Maputo (Canalmoz) - No tempo de borrasca que se tem feito sentir nos últimos dias, em que, na capital, muitos dos citadinos navegam para ir ao trabalho ou regressar ao lar alagado, ou fazem gincana nas artérias esburacadas da cidade com os seus pequenos botes e “fô bai fô” (4x4), os cidadãos deste país não deixarão de reflectir sobre as circunstâncias em que se celebra o Dia dos Heróis – 3 de Fevereiro, ontem assinalado.
O feriado que ontem se assinalou foi sempre visto como uma data exclusiva de um clube elitista, do género do “Menina não Entra”, da célebre banda desenhada do «Bolinha» dos anos 50 e 60, e que, por não pretender dar ares de machista, não franqueava a entrada aos “reaccionários” e aos “inimigos do povo”. No clube só entram os “melhores filhos do povo” e mesmos estes passam pelo crivo da “classe dirigente” para assim se determinar quem tem direito a cacifo próprio no interior da cripta estrelada. Com o passar dos anos, o herói e a heroicidade tornaram-se obsessões patológicas, não faltando até debates e discussões – e reflexões também – sobre quem deve e quem não pode ser herói nacional.
Ficou célebre a frase de um conhecido escritor americano, “mostra-me um herói, e eu escrevo-te uma tragédia”. A grande tragédia moçambicana é que, por detrás da heroicidade nacional, encontra-se oculto um maquiavélico esquema. Um regime, que há quem o equipare a uma verdadeira seita, decidiu que o poder é eternamente seu. Se, na fase das “amplas liberdades”, assegurava esse poder pelo cano das espingardas, hoje, na fase do pluralismo democrático – em que sempre acreditaram, a julgar pelo que nos conta um cronista dominical – o regime recorre à fraude descarada em cada plebiscito que organiza. Conseguiu que os seus pares em conselhos e comissões jogassem mão de um ardil que se tornou em cliché, assumindo foros de jurisprudência, que consiste em reconhecer e admitir a existência de “irregularidades”, para depois concluir, sabia e doutamente, que estas em nada alterariam os resultados finais, pois a vanguarda de ontem – cuja retaguarda era formada pelos bastões e as Kalashes apontadas às costas do pacato cidadão – continua a arrastar as largas massas. O grande mistério reside em poder descortinar-se a razão para tanta falcatrua em cada acto eleitoral, marcado sempre por protestos, não apenas dos “perdedores” mas também da parte de quem observa e edifica as traves-mestras do edifício que – o tal partido que fez e que faz – de antemão está sempre está ciente da vitória em cada corrida.
Uma vez arrumado o caso, os vencedores dão ares de mestres da reconciliação e num gesto paternalista organizam convívios com os que antes haviam atropelado pelo caminho. Pelo menos, passam a figurar como estando isentos da prática sinistra do “atropela e foge”, e também como apostados na reconciliação da grande família dos eternamente condenados à derrota em jogos nada limpos.
No fundo, estamos perante o culminar da política de exclusão que sempre norteou quem se mantém no poder. Uma forma refinada da posição abrupta do “ou eles, ou nós” ou do “cavalinho-marinho com o povo” como outrora defenderam. A par da obsessão em redor do herói e da heroicidade, encontra-se a cegueira que não lhes permite enxergar o horizonte. Não compreendem que a exclusão acaba por criar roturas, dando lugar à instabilidade e a convulsões, que no fim acabarão mesmo por impedir que o partidão possa reclamar ser ele o único que faz e que fez.
(Editorial do Canal de Moçambique)
O feriado que ontem se assinalou foi sempre visto como uma data exclusiva de um clube elitista, do género do “Menina não Entra”, da célebre banda desenhada do «Bolinha» dos anos 50 e 60, e que, por não pretender dar ares de machista, não franqueava a entrada aos “reaccionários” e aos “inimigos do povo”. No clube só entram os “melhores filhos do povo” e mesmos estes passam pelo crivo da “classe dirigente” para assim se determinar quem tem direito a cacifo próprio no interior da cripta estrelada. Com o passar dos anos, o herói e a heroicidade tornaram-se obsessões patológicas, não faltando até debates e discussões – e reflexões também – sobre quem deve e quem não pode ser herói nacional.
Ficou célebre a frase de um conhecido escritor americano, “mostra-me um herói, e eu escrevo-te uma tragédia”. A grande tragédia moçambicana é que, por detrás da heroicidade nacional, encontra-se oculto um maquiavélico esquema. Um regime, que há quem o equipare a uma verdadeira seita, decidiu que o poder é eternamente seu. Se, na fase das “amplas liberdades”, assegurava esse poder pelo cano das espingardas, hoje, na fase do pluralismo democrático – em que sempre acreditaram, a julgar pelo que nos conta um cronista dominical – o regime recorre à fraude descarada em cada plebiscito que organiza. Conseguiu que os seus pares em conselhos e comissões jogassem mão de um ardil que se tornou em cliché, assumindo foros de jurisprudência, que consiste em reconhecer e admitir a existência de “irregularidades”, para depois concluir, sabia e doutamente, que estas em nada alterariam os resultados finais, pois a vanguarda de ontem – cuja retaguarda era formada pelos bastões e as Kalashes apontadas às costas do pacato cidadão – continua a arrastar as largas massas. O grande mistério reside em poder descortinar-se a razão para tanta falcatrua em cada acto eleitoral, marcado sempre por protestos, não apenas dos “perdedores” mas também da parte de quem observa e edifica as traves-mestras do edifício que – o tal partido que fez e que faz – de antemão está sempre está ciente da vitória em cada corrida.
Uma vez arrumado o caso, os vencedores dão ares de mestres da reconciliação e num gesto paternalista organizam convívios com os que antes haviam atropelado pelo caminho. Pelo menos, passam a figurar como estando isentos da prática sinistra do “atropela e foge”, e também como apostados na reconciliação da grande família dos eternamente condenados à derrota em jogos nada limpos.
No fundo, estamos perante o culminar da política de exclusão que sempre norteou quem se mantém no poder. Uma forma refinada da posição abrupta do “ou eles, ou nós” ou do “cavalinho-marinho com o povo” como outrora defenderam. A par da obsessão em redor do herói e da heroicidade, encontra-se a cegueira que não lhes permite enxergar o horizonte. Não compreendem que a exclusão acaba por criar roturas, dando lugar à instabilidade e a convulsões, que no fim acabarão mesmo por impedir que o partidão possa reclamar ser ele o único que faz e que fez.
(Editorial do Canal de Moçambique)
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