A fábrica de remédios anti-HIV bancada pelo Brasil não ficou pronta a tempo. Mas uma máquina emprestada garantiu a foto presidencial
ÉPOCA
A última visita de Lula como presidente à África, na semana passada, correu do jeito que ele queria. O destino foi Moçambique, ex-colônia portuguesa na costa leste do continente, onde ele ficou dois dias. Lá, inaugurou uma fábrica de medicamentos antirretrovirais genéricos para o tratamento do vírus HIV - um projeto de cooperação orçado em US$ 31 milhões e que será financiado quase integralmente pelo Brasil.
Orgulhoso, Lula posou segurando cartelas de comprimidos. O sorriso presidencial só foi possível graças a uma pequena despesa de emergência do governo brasileiro. A única máquina instalada na fábrica (chamada de emblistadeira, usada para moldar e embalar comprimidos) só chegou a Moçambique a tempo de Lula vê-la em funcionamento porque foi emprestada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ou era isso ou Lula encontraria um galpão deserto.
A emblistadeira da Fiocruz desembarcou em Maputo em 27 de outubro - duas semanas antes de Lula -, levada por um Hércules da Força Aérea Brasileira. A explicação oficial para que se despachasse daqui para lá um equipamento "não definitivo" foi que os funcionários moçambicanos poderiam já começar a treinar para a "fase um" da fábrica. A máquina vai apenas fracionar e embalar remédios vindos do Brasil - além dos antirretrovirais, anti-hipertensivos e analgésicos, entre outros. Será devolvida quando começarem a funcionar as máquinas definitivas.
A proximidade das datas do envio do equipamento e da chegada do presidente não foi coincidência. Entre setembro e outubro, tanto o Itamaraty quanto a Fiocruz, as instituições envolvidas no projeto, tentavam encontrar uma solução para o problema: se os equipamentos da fábrica só deverão chegar a partir de março de 2011, o que Lula poderia inaugurar em novembro de 2010? O projeto da fábrica era antigo e caro ao presidente. Foi formalizado em 2003, durante a primeira visita de Lula a Moçambique.
Cinco anos depois, em sua segunda passagem pelo país, só estava pronto o estudo de viabilidade técnica da Fiocruz. O governo moçambicano recém-indicara o local para instalar a fábrica. Lula se queixou da demora com o presidente de Moçambique, Armando Guebuza: "Entre termos a vontade de fazer e acontecer, está demorando pra caramba".
A Fiocruz se valeu, então, de um mecanismo chamado Regime Especial de Exportação Temporária, que facilita o envio de mercadorias para eventos culturais ou para assistência técnica e humanitária. Em duas semanas, a emblistadeira usada estava pronta para o embarque - evitando a impressão de que nada andou em sete anos.
"A demora existiu por problemas burocráticos no Brasil e pela dificuldade de achar um lugar adequado em Moçambique", diz Hayne Felipe da Silva, diretor de Farmanguinhos, o laboratório da Fiocruz que viabilizou a fábrica. É verdade. Um dos impasses é que a doação de equipamentos não está prevista na legislação brasileira de cooperação internacional. A saída foi Lula enviar um projeto de lei ao Congresso, em que pedia a liberação de R$ 13,6 milhões destinados à compra e doação do maquinário a Moçambique. A autorização só veio em dezembro de 2009. Com isso, não houve tempo hábil para adquirir os equipamentos, todos importados, e enviá-los ainda neste ano. Mesmo que conseguissem, pouco adiantaria, porque a adaptação da fábrica às exigências da Organização Mundial da Saúde deve impedir o início da produção antes de 2012.
Esses percalços não devem obscurecer o lado louvável da iniciativa. Será a primeira fábrica pública de antirretrovirais da África. O continente abriga quase 70% dos adultos e crianças infectados com o HIV no mundo. Em Moçambique, 12,5% da população (1,5 milhão de pessoas) tem o vírus. Hoje, só 200 mil moçambicanos são tratados com antirretrovirais. Claro, tudo tem sua contrapartida. Moçambique recebe muito bem os investimentos de empresas brasileiras. A Vale, que vai entrar com cerca de US$ 5 milhões para adaptar a fábrica de remédios, tem um projeto de exploração de carvão no noroeste do país, para o qual se comprometeu a investir US$ 1,5 bilhão. A fábrica contribui para a imagem de Lula e pode reforçar o apoio africano aos pleitos internacionais do Brasil, como um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Uma máquina emprestada e uma inauguração de fachada pareceram um preço pequeno a pagar para o governo.
