Adriano Nuvunga, director do Centro de Integridade Pública (CIP), organismo moçambicano dedicado à boa governação e transparência, diz que se verifica o ressurgimento de uma Frelimo que tem o Estado ao serviço dos interesses económicos.
Para o director do Centro de Integridade Pública, há uma “mescla entre política, poder, e economia” q...ue envolve a Frelimo e favorece o surgimento de novas elites ligadas ao partido no poder, além das famílias tradicionais. Sobre Armando Guebuza, que inicia esta terça-feira uma visita oficial de dois dias a Portugal, Adriano Nuvunga afirma que a sua saída do cargo de Presidente da República, no final do ano, nada irá mudar.
Acha que a sociedade civil de Moçambique, e até os organismos públicos, têm capacidade para assegurar que a riqueza dos recursos naturais não irá fomentar a corrupção?
As instituições, formais e informais, do controlo social e público estão em crescendo, mas estão ainda numa fase muito inicial do seu desenvolvimento. A sociedade civil ainda tem muitas fraquezas. Há um espaço de actuação que lhe é restringido pelo poder público. E há instituições de controlo, como o Parlamento, que também estão numa fase inicial de desenvolvimento. Tomando em consideração que temos uma sociedade que está, de certa forma, sob o domínio muito forte da Frelimo, num quadro onde a elite política, libertadora, da Frelimo - e a que vai nascendo - controla o Estado, os negócios, os mecanismos de controlo que são próprios das democracias têm muitos desafios em Moçambique.
Nota-se um aumento da promiscuidade entre o mundo dos negócios e o partido que detém o poder, a Frelimo?
O que existe é uma espécie de ressurgimento de uma Frelimo economicamente elitizada que tem a política, o Estado, ao serviço dos interesses económicos.
Mas tem crescido?
Penso que se tem consolidado. As velhas elites da Frelimo, que são as principais famílias libertadoras, estão a consolidar-se cada vez mais, numa dimensão até cleptocrática. Mas há também há novas elites da Frelimo que vão surgindo, no meio de uma mescla entre política, poder, e economia.
Verifica-se um maior acumular de riqueza?
Da parte da velha elite da Frelimo, das principais famílias, elas estão a tornar-se cada vez mais sólidas, através da acumulação, utilizando o Estado, obviamente, e há também uma nova elite emergente.
Quais são os cenários mais óbvios dessa consolidação, do cruzamento entre os negócios e a política?
Os elementos de ostentação a que assistimos hoje em dia não reflectem bem a riqueza que essas pessoas já acumularam.
Ela está escondida?
Eu penso que sim. As principais elites que acumularam riqueza são, na sua maior parte, ainda, cobertas pelas mordomias do Estado por terem participado no poder público. Têm Mercedes do Estado, têm guardas do Estado, têm uma casa.mas ainda não começaram a ostentar a riqueza acumulada.
A corrupção pode ameaçar o futuro de Moçambique?
Moçambique é um país que vem de uma guerra civil. Isso significa que havia um grupo de moçambicanos que não se sentia bem com o status quo, combateram, fizeram a guerra civil, e estão agora a participar do quadro democrático. A teoria diz que a estabilidade política só acontece quando essas pessoas que combateram, que utilizaram as armas em tempo de guerra, têm de ter uma relativa acomodação socioeconómica em tempo de paz. Se a corrupção continuar da forma em que está, essas pessoas, que encabeçaram a guerra no passado e que voltaram à Renamo para fazer a guerra, não vão estar acomodadas e vão provocar instabilidade. Mas, sobretudo, por parte da sociedade não haverá a distribuição que se espera que ocorra, e isso conduz também a instabilidade.
A má redistribuição de riqueza levou ao reacender dos conflitos entre a Frelimo e a Renamo?
É um elemento importante, a forma como as elites da Renamo foram tratadas pela sociedade e pelo Estado. Não tiveram o acolhimento que era de esperar. Afonso Dhlakama [líder da Renamo] é um signatário do acordo de paz, teve um contributo importante e merecia outro tipo de tratamento.
Vai haver mudanças com a saída de Armando Guebuza do cargo de Presidente da República?
Penso que não. Vai haver uma mudança do presidente, mas o regime vai continuar.
O aumento do fluxo de investimento directo estrangeiro, por causa dos recursos naturais de Moçambique, requer, como já afirmou a CIP, uma maior capacidade fiscalizadora. Nota uma tendência nesse sentido?
Formalmente, as estruturas podem ser montadas, mas o problema é que a elas está subjacente a Frelimo. E as coisas acontecem um pouco ao ritmo do que pode ou não pode ser feito no quadro dos interesses da liderança política da Frelimo.
O facto de a Frelimo estar tão ligada ao Estado não conduz a uma espécie de perpetuação do regime, sem alternância?
Neste momento, a Frelimo, como qualquer outro partido dominante, tudo faz para se manter perpetuamente no poder. Mas há o surgimento de outras forças políticas, como o MDM, e a Renamo tem agora uma oportunidade para se renovar. Está a haver um certo desenvolvimento na sociedade, e tende a haver uma maior capacidade de questionar a qualidade da governação.
Os países dadores, que ainda contribuem com grande parte do dinheiro do Orçamento do Estado, deviam ter um papel mais interventivo?
Parte importante do que tinham a fazer já fizeram, ao garantir a ajuda necessária ao país. Agora, a complexidade da fase que se segue, com os recursos naturais e os interesses que isso gera, põe os dadores numa posição delicada. Já se começa a sentir que falta um unanimismo que lhes era característico. Penso que começam a compreender que parte do que tinham para fazer já está feito, como ao nível das reformas. Agora cabe aos moçambicanos pôr as instituições a andar.
Fonte: Publico, Lisboa. Leia aqui!
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