Beira (Canalmoz) – Não pode passar de despercebido nem ser tratado de ânimo leve todo um conjunto de negócios feitos em nome do Estado, mas que ninguém garante que assim seja.
Desde de se verificou a “morte da Primeira República”, o Estado tem sido atacado ferozmente por uma tendência de abocanhamento individual, privado, longe de todo o entendimento do que seja Estado-Governo.
De uma maneira insidiosa e de difícil percepção, foram tomadas decisões que asseguraram o controlo efectivo dos poderes democráticos por uma equipa restrita de pessoas. Em nome duma alegada responsabilidade de permitir que o país não caísse na anarquia, a liderança dum partido, na impossibilidade de continuar com o que se chamava Partido-Estado, enveredou pelo estabelecimento dum regime presidencialista absoluto, em que o presidente se tornou em rei indiscutível. Os vassalos chamados ministros e os titulares dos cargos judiciais bem como a maioria parlamentar passaram a obedecer sem apelo nem agravo às orientações, ordens emanadas do palácio presidencial. Estando na sede do partido ou do Governo, a mesma pessoa possuía e possui prerrogativas de sobrepor-se ao enquadramento legislativo do país.
Este poder pertencente e exercido por uma pessoa trouxe casos atípicos de procedimentos na esfera governativa.
Todo o emaranhando de leis que foram sendo aprovadas ao longo da Segunda e da Terceira República acabou sendo dobrado, sempre que houvesse os clamados interesses superiores.
Não é por acaso que se registam fenómenos que contradizem a forma de estar dum regime que se diz democrático. Decisões que deveriam passar por prévia apreciação e concordância do parlamento são tomadas longe deste, e sem sequer se dar conhecimento da sua lógica e necessidade.
Se as preocupações de natureza política estão sendo acauteladas no diálogo que se verifica no Centro de Conferências “Joaquim Chissano”, existem outras questões de suma importância que convém olhar e tratar pois são causas de futuras desinteligências e conflitos no futuro.
Estamos falando do endividamento do Estado e da promiscuidade na arena económica e financeira. Todos têm o direito de perseguir uma vida material melhor, e isso está inscrito na CRM. Só que ninguém está autorizado a utilizar as suas posições no aparelho de Estado para fazer avançar as suas agendas económicas e financeiras privadas.
Quando a Assembleia da República se coloca em silêncio face a actos abertamente lesivos do OGE e das finanças públicas, estamos perante uma cumplicidade contranatura. Quando não se respeita os limites de autoridade e de decisão e se atropela as leis de “procurement” instituídas, estamos perante abuso do poder.
Quando ministros atropelam as leis e as suas prerrogativas, quando aceitam subverter e colaborar na realização de negócios ilícitos promovidos por altas figuras do Estado, estamos perante uma gangsterização do estado.
A apatia a que nos habituou a AR preocupa na medida em que favorece que se instale no aparelho de Estado todo um conjunto de práticas ilícitas e lesivas dos mais altos interesses dos cidadãos deste país.
Quando se fala de “boladas”, deveríamos falar de “boiadas”, como algum dia alguém disse.
A rapidez com que se estabelecem empresas públicas e a forma como estas empresas são geridas revela que existe uma firme vontade de delinquir e aproveitar-se lacunas e brechas nos sistemas de controlo e de fiscalização ao nível do Governo e do aparelho de Estado.
Atender e realizar tudo o que seja necessário para promover a causa da agenda nacional consensual, deveria estar no topo da lista daquilo que o Governo e parlamento fazem. Infelizmente, assistimos impávidos e serenos a “golpadas” de todo o tipo, que consomem fundos públicos para o enriquecimento ilícito dum grupo de “amigos”. Compram autocarros sem concurso público, e o parlamento cala-se. Criam a EMATUM e colocam o Estado na qualidade de garantia de créditos duvidosos, e o parlamento cala-se. Fazem gestão danosa de empresas como a LAM, e o parlamento cala-se. Edifícios com arquivos governamentais sofrem incêndios, e jamais se sabe das causas e dos responsáveis, mas temos o nosso parlamento calado. Estabelecem-se parcerias público-privadas de natureza e credibilidade duvidosa, mas o nosso parlamento não move uma palha.
É preciso dizer, em abono da verdade, que o parlamento não possui uma estrutura de apoio que ofereça subsídios técnicos de qualidade para fazer face a uma variedade de solicitações. A AR, embora já tenha a sua idade de existência, continua a sofrer de doenças próprias do parlamento dos tempos do partido único. Aquele partido que possui a maioria alinha a sua actuação naquele órgão segundo critérios típicos de obediência incondicional ao partido no poder. Contestar em público está longe dos deputados, porque sabem que isso lhes custaria decerto muito caro.
Mas é por causa desse acumular de actos de todo ilícitos, de compadrios que se assemelham a actos de “máfias”, que amanhã teremos mais uma causa de preocupação que desestabilizará o país.
A economia e as finanças públicas estão conspurcadas e cheiram a “esgoto”.
“Não se deve deixar para amanhã o que se pode fazer hoje”.
Construir Moçambique é muito mais do que afirmar e proclamar que somos e que temos Governo.
Não se pode deixar nem permitir que um Executivo em fim de mandato deixe todos endividados numa aventura que dá aos seus titulares vantagens e património invejável.
Ninguém tem medo de ser rico, só que isso seja feito e aconteça com trabalho e empenho…
Afinal governar não é, e jamais foi, governar-se.
(Noé Nhantumbo, Canalmoz)
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