FONTE: Mídia News, citado no Ma-schamba.
ÉPOCA
A última visita de Lula como presidente à África, na semana passada, correu do jeito que ele queria. O destino foi Moçambique, ex-colônia portuguesa na costa leste do continente, onde ele ficou dois dias. Lá, inaugurou uma fábrica de medicamentos antirretrovirais genéricos para o tratamento do vírus HIV - um projeto de cooperação orçado em US$ 31 milhões e que será financiado quase integralmente pelo Brasil.
Orgulhoso, Lula posou segurando cartelas de comprimidos. O sorriso presidencial só foi possível graças a uma pequena despesa de emergência do governo brasileiro. A única máquina instalada na fábrica (chamada de emblistadeira, usada para moldar e embalar comprimidos) só chegou a Moçambique a tempo de Lula vê-la em funcionamento porque foi emprestada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ou era isso ou Lula encontraria um galpão deserto.
A emblistadeira da Fiocruz desembarcou em Maputo em 27 de outubro - duas semanas antes de Lula -, levada por um Hércules da Força Aérea Brasileira. A explicação oficial para que se despachasse daqui para lá um equipamento "não definitivo" foi que os funcionários moçambicanos poderiam já começar a treinar para a "fase um" da fábrica. A máquina vai apenas fracionar e embalar remédios vindos do Brasil - além dos antirretrovirais, anti-hipertensivos e analgésicos, entre outros. Será devolvida quando começarem a funcionar as máquinas definitivas.
A proximidade das datas do envio do equipamento e da chegada do presidente não foi coincidência. Entre setembro e outubro, tanto o Itamaraty quanto a Fiocruz, as instituições envolvidas no projeto, tentavam encontrar uma solução para o problema: se os equipamentos da fábrica só deverão chegar a partir de março de 2011, o que Lula poderia inaugurar em novembro de 2010? O projeto da fábrica era antigo e caro ao presidente. Foi formalizado em 2003, durante a primeira visita de Lula a Moçambique.
Cinco anos depois, em sua segunda passagem pelo país, só estava pronto o estudo de viabilidade técnica da Fiocruz. O governo moçambicano recém-indicara o local para instalar a fábrica. Lula se queixou da demora com o presidente de Moçambique, Armando Guebuza: "Entre termos a vontade de fazer e acontecer, está demorando pra caramba".
A Fiocruz se valeu, então, de um mecanismo chamado Regime Especial de Exportação Temporária, que facilita o envio de mercadorias para eventos culturais ou para assistência técnica e humanitária. Em duas semanas, a emblistadeira usada estava pronta para o embarque - evitando a impressão de que nada andou em sete anos.
"A demora existiu por problemas burocráticos no Brasil e pela dificuldade de achar um lugar adequado em Moçambique", diz Hayne Felipe da Silva, diretor de Farmanguinhos, o laboratório da Fiocruz que viabilizou a fábrica. É verdade. Um dos impasses é que a doação de equipamentos não está prevista na legislação brasileira de cooperação internacional. A saída foi Lula enviar um projeto de lei ao Congresso, em que pedia a liberação de R$ 13,6 milhões destinados à compra e doação do maquinário a Moçambique. A autorização só veio em dezembro de 2009. Com isso, não houve tempo hábil para adquirir os equipamentos, todos importados, e enviá-los ainda neste ano. Mesmo que conseguissem, pouco adiantaria, porque a adaptação da fábrica às exigências da Organização Mundial da Saúde deve impedir o início da produção antes de 2012.
Esses percalços não devem obscurecer o lado louvável da iniciativa. Será a primeira fábrica pública de antirretrovirais da África. O continente abriga quase 70% dos adultos e crianças infectados com o HIV no mundo. Em Moçambique, 12,5% da população (1,5 milhão de pessoas) tem o vírus. Hoje, só 200 mil moçambicanos são tratados com antirretrovirais. Claro, tudo tem sua contrapartida. Moçambique recebe muito bem os investimentos de empresas brasileiras. A Vale, que vai entrar com cerca de US$ 5 milhões para adaptar a fábrica de remédios, tem um projeto de exploração de carvão no noroeste do país, para o qual se comprometeu a investir US$ 1,5 bilhão. A fábrica contribui para a imagem de Lula e pode reforçar o apoio africano aos pleitos internacionais do Brasil, como um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Uma máquina emprestada e uma inauguração de fachada pareceram um preço pequeno a pagar para o governo.
FONTE: Mídia News, citado no Ma-schamba.
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