Wednesday 9 July 2014

Conselho de Estado discutiu Muchanga em vez da paz


mediaFAX por dentro de um encontro que ao invés de consolidar os avanços no diálogo político lançou mais achas para a fogueira

(Maputo) A sessão do Conselho de Estado (CE), havida ontem na Presidência da República, e que acabou sendo irrelevante para a pacificação do País, começou com a leitura de um documento que pretendia contextualizar a atual tensão político-militar. Foi o Primeiro Ministro, Alberto Vaquina, quem leu o documento, colocado na véspera por cima da mesa.
Por debaixo desse documento estava um pedido expresso da Procuradoria Geral da República (PGR) ao CE: levantamento imediato da imunidade do conselheiro António Muchanga, um dos representantes da Renamo no órgão (os outros são o antigo deputado da Renamo, Manuel Lole, e Afonso Dhlakama, que nunca chegou a tomar posse). O pedido da PGR, que acusa Muchanga de incitamento à violência, não constava da agenda da reunião mas acabou sendo a estrela do evento.
A sessão terminou com a brusca detenção de António Muchanga, porta voz de Dhlakama. Por volta das 10 horas da manha, depois do PR Armando Guebuza eos Conselheiros se sentarem nas poltronas de cabedal à volta de uma mesa rectangular de uma das salas de audiências no novo edifício da presidência, Vaquina iniciou a leitura de um texto onde, segundo fontes do mediaFAX, se destacava apenas referências aos “ataques armados da Renamo” e à perda de vidas humanas.
Quando o PM terminou, a conselheira Deolinda Guezimane iniciou uma espécie de discussão que se centrou na mesma tónica de referências aos “ataques da Renamo”. Depois seguiu-se Alberto Chipande, membro da Comissão Política da Frelimo, principal tutor político do candidato presidencial do partido no Governo, Filipe Nyusi. Um das nossas fontes presentes no encontro disse que Chipande também foi cáustico em relação à Renamo.
À medida que as intervenções se iam sucedendo, asseveraram-nos um tom quase consensual anti-Renamo imperou na sala, com Guebuza pouco interventivo. A sessão durou cerca de duas horas e a discussão sobre o pedido da PGR foi sendo feita como uma espécie de adenda à comunicação de Vaquina, mas acabou tornando-se o tema de fundo. O único conselheiro que se pronunciou contra o levantamento da imunidade de Muchanga foi Manuel Lole. Segundo uma fonte presente, Lole disse que uma decisão nesse sentido seria um retrocesso e colocaria em risco os avanços alcançados na mesa de negociações no Centro de Conferencias Joaquim Chissano (Ontem houve mais uma sessão, que não produziu quaisquer resultados).
O Conselho de Estado é um órgão de consulta do PR. Entre os conselheiros estavam, para além de Chipande e Guezimane, o antigo presidente Joaquim Chissano, o decano da Frelimo Marcelino dos Santos, a Presidente da Assembleia da República Verónica Macamo, o presidente do Conselho Constitucional Hermenegildo Gamito, e Eduardo Mulémbwè, José Abudo, Bernardo Ferraz, Alberto Vaquina, Brazão Mazula, Denis Sengulane, Manuel Lole e António Muchanga. Estiveram ausentes Graça Machel e o antigo Arcebispo de Maputo, Cardeal Dom Alexandre dos Santos. A maioria dos membros representa os interesses do partido no Governo. Mazula e Sengulane representa os interesses da chamada sociedade civil.
De acordo com dois relatos colhidos pelo mediaFAX, o tom quase consensual estendeu-se a favor do levantamento da imunidade de Muchanga. Brazão Mazula é descrito como tendo tido uma intervenção “isenta” mas também alegadamente dúbia. Ele terá dito, referindo-se expressamente ao caso Muchanga, que o conselho devia pronunciar-se à favor do princípio de separação de poderes, deixando na mesa a percepção de que o conselho devia abrir caminho à acção do poder judicial no caso concreto. Ontem, o mediaFAX tentou colher um depoimento seu sobre o que se terá passada mas, depois de tomar conhecimento das nossas intenções, ele enviou-nos uma sms a dizer que não podia atender.
