Monday, 1 November 2010

É possível aumentar a produção agrícola em Moçambique?

Moçambique é actualmente um dos países que mais beneficia dos fundos da União Europeia (UE) em matéria de agricultura recebendo, anualmente, em média, 15 milhões de euros. Mas a produção agrícola a nível nacional continua a não responder às necessidades de segurança alimentar da população.
Desde os primeiros anos da independência do país que se tem tomado a agricultura como a actividade base para o desenvolvimento da economia nacional, mas essa ideia ainda não passou de teoria para a prática, uma vez que, segundo alguns economistas, nunca foi criada uma ferramenta de suporte para que ela desempenhasse tal papel.
A guerra civil, a agressão regional, ou seja, os mesmos motivos que também contribuíram para o fracasso do Plano Prospectivo Indicativo (PPI), são, muitas vezes, apontados como responsáveis pelo fracasso do desenvolvimento agrário. Se no passado houve um projecto que levou a uma grande produção de bens como milho, arroz, entre outros, hoje a agricultura atrai pouco, senão quase nenhum investimento.
As reformas económicas que levaram à privatização das empresas debilitaram a actuação do Governo, deixando a agricultura sem condições para que fosse um sector atractivo para o investimento. Actualmente, o sector privado tem vindo a apostar em outras áreas de actividade económica que oferecem garantias de retorno.
“A agricultura foi sempre relegada para segundo plano porque o Estado já não tinha condições suficientes para continuar a ser detentor de machambas. Mudando o paradigma, com vontade política para convencer os parceiros de cooperação, é possível o país voltar a ter grandes níveis de produção”, diz Humberto Zaqueu, economista do Grupo Moçambicano da Dívida (GMD).
O país dispõe de uma extensão de 36 milhões de hectares de terra arável, dos quais apenas 3,6 milhões de hectares, o que corresponde a 10%, estão a ser presentemente explorados, além de uma diversidade de zonas agro-ecológicas. Mas o país ainda não dispõe de capacidade de se alimentar a si próprio, recorrendo, assim, à importação de alimentos. O Governo pretende neste sector aumentar a produtividade e a produção agrária e pecuária de modo a garantir a segurança alimentar, o provimento de serviços de apoio à produção agrícola, o desenvolvimento de tecnologias que promovam o uso e maneio sustentável dos recursos naturais, a construção e reabilitação de infra-estruturas agrárias, e ainda a gestão ambiental sustentável dos recursos naturais. Porém, a agricultura é uma das áreas que tem recebido menor financiamento, aliás, a banca continua a olhar para a mesma como o sector de maior risco.
Nos vários debates que têm sido levados a cabo em torno desta questão, aponta-se a falta de infra-estruturas tais como vias de acesso aos locais de produção; o difícil acesso ao crédito resultante da falta de instituições financeiras rurais; difícil acesso a tecnologias; e bem como os elevados custos de transporte e altos custos de transacção, como os principais constrangimentos que afectam o sector agrícola.

PROAGRI, um mar morto

A longo prazo, os objectivos do sector da agricultura em Moçambique são melhorar a segurança alimentar e reduzir a pobreza, através do apoio aos esforços dos pequenos agricultores e ao sector privado no sentido de aumentarem a produtividade agrícola, o agro-processamento e a comercialização, ao mesmo tempo que se mantém uma via sustentável para a exploração dos recursos naturais. O PROAGRI, o primeiro Programa Nacional de Investimento no sector da agricultura (1998 – 2004) foi desenhado com vista a alcançar estes objectivos a longo prazo. Ou seja, foi desenvolvido como um instrumento do Plano de Acção de Redução da Pobreza Absoluta (PARPA), e sendo assim, como contribuição do sector para o combate à pobreza.
A primeira fase do programa do Governo para o sector Agrário (PROAGRI I), consistiu fundamentalmente na reforma institucional e modernização do sector, centrando-se longe dos locais onde o mesmo deveria chegar. Ou seja, houve a preocupação em apetrechar o Ministério da Agricultura de carros e computadores e não possibilitou aos camponeses a obtenção de renda para melhorarem a sua condição material.
“Não sei se eram necessários cinco anos para desenvolver uma instituição ou dotá-la de capacidade suficiente de modo a tomar conta do processo de desenvolvimento agrário”, comenta o economista do GMD que acrescenta ainda que um ano era suficiente para criar uma unidade de controlo de operações de desenvolvimento agrário e canalizar o resto de recursos para desenvolver a agricultura. “Neste país, falta uma visão, vontade política e há oportunismo. Os recursos acabam sempre por ficar a nível central e não chegam até ao agricultor”.
O economista Jacinto Ribaué afirma que o PROAGRI I teve muito apoio, mas não se viram os efeitos. “É um situação tremenda que é necessário avaliar, pois gastamos muito tempo a criar estruturas que não têm interesse nenhum”, diz.
O PROAGRI II, em curso, visa garantir a transformação da agricultura de subsistência numa agricultura cada vez mais produtiva com vista à produção de excedentes e o desenvolvimento de um empresariado eficiente e competitivo, baseado nas leis de mercado.
Uma análise feita pelo Grupo Moçambicano da Dívida em 2004 dá conta de que existe um certo consenso acerca da importância da PROAGRI, tanto por parte dos doadores que participam no financiamento do programa, como dos que não o financiam, e, ainda, por parte dos sectores estatais e da sociedade civil, incluindo as organizações não governamentais moçambicanas (ONG), personalidades e empresários nacionais ou a operar em Moçambique. Em relação ao desenvolvimento rural, o programa potenciou a produção agrícola no fomento de culturas, sobretudo o tabaco.

