A pessoa que assina Tadeu Phiri voltou ao Domingo para responder à minha crónica no Savana. Mais uma vez tomei conhecimento disso com atraso. Acho que vou ter que voltar a ler regularmente o Domingo.
E o curioso é que, enquanto no seu primeiro texto me acusava, no essencial, de ter mudado, agora acusa-me, no essencial, de não ter mudado.
Agora acha mal que eu continue comunista, leninista para ser mais exacto, quando tudo o mais no mundo mudou.
E mais uma vez me tenta colocar na posição de alguém que está isolado numa posição contrária a tudo aquilo que é normal e bom.
De forma que, para acabar com toda esta confusão, intencional ou não, o melhor é mesmo esclarecer as coisas.
Para isso vamos lá andar um bocado para trás na História. E fiquemo-nos por Moçambique, dado que é mais fácil e, nesse aspecto, o que se passou em Moçambique não foi essencialmente diferente do que se passou em muitas outras partes do mundo.
Pois chegámos à independência e o poder político foi entregue à Frelimo, na sua qualidade de vencedor da guerra de libertação.
E a Frelimo tinha evoluído, desde a última fase da vida de Eduardo Mondlane, para uma posição socialista, do tipo marxista-leninista.
Foi portanto natural que ao proclamar a independência tenha dado ao país o nome de República Popular de Moçambique. E que a Constituição aprovada tenha sido de tipo socialista. E que todas as orientações fossem igualmente nesse sentido.
Ora a independência já não me apanhou criança. Já estava mais perto dos 30 que dos 20 e já tinha uma formação política de alguma solidez. E, claramente, de esquerda.
Portanto não foi dificil identificar-me com o novo regime que nascia e cuja cara mais visível era o Presidente Samora Machel. E onde pontificavam outros tantos socialistas como Joaquim Chissano, Armando Guebuza, Chipande e todos os outros dirigentes vindos da guerrilha ou que se juntaram à Frelimo já depois da independência.
Com muito poucas excepções todos líamos pela mesma cartilha. E, dessas excepções, só recordo um sector que se manifestava abertamente, a hierarquia católica.
E com poucas mudanças assim ficámos até à morte de Samora Machel. Entre as poucas mudanças contou-se a privatização de pequenas empresas quando se percebeu que o Estado não tinha capacidade para gerir uma infinidade de pequenas lojas, oficinas e coisas similares.
E isto já no início da década de 80. Eu próprio, nessa altura Director Adjunto do Instituto Nacional do Livro e do Disco, tomei a inciativa, que foi superiormente aprovada, de privatizar algumas das muitas pequenas empresas que o INLD tentava gerir com grande dificuldade.
O que, de resto, não agradou a um assessor cubano que apoiava a direcção…
Mas, no essencial, a política mantinha-se a mesma, virada no sentido de um maior equilíbrio social, diminuindo a diferença entre ricos e pobres. Fazendo subir os pobres, por vezes à custa de fazer descer os ricos. Era a fase da aliança operario-camponesa. Da criação do Homem Novo.
Cometeram-se erros? Sem dúvida. Estou hoje convencido que o monopartidarismo foi um erro. Mas era de regra nos países do chamado “socialismo real” e isso foi, naturalmente, copiado.
Cometeram-se crimes? Infelizmente também disso não há dúvida.
Mas o objectivo final era, pensava eu na altura e continuo a pensar ainda hoje, correcto.
É claro que isso não agradava ao chamado Ocidente. Moçambique estava alinhado com os países do bloco socialista e também com a China e a Coreia, comunistas fora do bloco. E, no mundo dividido da altura, funcionava bastante o “quem não é por mim é contra mim”.
Com uma política externa inteligente, Moçambique foi-se abrindo ao Ocidente sem abandonar as suas alianças tradicionais com o Leste.
E é através dessa abertura que começam as pressões externas do Ocidente sobre o nosso país. Não nasceram hoje com o G19. Começaram ainda Samora era vivo.
Pressões que eram acompanhadas por uma simpatia, quando não mesmo apoio declarado, à Renamo e ao seu combate desestabilizador. Foi a fase do pau (Renamo, Rodésia e África do Sul) e da cenoura (pequenos apoios económicos ao país).
Com a morte de Samora, e grande parte da sua equipa dirigente, as pressões dos dois tipos foram aumentadas até o país ser obrigado a fazer o flic-flac a favor do capitalismo.
