que faltava aos brasileiros não eram alimentos, era, porém, o dinheiro para a aquisição desses alimentos para o consumo. Nós, cá em Moçambique, o que nos falta é tudo: alimentos e dinheiro para comprar esses alimentos. E estamos cada vez mais carenciados do que estabilizados.

Quando em 1991, Lula da Silva, na altura candidato derrotado na eleição presidencial anterior, incumbiu o Instituto Cidadania de elaborar um programa de segurança alimentar e nutricional para o Brasil, denominado Fome Zero, como forma de demonstrar que a fome e a pobreza são problemas mais políticos do que fenómenos sociais, o mundo achou que se tratava de um lunático à procura de conquistar Brasil. além disso, pensava-se que fosse mais um faminto ambicioso que queria o poder para delapidar aquele país e transformá-lo num império dos seus negócios, à semelhança do que acontece noutros país, como Moçambique.
Ele sabia que a soberania do Brasil, naquela altura, corria o risco de se fragilizar, na medida em que ela não assegurava à sua população alimentação em quantidade e qualidade suficientes, não prevendo stocks reguladores, nem medidas preventivas às calamidades naturais. Mais: foram três razões que motivaram Lula a oferecer ao país um programa daquela natureza (Frei Betto, A fome como questão política, 2003), nomeadamente, o alarmante crescimento da miséria, agravada pela estagnação económica dos anos de 1980 e do progressivo aumento da desigualdade social; o imperativo de incluir a fome na agenda política, “desclandestinizando-a”, à semelhança do que ocorreu com a escravatura: após seus 358 anos de vigência no país, ela só foi oficialmente abolida por figurar na pauta política das décadas precedentes a 1888;
O “Fome Zero” é um projecto baseado nas origens de Lula, o único presidente brasileiro, que nasceu na miséria, não na pobreza. Pobreza, como dizia Dom Hélder Câmara, é viver do indispensável. Miséria é carecer do indispensável. E a experiência da fome, na sua infância, terá marcado definitivamente o carácter do actual presidente, conforme Frei Betto. Quando Lula da Silva tomou posse, um terço da população brasileira passava fome. O Brasil era, nesse momento, um dos países com mais desigualdades de rendas e flagelado pela fome no mundo, não obstante, ser, na altura, o quatro maior exportador mundial de alimentos. O que faltava aos brasileiros não eram alimentos, era, porém, o dinheiro para a aquisição desses alimentos para o consumo. Nós, cá em Moçambique, o que nos falta é tudo: alimentos e dinheiro para comprar esses alimentos. E estamos cada vez mais carenciados do que estabilizados.
Mas porque o Governo de Lula da Silva mentalizou que acabar com a fome requer determinação política e planificação, o que fez foi desenhar um projecto que se denominou “Fome Zero”, baseado no princípio de que a pobreza não é algo ocasional, mas sim resultado de um modelo de desenvolvimento perverso, que tem levado à crescente concentração de renda e ao desemprego, o que produz o ciclo vicioso da fome. Esse ciclo resume-se, por um lado, na crise agrícola, juros altos, falta de políticas agrícolas, queda dos preços agrícolas e, por outro lado, na falta de políticas de geração de emprego e renda, desemprego, salários baixos e concentração de rendas. Todos esses aspectos resultam, no fim, na queda da oferta e de consumo de alimentos (orçamento familiar), provocando, deste forma, a fome e consequentemente a pobreza.
O “Fome Zero” de Lula visou o combate à fome e garantia de segurança alimentar e nutricional, atacando as causas estruturais da pobreza, através de um modelo de desenvolvimento económico, que criou condições para a superação de pobreza. Os municípios passaram a desempanhar o papel estratégico no diagnóstico de problemas da população e a esboçar as propostas de soluções criativas, incluindo a sua materialização. Os dados mostram que, alguns estados brasileiros, como Paraná, poderão exterminar a pobreza até 2013. O Brasil, no geral, poderá eliminar a pobreza em 20 anos (Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar – Pnad – analisados pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada – IPEA –).
Segundo a análise feita pelo Ipea, desde 2003, a população abaixo da linha de pobreza está em forte queda. Tendo como base as pessoas que ganham meio salário mínimo (o equivalente a 232 reais, em 2009), a pobreza caiu 64%, quando comparada à de 1995. A mesma pesquisa mostra ainda que a desigualdade de renda caiu, entre 2001 e 2008, em média 0,7 ponto de Gini (medida que varia de zero a um usada como referência para medir desigualdade de renda – está mais próxima do equilíbrio). O estudo também mostra que os 5% mais ricos da população brasileira tiveram uma queda na renda, entre 2001 e 2005, de 1%. Já a parcela da população que representa os 5% mais pobres teve um crescimento de 64% na renda. No período que vai de 2005 a 2009, os 5% mais ricos tiveram queda de 2% na renda e a parte da população que representa os 5% mais pobres teve um crescimento da renda de 20%.
A pesquisa ainda revela que a metade mais rica teve um crescimento da renda entre 2005 e 2009, entre 13% e 30%, mas foi menor do que o crescimento registado na metade mais pobre, cuja renda sofreu um incremento entre 31% e 35%. Os dados desses estudos revelam o quão o governo brasileiro lutou para que a renda fosse redistribuída, contrariamente ao que acontece no nosso país, em que os ricos, no poder, são mais ricos, os pobres, na base, são cada vez mais pobres. Isto vem provar que, de facto, a fome e pobreza são problemas políticos.

Lázaro Mabunda, O País

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