Friday, 12 November 2010

Conflitos de interesse?

A SPI - Gestão e Investimentos pertence, legalmente e como revelado acima, a pessoas singulares e não ao partido Frelimo

A Frelimo não está legalmente autorizada a criar empresas, mas seleccionou a dedo um grupo influente de militantes para assumir o título de propriedade da SPI. Por outro lado, Paulo Zucula, ministro e membro da Frelimo, nomeou o júri que deu à SPI o cobiçado negócio das telecomunicações.
A SPI - Gestão e Investimentos pertence, legalmente e como revelado acima, a pessoas singulares e não ao partido Frelimo. Isto porque o ordenamento jurídico comercial, em vigor em Moçambique, proíbe que entidades como partidos políticos criem empresas.
É que a alínea a) do artigo 12 do Código Comercial estabelece que “estão impedidos do exercício da actividade empresarial as pessoas colectivas que não tenham por objecto interesses materiais”.
Os partidos políticos não têm por objecto fins materiais (ou não deviam), porquanto são, por definição, a “união voluntária de cidadãos com afinidades ideológicas e políticas comuns, visando a disputa do poder político”.
De 1993 a esta parte, a SPI – Gestão e Investimentos sofreu várias transformações, nomeadamente, a alteração do pacto social, quotas e injecção de capital. Mas continuou a crescer.
Manuel Tomé, Teodoro Waty, entre outros donos da SPI – Gestão e Investimentos, são empresários no âmbito do artigo oito do Código Comercial, que diz: “estão habilitadas para o exercício da actividade empresarial como empresários as pessoas singulares e jurídicas civilmente capazes, exceptuando-se as que se acharem proibidas em leis especiais e no presente Código”.
A Frelimo terá, supostamente, escolhido a dedo aqueles importantes membros para contornar a legislação. E fez de tudo para deixar claro que, do ponto de vista legal, o partido não é dono da SPI – Gestão e Investimentos. Só que os indícios de existência de conflito de interesses e violação à ética empresarial não deixam de existir.
O órgão regulador das telecomunicações, que apurou o vencedor do terceiro operador de telefonia móvel, não é totalmente independente. O Instituto Nacional de Comunicações de Moçambique (INCM) é tutelado pelo ministro que superintende a actividade das comunicações, neste caso vertente Paulo Zucula, da Frelimo.
Zucula propõe o presidente do Conselho de Administração do INCM, o qual é nomeado e exonerado pelo Conselho de Ministros. Por sua vez, o director-geral e os directores de serviços são nomeados e exonerados pelo ministro de tutela, sob proposta do presidente do Conselho de Administração.
Quer dizer, Paulo Zucula é o principal responsável pela indicação do Conselho de Administração e direcção-geral do INCM, o mesmo instituto que deu à SPI – Gestão e Investimentos o cobiçado negócio de telecomunicações.
Mas não só. O actual ministro dos Transportes e Comunicações nomeou também o júri do concurso, ao abrigo do número 1 do artigo 28 do Regulamento do Concurso Público para o Licenciamento do Terceiro Operador de Telecomunicações Móveis Celular.
O INCM já mostrou dever obediência às ordens do governo, apesar de gozar de autonomia financeira e administrativa. Depois das manifestações de 1 e 2 de Setembro passado, o instituto confessou ter executado a ordem do governo para bloquear o serviço de mensagens (SMS) no sentido de travar uma reedição da agitação social.

A vitória da SPI reacende uma velha questão: até que ponto prevalece a transparência e, sobretudo, a ética empresarial nos concursos públicos em que participam empresas ligadas ao partido no poder desde a independência nacional?
Alguns sectores da sociedade têm insistido que o Estado moçambicano precisa de uma lei que redefina o papel do servidor público e combata o conflito de interesses e enriquecimento ilícito.

Boaventura Mucipo, O País

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