Um capitalismo, é óbvio, quase sem capita¬listas, porque a política da Frelimo era “matar o crocodilo (capitalista) enquanto era pequeno” ou mesmo “no ovo”.
Como em, 20 anos, se formou a classe capitalista moçambicana é aquilo a que continuamos a assistir todos os dias. Praticamente sem regras, com quase total tolerância para todo o tipo de desbragamentos.
E o mais chocante é que os actuais grandes crocodilos saíram, na sua grande maioria, de ovos chocados na Pereira do Lago.
Perante a obrigatoriedade de passarmos ao capitalismo, decretada pela comunidade inter¬nacional, em vez de os nossos antigos socialistas/comunistas usarem o poder de que continuaram a gozar para moderarem e moralizarem esse processo, assistimos, pelo contrário, à entrada alegre e desenfreada de muitas dessas pessoas na luta pela fortuna à custa do vale tudo.
E com cobertura do seu antigo partido e das estruturas do Estado, que ele controla.
De partido socialista marxista-leninista a Frelimo transformou-se, num estalar de dedos, através de um milagre de Sto. Cifrão em partido capitalista convicto e entusiasta.
E quem não quis aderir ao regabofe afastou-se e permanece calado na sombra.
É portanto aqui que estamos neste momento. Um partido no Poder que usa o mesmo nome do de Samora para defender políticas opostas às de Samora. Onde Samora aconselhava que se matasse o crocodilo ainda pequeno, agora defende-se que não nos devemos envergonhar de ser ricos. E, mais do que isso, deixa-se no esquecimento a forma como muitos deles se tornaram ricos.
E é de tudo isto que eu não gosto. Daí deriva aquilo a que ele chama o meu “divórcio” com a Frelimo. Pelo menos com esta Frelimo que hoje nos governa.
Se sou o padrão da honestidade samoriana? Não, não sou. Não sou padrão de coisa nenhuma. Mas é uma memória que muito respeito.
Dito isto, para esclarecimento do Tadeu Phiri, continuo a lamentar que a polémica se desenrole com ele a saber bem quem eu sou e com acesso a arquivos e à “memória do pai”, enquanto eu não faço ideia de quem ele é.
Ou mesmo se existe, de facto, alguém com esse nome…
(Machado da Graça, SAVANA, 05/02/10)
E o curioso é que, enquanto no seu primeiro texto me acusava, no essencial, de ter mudado, agora acusa-me, no essencial, de não ter mudado.
Agora acha mal que eu continue comunista, leninista para ser mais exacto, quando tudo o mais no mundo mudou.
E mais uma vez me tenta colocar na posição de alguém que está isolado numa posição contrária a tudo aquilo que é normal e bom.
De forma que, para acabar com toda esta confusão, intencional ou não, o melhor é mesmo esclarecer as coisas.
Para isso vamos lá andar um bocado para trás na História. E fiquemo-nos por Moçambique, dado que é mais fácil e, nesse aspecto, o que se passou em Moçambique não foi essencialmente diferente do que se passou em muitas outras partes do mundo.
Pois chegámos à independência e o poder político foi entregue à Frelimo, na sua qualidade de vencedor da guerra de libertação.
E a Frelimo tinha evoluído, desde a última fase da vida de Eduardo Mondlane, para uma posição socialista, do tipo marxista-leninista.
Foi portanto natural que ao proclamar a independência tenha dado ao país o nome de República Popular de Moçambique. E que a Constituição aprovada tenha sido de tipo socialista. E que todas as orientações fossem igualmente nesse sentido.
Ora a independência já não me apanhou criança. Já estava mais perto dos 30 que dos 20 e já tinha uma formação política de alguma solidez. E, claramente, de esquerda.
Portanto não foi dificil identificar-me com o novo regime que nascia e cuja cara mais visível era o Presidente Samora Machel. E onde pontificavam outros tantos socialistas como Joaquim Chissano, Armando Guebuza, Chipande e todos os outros dirigentes vindos da guerrilha ou que se juntaram à Frelimo já depois da independência.
Com muito poucas excepções todos líamos pela mesma cartilha. E, dessas excepções, só recordo um sector que se manifestava abertamente, a hierarquia católica.
E com poucas mudanças assim ficámos até à morte de Samora Machel. Entre as poucas mudanças contou-se a privatização de pequenas empresas quando se percebeu que o Estado não tinha capacidade para gerir uma infinidade de pequenas lojas, oficinas e coisas similares.
