Sei que o Governo, mais do que ver uma simples greve de uma classe profissional insatisfeita, está a ver, em todo o lado, fantasmas de “agitadores profissionais”, como se esses agitadores não fossem importantes para a construção de um Estado com instituições inclusivas. Nós precisamos desses agitadores para pressionar o Governo, que elegemos, a fazer o que nós (povo) queremos, não o que eles (a elite) querem ...
Passa, hoje, uma semana que os médicos nacionais decidiram desencadear uma greve a nível nacional, visando solucionar os seus problemas, particularmente o aumento salarial. Quando a greve começou, ninguém imaginava que levasse o tempo que levou. Houve vários comentários do tipo “os médicos vão renunciar à greve” ou que “estão desorganizado” e “mal preparados para esta greve”. A verdade é que eles mostraram que são mais cidadãos do que indivíduos. Conhecem perfeitamente os seus direitos constitucionalmente estabelecidos. Hoje, oito dias depois, os médicos continuam sem vacilar.
Esta greve teve uma particularidade: o envolvimento de muitos contra-informadores, desde os jornalistas, passando pelos juristas, sociólogos, entre outras classes que comentavam às escuras este evento. Foi interessante a forma como o Governo mobilizou a máquina de contra-informação para minimizar o efeito da greve e criar uma pressão psicológica aos grevistas no sentido de não só se desintegrarem como também para os desmotivar. Recorreu, na verdade, à estratégia militar de “guerra psicológica” para dar a entender que era um problema criado por uma minoria insignificante. No entanto, no meio dessa estratégia, havia falhas de comunicação porque, enquanto o Governo, através do Ministério da Saúde, dava entender que não havia problemas, alguns dirigentes dos hospitais contradiziam, explicitamente, o Governo, informando que “a greve sobrecarregava os poucos médicos em serviço”, além de que, para minimizar o problema, “tivemos apoio dos médicos dos hospitais militares”.
No última sábado, a Agência Lusa citou o porta-voz do Ministério da Saúde, Martinho Dgedge, a dizer, em tom de desespero, que: “Com algum sacrifício do pessoal que não aderiu à greve, as unidades sanitárias estão a trabalhar. Por isso que apelamos aos médicos para que voltem ao serviço”, porque o Ministério da Saúde está “a trabalhar no sentido de resolver o problema” e que “está preocupado” com a situação nos hospitais. Mais: caso os médicos não levantem a greve, “não sabemos o que vai acontecer no futuro”, disse o porta-voz do Ministério da Saúde de Moçambique.
Os meios de comunicação social apontam para números inferiores de médicos grevistas como se a greve só se manifestasse pela ausência das pessoas em serviço. A greve também pode ser manifestada pela baixa de produção ou maiores ineficiência e ineficácia. Por exemplo, os médicos das províncias de Maputo foram obrigados, pelos Serviço de Informação e Segurança do Estado, administradores e secretários permanentes a irem trabalhar. No entanto, como resultado dessa obrigação, eles foram ficar nas salas de hospitais, deixando o processo apenas com os enfermeiros. A maioria não atendeu ninguém, os poucos que atenderam fizeram-no apenas para o “inglês ver”.
Outros órgãos de informação, com destaque para a Agência de Informação de Moçambique, deu entender que “O Governo está a procurar soluções para os problemas de todo o sector público”, não apenas para os médicos, como forma de minimizar a greve dos médicos.
Tive acesso a um e-mail que ilustra o papel desinformante que é desempenhado pelos órgãos de informação públicos que, por sinal, vivem de nossas contribuições. No referido e-mail, da autoria do director de uma agência de informação moçambicana, encaminhado para o director do Gabinete de Informação e para a assessoria de imprensa do primeiro-ministro, escreve-se: “Dear Assessora Celina, Aqui está a notícia que fiz ontem (6 de Janeiro de 2013) e que com ela pretendia dissipar alguns equivos e acima de tudo deixar muito claro que o Governo nao está indiferente e que está a fazer tudo para resolver o problema. Esta é a versão inglesa que envio juntamente com a portguesa. Sds e bom trabalho.” (sic.)
No mesmo e-mail, comunica-se ainda que: “Caro Senhor Director Mavota, esta é a versão inglesa da minha notícia s/ os medicos” (sic.).
Haverá dúvida de que há desinformação? Que consequência para um país com médicos desmotivados? É isto que nós queremos?
O que nós queremos são médicos motivados que atendam as pessoas com níveis de moral altos. Um médicos desmotivado é um perigo para o cidadão.
Nenhum cidadão beneficia deste braço-de-ferro, senão mesmo os membros do Governo e a minoria rica, incluindo os agentes da desinformação que, em caso de doença, recorrem a clínicas, quer nacionais como estrangeiras.
