Monday, 14 July 2014

Negociadores culpam deficiências na aplicação do acordo de paz pela crise em Moçambique


O ex-número dois da Renamo, o principal partido da oposição moçambicana, Raul Domingos e o antigo ministro da Informação moçambicano Teodato Hunguana defendem que a crise no país resulta das "deficiências de implementação" do Acordo Geral de Paz.
Em entrevista à Lusa, Raúl Domingos, que liderou a delegação da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana) às negociações que culminaram com a assinatura do Acordo Geral de Paz (AGP) em 04 de outubro de 1992, que acabou com 16 anos de guerra civil, afirmou que a crise política e militar que o país enfrenta tem a sua génese na "não efetiva implementação" do pacto por parte do Governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder.
"O que está a acontecer é o resultado da não efetiva implementação do AGP, que não está a ser devidamente implementado e isso está a trazer estas consequências", declarou Raul Domingos, que atualmente lidera o extraparlamentar Partido para a Paz, Democracia e Desenvolvimento (PDD), após ter sido expulso da Renamo, em 2000, por desentendidos com o líder daquele partido, Afonso Dhlakama.
O político acusou o atual chefe de Estado moçambicano, Armando Guebuza, de ser o responsável pela atual situação, porque, com a sua ascensão ao poder, em 2005, a Frelimo começou, supostamente, a recuar no compromisso de respeitar a paridade na composição das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), através de um comando conjunto com oficiais oriundos da antiga guerrilha.
"A paridade nas FADM tinha sido acordada em Roma (onde foi assinado o AGP), mas, depois da era do Presidente Joaquim Chissano, começou a assistir-se a um recuo, o primeiro, muito claramente visível, é a introdução das células do partido Frelimo na Função Pública, que automaticamente viola o AGP; porque o AGP fala da despartidarização da Função Pública", sublinhou Raúl Domingos.
Para o antigo número dois da Renamo, com Armando Guebuza como Comandante em Chefe das FADM, começou a haver a violação do espírito do AGP, uma vez que oficiais mais jovens indicados pela Renamo passaram à reforma, sendo substituídos por quadros mais velhos da Frelimo.
"As FADM eram a única entidade das Forças de Defesa e Segurança que inspiravam confiança aos ora beligerantes, mas essa confiança foi desmantelada", observou o negociador-chefe da Renamo durante as conversações de Roma.
Por seu turno, numa recente comunicação que fez num evento sobre a atual tensão política e militar no país, o ex-ministro da Informação de Moçambique e membro da delegação do Governo nas negociações de paz Teodato Hunguana considerou que o atual clima que se vive no país é causado por "deficiências de implementação" do AGP, acusando a Renamo pela situação.
"Esses problemas radicam, sim, no AGP. Não nas eventuais imperfeições do AGP, mas nas deficiências de implementação do acordo", afirmou Hunguana, defendendo, contudo, que a solução tem de ser encontrada no quadro da Constituição da República e não no quadro do AGP.
Para o ex-ministro da Informação, a "incompleta implementação" do AGP justifica o facto de a Renamo ainda manter homens armados, apesar de ser um partido político com existência legal.
"Na verdade, a Renamo nunca entregou a lista dos homens que deveriam ficar afetos à guarnição dos seus dirigentes, para serem integrados na Polícia, como determinava o AGP. Essa recusa visava manter esses homens fora do controlo do Estado", declarou Teodato Hunguana, acusando o principal partido da oposição moçambicano de violar o AGP, por não ter desmobilizado toda a sua guerrilha.
Ao abrigo do AGP, o principal partido da oposição moçambicana devia manter sob seu comando um contingente armado de pouco mais de uma centena de membros da sua antiga guerrilha, para a segurança dos seus dirigentes, mas integrados na polícia moçambicana.
A integração da força residual da Renamo na polícia moçambicana, no âmbito do AGP, ainda não aconteceu e os seus membros têm estado envolvidos em combates com as Forças de Defesa e Segurança moçambicanas no centro do país, no atual contexto de tensão política e militar, primeiro provocada por divergências em torno da lei eleitoral, já ultrapassadas, mas agora devido à falta de acordo em relação ao desarmamento do braço armado do movimento.


Lusa

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