A chefe da diplomacia sueca no nosso país não percebe como é que um país que recebe ajuda externa suporta uma classe governante que vive faustosamente e anda em carros luxuosos. Por outro lado, Ulla Andrém diz que a corrupção em Moçambique é um problema muito grave e está espalhada em toda a sociedade.
Ulla Andrém, embaixadora da Suécia, país que faz parte do grupo dos doadores do Orçamento do Estado, vulgo G-19, concedeu, ontem, nos seus escritórios, em Maputo, uma entrevista exclusiva ao nosso jornal para falar de vários assuntos ligados ao desenvolvimento e promoção da boa governação no nosso país. Curiosamente, a entrevista foi no mesmo dia em que o G-19 esteve reunido com o governo no habitual “diálogo político”, onde as duas partes avaliam o cumprimento dos compromissos assumidos pelo governo com os seus parceiros de apoio programático. Este ano, só a Suécia desembolsou 795 milhões de coroas suecas, o que corresponde, em meticais, a mais de três biliões meticais. Em seguida, as partes mais significativas da entrevista.
Sra. Embaixadora, qual é a avaliação que faz das relações entre Moçambique e suécia?
Penso que as relações com Moçambique são muito boas, porque temos uma parceria muito longa. Antes da independência, a Suécia esteve a apoiar a Frelimo, a partir de 1964, e depois da independência continuámos a dar o apoio a Moçambique. Temos uma relação muito próxima e apartidária, e estamos muito convencidos de que queremos continuar a apoiar o desenvolvimento de Moçambique.
Quais as principais áreas de intervenção da suécia em Moçambique?
A principal área de apoio é o Orçamento Geral do Estado. Estamos, também, a trabalhar na área de boa governação; área de pesquisa, através do Ministério da Ciência e Tecnologia e UEM; e também na área de agricultura. Temos prestado apoio à província do Niassa há mais de 10 anos.
Qual é o vosso interesse em apoiar o Orçamento do Estado de Moçambique?
O nosso interesse é ver o país a sair da pobreza. Realmente, a população pobre tem que sair desta situação, no campo e também nas zonas urbanas. As áreas de educação e saúde merecem maior atenção.
Este dinheiro que vem a Moçambique é em forma de empréstimo?
Do nosso lado não se trata de um empréstimo, mas sim donativo.
Há muitos países no mundo que recebem apoio directo da suécia?
Temos muitos parceiros de cooperação, mas, no âmbito do Orçamento do Estado, há poucos países. O nosso governo, neste momento, preocupa-se com este apoio, pois nem sempre dá os benefícios previstos. Então, neste momento, há poucos países a receber o nosso apoio.
Em relação a Moçambique, estão satisfeitos com a forma como o vosso dinheiro é gasto pelo Governo?
De uma forma geral estamos, mas há sempre situações que acontecem e que não nos deixam satisfeitos. É necessário que haja muitas reformas dentro da governação, para permitir melhor gestão dos fundos desembolsados pelos países de cooperação. Moçambique é um país em desenvolvimento, todos os países precisam de reformas. No que diz respeito ao Orçamento do Estado, precisa-se de uma melhor gestão de fundos, principalmente a nível dos distritos. Sabemos, também, que mesmo a nível central existem também problemas.
No ano passado, os parceiros do G-19, incluindo a Suécia, demoraram desembolsar os fundos de apoio ao Orçamento do Estado. Por que razão?
Eu não estava cá nesse tempo, é muito difícil para mim dizer alguma coisa sobre esta situação, mas penso que é muito normal, porque há pessoas nos nossos países, incluindo os pobres, que estão a pagar impostos para que possa haver dinheiro para vir cá. Então, eu, como representante de Suécia em Moçambique, tenho a obrigação de ver se, de facto, esses fundos que estamos a desembolsar para o Orçamento do Estado estão a ser devidamente utilizados, porque são suecos, incluindo pobres, que estão a pagar impostos, e temos que fazer com que estes fundos sejam bem geridos.
Há relatórios que defendem que a ajuda directa ao Orçamento do Estado não está a ajudar países como Moçambique a resolverem problemas de pobreza. Dizem que este dinheiro só serve para alimentar uma pequena elite local e fortificar o partido Frelimo, em detrimento das restantes forças políticas... qual é a sua opinião sobre isso?
Ninguém pode ter a certeza absoluta sobre este assunto. Nós acreditamos que o nosso apoio vai chegar à população. Se não estivermos convencidos, não vamos dar este apoio. Tem que haver confiança entre o país doador e quem vai receber o apoio. É por isso que temos o diálogo com o Governo. A sociedade civil desempenha um papel importante, porque, como estrangeiro, é-me difícil ver o que se passa por dentro, daí o papel importante também de influenciar tanto o Governo assim como os doadores.
Os doadores sempre se queixam da corrupção em Moçambique. Está satisfeita com a forma como o Governo tem atacado o problema da corrupção?
Penso que ninguém pode ficar satisfeito com a corrupção, porque se trata de uma coisa muito má, e é realmente um grande constrangimento para o desenvolvimento. Entretanto, não é fácil, mas temos muita confiança de que o Governo está empenhado no combate à corrupção, e é necessário um esforço ainda maior. Neste momento, a corrupção está espalhada em toda a sociedade. Sei que é um problema complicado, é necessário melhorar os salários dos funcionários do Estado, de modo a fazer-se um combate efectivo a este mal. É necessária uma boa capacidade de investigação criminal, etc. Não é uma coisa que se vai mudar de um dia para o outro, é um processo, tem que haver um esforço muito grande para este processo estar num caminho correcto.
Acha que a corrupção é um problema muito grave em Moçambique?
A corrupção é um problema muito grande e é visível, as pessoas têm que pagar muitas coca-colas para poderem lograr os seus objectivos, há muitas exigências deste género para as pessoas comuns. Mas o que é ainda mais preocupante é a falta de transparência em alguns lados com relação aos grandes investimentos, contratos, especialmente agora que há recursos naturais em descoberta. Precisa-se de muita transparência para que as pessoas possam ter confiança no governo e na sua governação.
Está a dizer que o governo não tem sido transparente na questão da indústria extractiva?
Penso que os esforços estão a ser feitos, mas é necessário que se faça mais esforço neste sentido. No decurso da Conferência Internacional dos países nórdicos com o governo de Moçambique, há pouco tempo, muitos assuntos foram debatidos, mas é claro que são os moçambicanos que devem ficar à frente deste processo de transparência, não devem ser os países com os quais Moçambique coopera. Eu penso que é de facto um assunto muito importante, porque queremos ver um crescimento inclusivo. Quando os recursos não são explorados de uma forma adequada, também é um problema para o Governo.
Pensa que, neste momento, não tem havido inclusão na distribuição da riqueza em Moçambique?
Nós queremos ver um crescimento mais inclusivo neste país. Eu, particularmente, fico muito preocupada quando vejo pessoas muito pobres. Não estou a dizer que não gosto dos ricos. Penso que tem que haver inclusão no crescimento no país. Penso que o tipo de investimento que está a ser feito neste momento (indústria extractiva) não está a ter muito impacto a nível da qualidade de vida das pessoas a nível local. Tem que haver uma ligação entre os grandes investimentos e o crescimento a nível local. Tem que haver muito mais empresas moçambicanas na indústria extractiva. Há muita coisa que deve ser feita a nível da economia local, na agricultura... e por aí fora.
Partilha da ideia de que o governo moçambicano é corrupto ou é constituído por pessoas corruptas?
Não posso dizer que o governo é corrupto, não quero dizer isso. Estou convencida que o governo moçambicano está a fazer esforço para ultrapassar este problema. Não é fácil, precisa de ser combatida em todos os lados.
Mas considera que não tem havido coragem suficiente para se combater a grande corrupção?
Não sei se há falta de coragem, eu penso que, de facto, existe um problema, porque Moçambique saiu do monopartidarismo para a democracia multipartidária, e também temos esta ligação muito próxima entre o governo e o sector privado, porque houve transformação de empresas estatais em capital privado. É um círculo um pouco mais fechado.
Considera que há uma promiscuidade entre a política e os negócios?
Não quero dizer que haja uma promiscuidade, mas há uma ligação muito forte. Penso que o ideal era ter estes diferentes interesses bem claros.
O parlamento aprovou, agora, a lei de probidade pública, mas os deputados vão continuar a gerir empresas públicas controladas pelo governo. Acha isto normal?
Nós, na suécia, temos limites bem claros entre estes interesses. É importante ter empresários que se envolvam na política, mas não podem misturar os seus interesses empresariais com os interesses do Estado. Não é correcto um deputado ser gestor de uma empresa pública.
Como se sente quando chega a Moçambique e vê um país que recebe dinheiro de doadores, incluindo da suécia, com uma classe política em carros de luxo e a viver em grandes mansões? Os políticos do seu país vivem também de forma muito faustosa à custa dos contribuintes?
O povo sueco não permite isso. No nosso país, todos os políticos têm que declarar os seus bens todos os anos. Por exemplo, eu, como embaixadora, não posso viajar em classe executiva. Temos muitas restrições nesse sentido. Eu, particularmente, não gosto do que acontece em Moçambique. Tenho muitos sentimentos morais. Houve, recentemente, a cimeira do clima no Rio do Janeiro, no Brasil, e a delegação moçambicana estava num dos hotéis mais caros do Rio de Janeiro! Moçambique, sendo um dos países mais pobres do mundo, não creio que isso seja muito bom para a imagem do país.
Como avalia o ambiente político em Moçambique, numa altura em que se fala de um possível retorno ao monopartidarismo, dada a força da Frelimo?
O partido Frelimo tem um papel histórico, ainda não há um sistema onde haja mesmas possibilidades para todos os partidos políticos. Penso que, pouco a pouco, vai haver um crescimento de democracia, mas a democracia não são só partidos políticos. É necessário que haja uma interacção com a sociedade civil, que deve ser activa também. Tem que haver alternância na governação, é necessário que haja partidos políticos fortes, não somente um partido, porque, com um e único partido, não temos democracia.
Numa situação como a de Moçambique, em que nunca houve alternância... é correcto dizer que a democracia está em perigo?
Penso que é muito normal, nesta altura, que o partido Frelimo tenha muita força, porque só foi a partir de 1994 que começou o multipartidarismo em Moçambique. é muito pouco tempo. Na Suécia, o partido social-democrata esteve no poder por muito tempo. Viu-se que não estava a funcionar muito bem, e temos tido esta alternância.
Acredita que a democracia em Moçambique está no caminho certo?
Estou animada com o desenvolvimento da democracia em Moçambique. Claro que os partidos mais pequenos estão a lutar pelo seu espaço, mas penso que é muito importante o facto de o MDM ter vencido nas eleições intercalares que decorreram em Quelimane. Isso mostra que é possível ter uma alternância. O município da Beira está nas mãos do MDM.
A Suécia apoia directamente os municípios de Quelimane e da Beira?
Nós apoiamos Moçambique no seu todo. Não estamos a apoiar partidos políticos, mas sim Moçambique. Os municípios da Beira e Quelimane fazem parte do Estado. Não apoiamos directamente. Mas nós estamos, também, a apoiar a sociedade civil, que é também uma força bastante importante.
Fala do apoio à sociedade civil(...). Há sectores de opinião que acham que a sociedade civil moçambicana é uma farsa, que não passa de instrumento do partido Frelimo. Qual é a sua visão sobre isso?
Eu não tenho este conhecimento. Talvez haja uma verdade nisso, mas, na minha óptica, penso que a sociedade civil também é um produto da sociedade. É preciso ver que a democracia é uma coisa nova em Moçambique e há muito caminho por percorrer.
A Frelimo vai a Congresso em Setembro. Qual é a sua expectativa sobre esta magna reunião do partido no poder em Moçambique?
Vamos ver o que vai acontecer no Congresso. É muito importante, porque se trata de um partido no poder e com influência neste país. Mas, como disse, nós não apoiamos partidos políticos, incluindo a Frelimo. Temos uma relação apartidária e, para nós, os partidos não têm muita importância.
José Belmiro, O Pais. Leia aqui.