O que não percebi até aqui é por que o Governo mobilizou tanta contra informação? Terá sido porque pensa que pode haver “agitadores profissionais” por detrás desta greve? É que, nos últimos tempos, sempre que há uma sublevação em Moçambique, o Governo recorre à teoria de conspiração para explicar o fenómeno, nunca em insatisfação popular ou de determinadas classes sociais ou profissionais, problemas que o próprio executivo nunca se preocupou em resolver. O que leva à eclosão de greves e manifestações populares não são “agitadores profissionais” como o Presidente da República tenta, enganosamente, explicar. O que cria esses fenómenos é a insatisfação popular, sobretudo em ver discrepâncias entre a minoria rica e a maioria pobre, além de ver os seus problemas sem soluções à vista. Igualmente, criam estas insatisfações as diferenças salariais entre funcionários do Estado com as mesmas categorias e níveis académicos, até de anos de serviços.
O argumento de que determinada classe profissional ou sector é mais produtiva (metem mais dinheiro) ao Estado do que a outra, por isso, mereça melhor salário, não me parece uma justificação convincente, nem argumento lógico. Os magistrados têm melhores salários neste país, mas não são tão produtivos à semelhança dos médicos. Para mim, a produtividade do sector não pode ser usado como critério, porque, para esses sectores serem produtivos, precisam de outros sectores como o de saúde, assim como o da educação, segurança, etc. O que quero defender é que a produção e a produtividade não podem ser critérios, justamente porque há sectores que não metem dinheiro no Estado, mas garantem a estabilidade do sistema social e político. Os médicos, a Polícia, os militares, os enfermeiros, os tribunais, entre outros sectores são tão importantes quanto as autoridades bancárias e tributárias. Sem os médicos, sem a polícia sem os militares e sem os tribunais, sem os professores, as autoridades tributárias, bancárias, entre outras, que são bem compensadas, não podem funcionar devidamente. Essas autoridades precisam de outros sectores para funcionarem.
Pareceu-me que o Governo se esquece de que o Estado é um sistema, daí o seu funcionamento pleno depender do funcionamento pleno de todo ele, não de apenas um ou poucos sectores. O que o Estado deve fazer é moralizar todos os sectores para o bom funcionamento de um todo, não os discriminar em função do contributo financeiro do sector para o Estado.
Até uma boa análise pode concluir que o trabalho dos médicos têm evitado o agravamento e eclosão de doenças que representariam um custo insuportável para o Estado. Quer dizer, os médicos, sem meter dinheiro nos cofres do Estado, evitam que o Estado gaste muito dinheiro com doenças que poderiam representar custos elevados para o Estado, até perdas humanas, o maior tesouro que um Estado normal pode ter.
Sei que o Governo, mais do que ver uma simples greve de uma classe profissional insatisfeita, está a ver, em todo o lado, fantasmas de “agitadores profissionais”, como se esses agitadores não fossem importantes para a construção de um Estado com instituições inclusivas. Nós precisamos desses agitadores para pressionar o Governo, que elegemos, a fazer o que nós (povo) queremos, não o que eles (a elite) querem.
Os “agitadores profissionais” foram importantes para despertar o Governo da necessidade de renegociar os contratos com os mega-projectos. Hoje, o Governo vai avançar com um programa de renegociação dos benefícios fiscais concedidos às maiores empresas multinacionais.
“O que pretendemos fazer é, de forma delicada, sentarmo-nos com algumas empresas e renegociarmos algumas cláusulas que achamos que não estão bem neste momento. O trabalho de apuramento já terminou. Já sabemos o que é que devemos apresentar na mesa para renegociar e com quem devemos iniciar a renegociação”, afirmou, recentemente, o ministro das Finanças, Manuel Chang, aos meios de comunicação social.
Esta foi uma vitória, não dos “agitadores profissionais”, mas do povo moçambicano que via a sua riqueza a ser extraída sem que o país beneficiasse dela.
Jeffrey Sachs, conselheiro especial do secretário-geral da ONU para o Desenvolvimento, um dos “agitadores profissionais” à semelhança do IESE (Instituto dos Estudos Económico e Sociais), sugeriu que “os interesses de Governo e das empresas, em relação ao regime fiscal, sejam adequados, para garantir os lucros às empresas e também para que Moçambique tire vantagens dos seus recursos e os distribua pelo povo”.
Foram esses “agitadores profissionais” que levaram o Governo a elaborar uma lei que permitirá a renegociação das cláusulas de contratos com mega-projectos por acordo mútuo, aprovado pelo Parlamento no ano passado. Trata-se da Lei Complementar sobre Parcerias Público-Privada, Projectos de Grandes Dimensões e Concessões Empresariais.
Lázaro Mabunda, O País
Lázaro Mabunda, O País
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