Denis Sengulane passou toda a sessão em silêncio. Um analista interpretou este silêncio como estando alinhado com o facto de Sengulane ser um dos mediadores das negociações em curso. O antigo Bispo da Diocese Anglicana dos Libombos tem se empenhado nos esforços de paz e, quando o exército governamental atacou a base de Satungira a 21 de Outubro no ano passado, ele partilhou publicamente a sua reprovação quanto a uma solução armada da crise. Satungira foi o anterior refúgio Afonso Dhlakama.
Por volta das 11 horas, a sessão do Conselho de Estado terminava com o registo de que a maioria dos Conselheiros se havia pronunciado à favor do levantamento da imunidade de uma das figuras mais mediáticas da Renamo. E quando a sessão terminou, Muchanga foi dos primeiros a deixar a sala, o seu semblante não augurava boas notícias. E antes mesmo de deixar o recinto da presidência, ele foi detido por agentes da Polícia que lhe levaram, no seu carro protocolar, para uma esquadra da corporação na baixa da cidade. Por volta das 19 horas de ontem, o porta voz da Renamo foi conduzido a Cadeia Civil de Maputo, na Kim Il Sung, onde geralmente aguardam por julgamento os cidadãos em prisão preventiva.
A detenção de Muchanga causou uma enorme movimentação nas hostes da Renamo em Maputo. À tarde, Manuel Lole deu uma conferência de imprensa onde classificou a detenção de Muchanga de “rapto”, acrescentando que era agora um “preso político”. Lole disse que, para ele, o Conselho de Estado foi convocado apenas como pretexto para se prender Muxanga e não para discutir a atual tensão político-militar. Uma jornalista perguntou-lhe se a detenção tinha sido um ato de má fé. “Sim”, disse Lole. “Foi tudo orquestrado nesse sentido”. Com a saída de cena de Fernando Mazanga, o porta voz da Renamo que se tornou membro da Comissão Nacional Eleições no quadro da recente alteração da Lei Eleitoral, Muchanga tornou-se o principal elemento de ligação com a comunicação social, através da qual tem proferido discursos veementes. Recentemente, disse que a Renamo iria dividir o país se as incursões das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) na região da serra de Gorongosa continuassem; e anunciou o fim do cessar fogo unilateral e o reinício de ataques no troço Save-Muxúngue, depois do líder da Renamo ter declarado o fim dos mesmos no passado dia 8 de Maio.
Esta é a segunda detenção de um membro da Renamo relacionada com o mesmo tipo de acusação. Em Junho de 2013, Jerónimo Malagueta, Director de Departamento de Informação foi detido um dia depois de anunciar, em conferência de imprensa, que os homens armados da Renamo iriam alargar o seu perímetro de atuação com vista a proteger o Dhlakama que estava a ser cercado pelas FADM. Malagueta acabou preso por 8 meses, estando agora em liberdade condicional.
As reuniões do Conselho têm sido estatutariamente à porta fechada, ou seja sou participam dela os conselheiros, mas ontem estava também o porta-voz do PR, Edson Macuacua, e os ministros da Defesa e do Interior, António Mondlane e Agostinho Mondlane, respectivamente, causando alguma estupefação entre alguns conselheiros. A sessão acabou sendo irrelevante para o processo de pacificação em curso. Aliás, o caso Muchanga acabou consumido mais tempo. Quanto a tensão militar em curso, alguns conselheiros que falaram à comunicação social disseram que , na sessão, haviam transmito ao Presidente da República o mesmo que um recente comunicado da Comissão Política da Frelimo fizera: encorajar Armando Guebuza a seguir a via do diálogo na solução da actual crise.
Também no final do encontro, o porta voz de Guebuza, Edson Macuacua, disse que a sessão tinha servido para “analisar a tensão política militar bem como a situação económica e social do país”. Disse também que os conselheiros “condenaram ao atos da Renamo de atacar civis e encorajaram o presidente da República a prosseguir com o diálogo” e que a sessão concluir que “estavam reunidas todas condições para a realização das eleições a 15 de Outubro.


(Marcelo Mosse, com Raul Senda)
Fonte: MediaFAX – 08.07.2014

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