Wednesday 10 November 2010

“Continente africano tem condições para se transformar numa potência alimentar”


Convicção de Lula da Silva

“Nós ainda não exploramos 0.5% do potencial da savana africana, que tem o mesmo potencial produtivo que o Seará brasileiro. Nós queremos ver, daqui a alguns anos, a África a sair desta situação de pobreza e miséria. Pode a China ou a Alemanha ter tecnologia, mas na hora de comer, tem que vir falar com vocês (africanos). O cidadão com fome não consegue teclar o celular, muito menos brincar com o Ipod”, disse Lula da Silva.
Fugindo à lógica que caracteriza os líderes mais importantes do mundo, normalmente vestidos de fatos e gravatas, Lula da Silva, presidente do Brasil, apresentou-se ontem em Maputo, mais concretamente na Universidade Pedagógica, com um traje simples e descontraído. Lula proferiu uma aula magna que simbolizava o lançamento formal da Universidade Aberta de Moçambique, instituição que resulta da parceria entre a Universidade Pedagógica, Universidade Eduardo Mondlane, Ministério da Educação e a Universidade Aberta do Brasil. Trata-se de uma instituição que se vai dedicar ao ensino à distância nas áreas de formação de Biologia, Matemática e Pedagogia.
Na verdade, quem estava à espera de uma aula no sentido “clássico”, poderá, inicialmente, ter ficado com uma sensação de “frustração”. É que Lula da Silva, depois de ter lido o curto discurso “formal” e de “praxe”, pegou no microfone e, ao invés da aula, deu uma “lição de vida, persistência, coragem e de sonhos”. Tratou-se de uma lição dada por um homem com legitimidade, na medida em que o seu percurso fala por si, senão vejamos:
Nasceu no interior do Brasil, numa família extremamente pobre e teve uma educação escassa (foi torneiro mecânico). passou pela luta sindical e é o brasileiro que mais vezes se candidatou à presidência da República do Brasil, tendo sido candidato a presidente cinco vezes. graças a sua persistência e coragem, conseguiu chegar à presidência, cuja governação impressiona até aos seus opositores. Transformou-se num dos líderes mais importantes e mais influentes do século XXI. A dois meses de deixar a Presidência da República, Lula conta com uma taxa de aprovação dos eleitores acima de 80 por cento!

Importância da educação

Na sua dissertação, Lula da Silva defendeu a necessidade dos países em via de desenvolvimento apostarem na educação, como a única via possível para dar oportunidades às camadas mais desfavorecidas. Neste capítulo, falou das suas experiências enquanto presidente do Brasil.
“Quis a história que o Brasil tivesse, pela primeira vez, um presidente sem diploma universitário e um vice-presidente que também não tem diploma universitário. Tanto eu, como José Alencar (vice-presidente), gostaríamos de ter tido diploma universitário (...), eu fui apenas torneiro mecânico e José mais tarde transformou-se num empresário. O mais engraçado é que depois de oito anos (referentes a dois mandatos presidenciais), nós seremos os que mais construímos universidades federais na história do Brasil. Fizemos mais escolas técnicas e mais oportunidades de educação criámos. O Brasil, em 100 anos, construiu 140 escolas técnicas e nós, em oito anos, construímos 214. Construímos 14 universidades novas e 126 centros universitários, que beneficiam milhares de brasileiros do interior, evitando desta feita o êxodo rural”, disse Lula da Silva, sob fortes aplausos. Por outro lado, acrescentou que no seu entender, “a educação é o único instrumento que a humanidade conhece que confere igualdade de condições as pessoas”.

Aposta em África

Sabe-se que a governação de Lula da Silva foi a que mais contacto privilegiou com o continente africano. Durante os oito anos de governo, Lula da Silva visitou 27 países africanos, incluindo Moçambique, onde esteve por três vezes.
Lula da Silva explicou que a sua administração decidiu privilegiar a África (com especial enfoque para os PALOP) por causa da “dívida histórica. A formação do povo brasileiro tem muito haver com os povos africanos. O povo brasileiro é o que é graças à mistura entre índios, africanos e europeus. Essa é na verdade uma vantagem comparativa que nós deveríamos ter em relação ao resto do mundo mas, como nós temos a nossa cabeça colonizada durante séculos, aprendemos que somos inferiores e que qualquer um que enrola a língua é melhor que nós”, disse.


“Temos que nos levantar”

Lula da Silva propôs uma aliança entre a África, América Latina e outros países ditos do terceiro mundo para uma nova ordem. “Temos que levantar a nossa cabeça e juntos construirmos um futuro em que o Sul não seja mais atrasado que o norte e nem dependente dele. Temos que acreditar em nós mesmos e sabermos que podemos ser tão importantes e sábios como eles”.

“África pode ser potência alimentar”

Num outro desenvolvimento, Lula da Silva mostrou-se indignado com o nível de pobreza e de miséria que graça o continente africano, quando este dispõe de um grande potencial agrícola.
“Quando olhamos o mapa do mundo, a gente percebe que tem mais chineses, indianos, africanos, latino-americanos comendo e chegamos a conclusão de que o mundo vai precisar de mais alimentação nos próximos tempos. Ninguém come minério de ferro, chips, telefone celular (...), comemos comida! E comida é produzida na terra e precisa de sol e água. E quem tem mais sol e água do que nós (africanos e latino-americanos)? Quem tem mais terra disponível e arável?”, indagou o presidente brasileiro para depois afirmar: “Nós ainda não exploramos 0.5% do potencial da savana africana, que tem o mesmo potencial produtivo que o Seará brasileiro. Nós queremos ver, daqui a alguns anos, a África a sair desta situação de pobreza e miséria. Pode a China ou a Alemanha ter tecnologia, mas na hora de comer tem que vir falar com vocês (africanos). O cidadão com fome não consegue teclar o celular, muito menos brincar com o Ipod”, disse Lula da Silva.
O estadista denunciou alguns países desenvolvidos que se empenham em desvalorizar os feitos das nações menos desenvolvidas. “Eles tentam desvalorizar que nós temos potencial e sobrevalorizam aquilo que eles produzem, e nós aceitamos porque temos a mentalidade de que eles são superiores”.

José Belmiro, O País

No comments: