Monday, 11 June 2012

A PGR que temos !...

Concluímos nesta edição a série de três artigos sobre a decisão da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos face a uma queixa apresentada contra o Estado moçambicano pela advogada de duas das dezenas de vítimas do tristemente célebre Processo de Nachingwea, perpetrado por cidadãos sobrevivos que por sinal têm ainda a prorrogativa de influenciar a nomeação e exoneração do chefe de uma PGR que se rege por uma hierarquia vertical que é suposto defender a legalidade e os cidadãos, mas que aceita desacreditar-se como instituição, como neste caso concretamente se pode concluir.
O Processo de Nachingwea envolve crimes múltiplos. Os seus autores são conhecidos, pois publicamente – vangloriando- se até alguns deles – reconheceram em tempo a prática dos actos narrados na queixa em referência. A presunção de inocência é, portanto, imaterial no presente caso. Estamos perante indivíduos que em determinado momento da história, por conveniência política, assumiram publicamente as suas acções.
Há até fotografias do “julgamento” político, extra-judicial, que levou ao crime perpetrado contra centenas de cidadãos moçambicanos.
O que se sabe não é fruto de imaginação. São factos.
Não se reconheceu a presunção de inocência às vítimas nem se quer julgar os que praticaram os crimes. Isto é Justiça?
No presente caso, ficou patente que a Procuradoria-Geral da República (PGR), instituição mandatada para zelar pela legalidade no nosso país, não cumpriu o seu dever. Ao defender os autores de graves violações da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, a PGR demitiu-se das suas funções; não defendeu a lei – defendeu antes quem a viola.
Poderá eventualmente a PGR alegar desconhecimento dos factos, mas ao assumir-se como advogada da parte acusada tinha por obrigação inteirar-se dos elementos da acusação. Não se deu se quer ao trabalho de indagar o paradeiro do estudante universitário José Eugénio Zitha. Não o fez, nem tentou.
Se não o fez por omissão, é incompetente. Se omitiu de forma deliberada, agiu com dolo.
É esta mesma PGR que temos a querer-nos fazer crer que defende a legalidade. Que confiança se pode ter num Estado que tem uma PGR assim?
Já não se levantam dúvidas quanto ao facto da PGR ter prestado falsos testemunhos junto de uma instância de Direito da União Africana. Fê-lo acima de toda a incompetência.
Esgrimiu argumentos para de forma concertada induzir em erro os venerandos Comissários dessa instância Africana quanto à questão do esgotamento dos mecanismos de Direito nacionais.
Concretamente a PGR, omitiu à Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos algo que era do seu conhecimento, enquanto órgão de tutela do Ministério Público, o qual, segundo um reputado magistrado moçambicano, tinha acesso vedado aos campos de reeducação, onde num deles foi internado o cidadão José Eugénio Zitha, uma das várias centenas de vítimas que desfilaram perante a caricatura de tribunal, montado numa base militar (Nachingweia) em território estrangeiro (Tanzania) e arrendada pelos titulares do poder executivo, ora autores dos crimes a que a queixa alude, e que para lá encaminhou as suas vitimas, numa clara demonstração de que a separação dos poderes executivo e judicial, de que a PGR fez alarde, não passa de uma ficção, de uma fantasia e de uma mentira crassa.
É, pois, a PGR culpada de perjúrio. Coisa grave! Muito grave, admita-se.
É esta a PGR que temos! Uma PGR que nunca se prestou a investigar o paradeiro de outras vítimas, igualmente desaparecidas, pese embora o facto de ter recebido petições devidamente assinadas e autenticadas – e confirmado a recepção das mesmas.
Não só não investigou, como também ignorou os apelos dos peticionários. Por outras palavras, agiu precisamente como a parte acusada. Agiu como o fez quem ela pretendeu defender perante a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. Defendeu indivíduos que em representação do Estado moçambicano praticaram excessos que levaram à morte outros cidadãos moçambicanos. Defendeu quem se poderia presumir criminoso se não se soubesse que em determinado momento assumiu publicamente as suas façanhas.
A PGR prestou-se perante a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos a defender o indefensável, mentindo.
A PGR não só ignorou que era sua obrigação ter agido levando a tribunal em tempo oportuno quem estava a ser acusado e acabou desaparecido – o que pressupõe assassinato – as vítimas de Nachingweia – como era sua obrigação ter tentado apurar junto dos mandatários das vítimas ou seus familiares, o que lhe foi levado ao conhecimento. Preferiu fazer de conta.
Ignorou apelos e missivas entregues pessoalmente por familiares das vítimas. Ignorou diligências feitas ao mais alto nível por entidades ligadas à promoção e protecção dos direitos humanos, como foi o caso de um diplomata holandês, de um Relator Especial das Nações Unidas, da Amnistia Internacional, entre outros.
Um Estado que nutre desprezo pelas vítimas da barbárie, uma PGR que defende a barbárie, que se deixa enredar assumindo comportamento promiscuo, é um descrédito para o País. Moçambique merece e deve lutar para ter uma PGR que não se preste a estas coisas.
Mas é ainda esta a PGR que temos!
Que legalidade se pode esperar de uma PGR que integra gente que é capaz de agir como a PGR agiu junto da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos?
Que Estado de Direito se está a consolidar com este tipo de gente que não só não faz o que deve, quiçá por cobardia, como se presta a defender o indefensável?

Editorial do Canal de Moçambique – 06.06.2012, citado no Moçambique para todos

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