E isto já no início da década de 80. Eu próprio, nessa altura Director Adjunto do Instituto Nacional do Livro e do Disco, tomei a inciativa, que foi superiormente aprovada, de privatizar algumas das muitas pequenas empresas que o INLD tentava gerir com grande dificuldade.
O que, de resto, não agradou a um assessor cubano que apoiava a direcção…
Mas, no essencial, a política mantinha-se a mesma, virada no sentido de um maior equilíbrio social, diminuindo a diferença entre ricos e pobres. Fazendo subir os pobres, por vezes à custa de fazer descer os ricos. Era a fase da aliança operario-camponesa. Da criação do Homem Novo.
Cometeram-se erros? Sem dúvida. Estou hoje convencido que o monopartidarismo foi um erro. Mas era de regra nos países do chamado “socialismo real” e isso foi, naturalmente, copiado.
Cometeram-se crimes? Infelizmente também disso não há dúvida.
Mas o objectivo final era, pensava eu na altura e continuo a pensar ainda hoje, correcto.
É claro que isso não agradava ao chamado Ocidente. Moçambique estava alinhado com os países do bloco socialista e também com a China e a Coreia, comunistas fora do bloco. E, no mundo dividido da altura, funcionava bastante o “quem não é por mim é contra mim”.
Com uma política externa inteligente, Moçambique foi-se abrindo ao Ocidente sem abandonar as suas alianças tradicionais com o Leste.
E é através dessa abertura que começam as pressões externas do Ocidente sobre o nosso país. Não nasceram hoje com o G19. Começaram ainda Samora era vivo.
Pressões que eram acompanhadas por uma simpatia, quando não mesmo apoio declarado, à Renamo e ao seu combate desestabilizador. Foi a fase do pau (Renamo, Rodésia e África do Sul) e da cenoura (pequenos apoios económicos ao país).
Com a morte de Samora, e grande parte da sua equipa dirigente, as pressões dos dois tipos foram aumentadas até o país ser obrigado a fazer o flic-flac a favor do capitalismo.
Um capitalismo, é óbvio, quase sem capita¬listas, porque a política da Frelimo era “matar o crocodilo (capitalista) enquanto era pequeno” ou mesmo “no ovo”.
Como em, 20 anos, se formou a classe capitalista moçambicana é aquilo a que continuamos a assistir todos os dias. Praticamente sem regras, com quase total tolerância para todo o tipo de desbragamentos.
E o mais chocante é que os actuais grandes crocodilos saíram, na sua grande maioria, de ovos chocados na Pereira do Lago.
Perante a obrigatoriedade de passarmos ao capitalismo, decretada pela comunidade inter¬nacional, em vez de os nossos antigos socialistas/comunistas usarem o poder de que continuaram a gozar para moderarem e moralizarem esse processo, assistimos, pelo contrário, à entrada alegre e desenfreada de muitas dessas pessoas na luta pela fortuna à custa do vale tudo.
E com cobertura do seu antigo partido e das estruturas do Estado, que ele controla.
De partido socialista marxista-leninista a Frelimo transformou-se, num estalar de dedos, através de um milagre de Sto. Cifrão em partido capitalista convicto e entusiasta.
E quem não quis aderir ao regabofe afastou-se e permanece calado na sombra.
É portanto aqui que estamos neste momento. Um partido no Poder que usa o mesmo nome do de Samora para defender políticas opostas às de Samora. Onde Samora aconselhava que se matasse o crocodilo ainda pequeno, agora defende-se que não nos devemos envergonhar de ser ricos. E, mais do que isso, deixa-se no esquecimento a forma como muitos deles se tornaram ricos.
E é de tudo isto que eu não gosto. Daí deriva aquilo a que ele chama o meu “divórcio” com a Frelimo. Pelo menos com esta Frelimo que hoje nos governa.
Se sou o padrão da honestidade samoriana? Não, não sou. Não sou padrão de coisa nenhuma. Mas é uma memória que muito respeito.
Dito isto, para esclarecimento do Tadeu Phiri, continuo a lamentar que a polémica se desenrole com ele a saber bem quem eu sou e com acesso a arquivos e à “memória do pai”, enquanto eu não faço ideia de quem ele é.
Ou mesmo se existe, de facto, alguém com esse nome…
(Machado da Graça, SAVANA, 05/02/10)
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