Mais financiamento

Recentemente, foi atribuído ao Governo moçambicano na forma de Apoio Sectorial ao Orçamento do Estado o montante de 5.2 milhões de euros para apoiar o Plano de Acção para a Produção de Alimentos através do PROAGRI.
Os economistas ouvidos pelo @Verdade mostram-se cépticos quando questionados sobre se é possível aumentar a produção de alimentos com aquele financiamento cujo acordo financeiro foi assinado no passado dia 22. No seu entender, esta convenção de financiamento demonstra que há uma consciência de que a agricultura é a chave para o desenvolvimento do país.
“Falta um plano consistente de desenvolvimento de infra-estruturas para facilitar a comercialização, faltam transportes e vias de acesso e a transformação da produção agrícola em valor que possa criar recursos adicionais e poupança de modo que o sector multiplique o seu capital e se invista cada vez mais para criar uma agricultura virada para o mercado”, diz Humberto Zaqueu.
Já Jacinto Ribaué afirma que o Governo deve identificar os elementos críticos e fazer deles a sua prioridade como, por exemplo, a abertura de vias de acesso, sementes melhoradas e extensionistas. Actualmente, o principal apoio da UE na agricultura encontra-se totalmente incorporado no programa conjunto dos doadores que ajuda o Ministério da Agricultura a implementar o PROAGRI.

Revolução Verde, um pato que não voa

De acordo com o Governo, a estratégia de intervenção para a implementação da Revolução Verde assenta em recursos naturais; tecnologias melhoradas; mercados e informação actualizada; serviços financeiros; e formação do capital humano e social.
Mas desde a sua implementação ainda não há sinais da mesma e tão-pouco estão criadas as bases para que ela ocorra de modo a alcançar o principal objectivo que é promover o aumento da produção e da produtividade dos pequenos produtores.
O Relatório de Auditoria do Desempenho ao Sector Agrário, da autoria da Inspecção Geral de Finanças, revela que as políticas desenhadas pelo Governo no âmbito da “Revolução Verde”, uma das principais bandeiras de Armando Guebuza, estão a fracassar, uma vez que estão a ser mal geridos.
O estudo, elaborado no quadro do apoio orçamental que a comunidade internacional presta a Moçambique, é um dos instrumentos de medição do impacto desse apoio. O mesmo avalia a situação de todo o sector agrário, desde os aspectos institucionais como a gestão financeira e o procurement até problemáticas ligadas à produtividade do milho e arroz, a extensão rural, a irrigação, a divulgação de material científico, o licenciamento e receitas florestais, entre outros aspectos.
O relatório indica que a estratégia da “Revolução Verde” não está a surtir efeitos concretos. Lê-se a dada altura no estudo que apenas “3 % dos agricultores utilizam fertilizantes químicos e isso em grande parte no tocante ao tabaco. Só 2% dos agricultores utilizam tractores e 11% utilizam tracção animal.
Além disso, é possível constatar uma redução da utilização de irrigação, fertilizantes químicos e pesticidas. Todos estes factores são fonte de cepticismo nos agricultores sobre a utilização de novos métodos de produção”.
No que respeita à irrigação, o relatório conclui que o actual uso e aproveitamento dos sistemas de irrigação é muito baixo (menos de 50%), sendo uma das razões o fraco envolvimento dos beneficiários no processo de planificação e execução dos projectos de rega.
Outras causas do não funcionamento efectivo de alguns sistemas de rega é a fraca habilidade dos utentes de operar e garantir a manutenção dos mesmos, o que em parte é justificado pela fraca capacidade de resposta em termos de recursos humanos existentes no subsector.

Hélder Xavier, A Verdade

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