Wednesday 23 July 2014

A cidade das acácias

 
Escrevi estas linhas a pensar no dia de amanhã. A pensar no 24 de Julho, o dia das nacionalizações em Moçambique (Saúde, Educação, Justiça) mas também, e porque não recordar, o dia que assinalava o aniversário da então cidade de Lourenço Marques, a cidade das acácias ou a pérola do Índico.
Hoje, volvidos estes anos todos, não sei se Maputo, a nossa cidade capital, merece essa honraria. Estamos confrontados com outras realidades. Estamos perante uma cidade em permanente mutação. A cidade dos arranha-céus, com cheiro a betão por tudo quanto é canto, que cresce na vertical.
A cidade das gruas ou dos “tchovas”, que vezes sem conta atrapalham o tráfego. Mas também e porque não a cidade do lixo, da imundície, das ruas esburacadas, que teimam em continuar cheias de crateras, perante o olhar impávido e sereno das autoridades municipais e especialmente daqueles que em plena campanha eleitoral autárquica de Novembro passado prometeram e não cumprem.
A cidade dos negócios de esquina, dos passeios ocupados por vendedores ambulantes. A cidade do trânsito infernal. Dos chapas a transbordar, transformados em “burro de carga”, dos “my love” apinhados, que constituem a vergonha nacional em matéria de transporte público e que vem provar a incapacidade de quem de direito de satisfazer os interesses e as necessidades básicas do munícipe.
Maputo a cidade dos múltiplos contrastes. Das  negociatas. Dos empresários e daqueles que se dizem empresários mas que de empreendedores nada têm.
A cidade das acacias Têm lábia para enganar meio mundo com toda a sorte de trambiques, tentando mostrar ao mundo o seu mundo de ostentação, assente no carro do último modelo, na compra do mais caro perfume, do almoço em restaurante ou hotel cinco estrelas. Mostras dum “poder” podre.
A cidade das acácias ou a pérola do Índico, se é que ainda a reconhecemos como tal, é a capital das múltiplas reuniões. De gente engravatada enfiada em fatos berrantes e desajeitados, alguns deles a precisarem de ferros de engomar, bastas vezes com as calças a pedirem “desculpa” aos sapatos, num verdadeiro folclore de cores que não combinam entre si. Dizem- -me que assim é que é. É slim e está na moda. É essa gente que pulula pelos hotéis onde acontecem as mais variadas reuniões, botando faladura em tudo quanto é sítio, com direito a imagem de destaque nos telejornais das nossas televisões.
A capital dos encontros promovidos pelos Ministérios ou outras Instituições Públicas, que, na maior parte dos casos, em vez de realizarem os seus Conselhos Coordenadores e/ou Consultivos na capital ou nas suas próprias Sedes, decidem esbanjar o dinheiro dos nossos impostos tendo como palco desses encontros as mais aprazíveis estâncias turísticas do nosso país como sejam Bilene, Chongoene, Pemba e por aí fora. Palcos do esbanjamento dos nossos gestores públicos, gastando rios de dinheiro que bem poderia servir para construir mais escolas e hospitais.
Maputo é a capital que infelizmente, para tristeza de todos nós, virou mictório público. As boas maneiras e as regras da boa educação foram atiradas para o caixote do lixo. A cidade virou casa de pasto, ou não fossem as “xipanelanas”, essa forma de muitas senhoras ganharem a vida honestamente, confeccionando pratos bem variados (e apetitosos, segundo me dizem) que se vendem nos passeios e nas ruas, a preços que aparentemente estão ao alcance de algumas bolsas.
Por tudo isto e por tudo o que fica por dizer, não admira que o meu querido amigo Hortêncio Langa, cantor e compositor de méritos reconhecidos da nossa praça musical, esteja desolado com a situação. Foi ele que em 1992, em comemoração dos 115 anos da cidade capital de Moçambique, compôs e gravou a canção “Maputo” - .Maputo xonguila demais, xilunguine, quem te abraça não te larga mais.
Não sei se poderemos dizer que Maputo continua a ser uma “cidade próspera, bela, limpa, segura e solidária”. Se ela de facto continua a ser conhecida como a cidade das acácias ou a pérola do Índico, ou tal como diz Hortêncio Langa “é beijo de flor, é doce de mel e feitiço de amôr”.
Será mesmo?

João de Sousa, Correio da manhã, 23/07/2014

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