Beira (Canalmoz) – Não é muito difícil vislumbrar o que os políticos de topo procuram a todo o custo esconder. Uma mescla de agendas privadas e políticas trava o processo negocial tendente a encontrar uma saída para a crise que grassa no país.
Há uma forte sensação de que existem receios fundamentados de que alcançar um acordo significará o fim de algumas das prerrogativas com que vivem alguns políticos.
A falta de normalização e de estabelecimento dum Estado de Direito – em que as leis são feitas e cumpridas, em que ninguém é superior face à lei, em que a impunidade é efectivamente combatida, em que a sociedade se vê envolvida nos assuntos políticos de forma clara e não em comícios ocasionais – tem minado a convivência sã entre pessoas e partidos políticos.
Com oportunidades inúmeras de fazer a diferença pela positiva, os políticos tem escolhido caminhos escusos e agendas que privilegiam o privado e não o geral.
Pontapeiam-se os fundamentos da democracia e instila-se, incute-se, na sociedade uma visão monocromática como forma de existência e de sobrevivência.
Quando a elite política envereda pelo culto da personalidade e por uma cultura de receio das chefias, quando se apela a uma obediência cega ao que os titulares do poder dizem, entra-se no reino dos abusos e dos exageros.
Um poder fundado no centralismo e na infalibilidade do chefe acrescenta receios e promove um pensamento dito comum, mas que, na verdade, se resume à ditadura.
Moçambique ainda tem oportunidade e espaço para que a sua sociedade se entregue ao cultivo de práticas de participação democrática genuínas.
O recrudescimento da crise e os impasses que se têm verificado quanto à assinatura dum acordo envolvente e estruturado para relançar a paz e desenvolvimento fazem parte da agenda dos que temem perder prerrogativas. É o acesso aos recursos públicos e naturais que faz tremer as hostes dos detentores do poder. O artifício e todo o jogo de palavras lançadas sobre os cidadãos visam demonstrar que a opção dos que governam é a única saída para o país.
É preciso não nos esquecermos de que os advogavam a infalibilidade do partido no poder ou toda uma série de falsos imperativos nacionais são os mesmos que foram colocados na posição de porta-vozes do PR. É preciso não deixar de ver que os “durões” do regime são os mesmos que ostentam a responsabilidade de negociadores-chefes num processo que não conhece fim.
A razoabilidade que se deve esperar dos políticos em processo negocial não encontra convergência de espírito nem de agenda. Parece que uma parte, embora sabendo de fonte limpa que os pressupostos apresentados pela outra parte são razoáveis e de considerar, prefere colocar obstáculos de terminologia numa clara intenção de impedir que o acordo inevitável seja assinado.
Colocar à frente dos objectivos políticos pretensos legalismos e uma argumentação legalista de índole claramente política não impede nem esconde o que é por demais visível. Não querem acordo nos termos do AGP porque isso seria como “secar a vaca” ou “matar a galinha dos ovos de ouro”. As proclamações de veteranos da luta independentista sobre o “direito natural” de serem ricos ilustram, em certa medida, os sentimentos que alimentam alguns políticos de proa.
Se quisermos ser honestos e concretos, não haverá sucesso negocial enquanto alguns teimarem em defender posições irredutíveis.
A aparente repartição do “bolo” entre alguns que se consideram aliados estratégicos no panorama político nacional deve ser vista com desconfiança, pois atenta contra os genuínos interesses dos moçambicanos.
O país não pode ser tomado como algo privado e que se pode utilizar conforme se entenda, sem respeito pelas leis. Também não se pode olhar para as leis como algo que se pode “dobrar e guardar na gaveta”, quando somos “prevaricadores”.
Onde reina a impunidade, não pode haver democracia.
Onde reina a falta de respeito pelo outro, não pode haver convivência sã.
Onde reina o medo, não há liberdade criativa.
Onde reina a falsidade, impera o crime.
Onde reina o exclusivismo, desenvolvem-se atritos e conflitos.
Onde reina o compadrio e o nepotismo, desenvolve-se a corrupção.
Tornar Moçambique num país normal, dinâmico e com os cidadãos activamente envolvidos no seu desenvolvimento sustentável requer que se assuma uma postura diferente. Há que assumir e aceitar que somos de facto iguais, com direitos e obrigações, com cidadania plena.
As mensagens que saem dos comícios de ocasião, arrebanhando cidadãos, é de que uns são supercidadãos e merecedores do melhor, e que a maioria serve só para votar e legitimar essa pretensa superioridade.
Há que voltar para aquele espírito independentista de reivindicação da justiça, promovendo o fim da discriminação e da repressão do pensar diferente.
A “Pátria Amada” só será nação amada quando os seus cidadãos se sentirem confortáveis com ela, amando-a e defendendo-a.
Essa visão estratégica falta a alguns políticos. Será esclerose política? Será cegueira política? Será utopia posta em prática para benefício do grupo a que se pertence?
(Noé Nhantumbo, Canalmoz)
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