Monday 22 February 2010

Governo cede às pressões dos G-19

Governo responde positivamente,mas divergências continuam


Depois do braço de ferro que tentou erguer, o Governo moçambicano acaba de dar resposta às inquietações que lhe foram apresentadas em Dezembro pelos representantes do grupo dos 19 países que apoiam directamente o Orçamento Geral do Estado, também conhecidos por G-19 ou Parceiros do Apoio Programático (PAPs).

Numa carta datada de 5 de Fevereiro, e endereçada ao embaixador da Finlândia, na sua qualidade de repre­sentan­te do grupo, o Ministro da Planificação e De­sen­volvi­mento, Aiuba Cue­re­neia, submeteu um do­cumento de 16 páginas, contendo 71 pontos, e que constitui a resposta do governo às preo­cu­pações que lhe foram apre­sentadas por aquele grupo.

As preocupações dos G-19 cobriam três áreas princi­pais, nomeadamente a inclu­si­­vidade política e reformas eleitorais; a transparência na governação económica; e a luta contra a corrupção. Os G-19 solicitavam ao Governo para que apresentasse um plano sobre como abordar todas as questões levan­tadas, o qual deveria ser acordado entre as partes até meados de Março.

Na sua resposta, o governo manifesta a sua intenção de “prosseguir com o diálogo permanente que tem caracte­rizado as relações entre o Governo e os parceiros de cooperação”.

A resposta do Governo contraria de forma dramática a explosiva resposta manifes­tada na altura por alguns círculos pró-governamentais, que consideravam a inquie­tação dos diplomatas como um acto de ingerência nos assuntos internos de Mo­çambique.

Em relação às questões da governação e da inclusi­vidade, a resposta do Go­verno remete os parceiros à Constituição da República, a qual considera constituir a base para o aprofundamento da demo­cracia, tendo como funda­mento a separação e inter­dependência dos pode­es e o pluralismo político. Ainda neste capítulo, e res­pon­dendo à inquietação dos parceiros quanto à inade­quacidade da legislação eleitoral, o Governo considera ser responsabilida­de do novo Parlamento iniciar o processo de revisão da lei eleitoral, tornando-a mais adequada aos novos desafios de conso­lidação da democra­cia multi­partidária. Este pro­cesso tomará em conta as re­comen­dações do Conselho Cons­titucional, bem como as sugestões feitas pelas diver­sas missões de observação eleitoral e pela sociedade civil.

Considera ainda que a presidência aberta, a adesão voluntária ao Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP), e ainda as consultas ao nível dos Conselhos Con­sul­tivos Locais, com o sector privado, com os sindi­catos e com a comunicação social são exemplos da governação aberta e parti­cipativa.

No seu conjunto, a res­posta do Governo reflecte uma atitude de cooperação e de abertura para um processo de engajamento construtivo com os parceiros, o que representa o abandono da estratégia inicial de confron­tação.

Aborda de uma forma detalhada as iniciativas do Governo para o melhora­mento da governação política, eco­nómica e de combate à corrup­ção.

Contudo, é uma resposta que ainda não é satisfatória, do ponto de vista dos parcei­ros, segundo informações a que o SAVANA teve acesso.

Fontes do SAVANA indi­cam, por exemplo, que a resposta do Governo não aborda a questão da alegada intromissão excessiva do partido Frelimo nas acções do Estado, assunto que os par­ceiros consideram um desafio aos princípios funda­mentais da igualdade e liber­dade de escolha.

Apontam as recentes de­cla­rações do Secretário Geral da Frelimo, Filipe Paunde, sobre a presença das células da Frelimo nas instituições do Estado, como estando em contradição com o plano de acção do MARP, o qual aconselha a não intrusão política nas insti­tuições públi­cas.

Quanto à posição do Go­ver­no de remeter a iniciativa de revisão do pacote legisla­tivo eleitoral à Assembleia da República, os parceiros con­sideram que o Governo tem tomado iniciativa em todos os outros pacotes legislativos, e questionam a razão de se eximir desta questão em particular.

Sobre a inclusividade, o Governo indicou na sua resposta a retirada da bar­reira dos cinco por cento para as eleições parlamentares como exemplo do seu com­promisso para uma maior participação naquele órgão legislativo. Os parceiros consideram que a eliminação da barreira pode servir de argumento a favor de outras reformas que devem ser levadas a cabo, como por exemplo, o número mínimo necessário para a cons­tituição de uma bancada parlamentar.

Esta observação parece ser uma referência indirecta à necessidade da Assembleia da República rever o seu estatuto orgânico de modo a permitir que o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), que só tem oito membros no parlamento, possa constituir-se em ban­cada parlamentar, podendo dessa forma participar nas diversas comissões especiali­zadas daquele órgão legis­lativo.

Consideram ainda que a estratégia de inclusividade do Governo baseia-se na acomo­dação, não necessariamente na aceitação de pontos de vista divergentes.

No capítulo da luta contra a corrupção, o Governo refere que um dos exemplos do seu empenho está no facto de entre 2006 e 2008 terem sido instaurados 4 025 processos disciplinares contra funcio­nários do Aparelho do Estado. Os parceiros consideram tal facto como demonstrativo de uma atitude e dinâmica positi­vas em comparação com o passado. Contudo, entendem que tal informação é omissa sobre quantos destes casos referem-se a crimes de corrup­ção e os níveis a que se referem.

A declaração de bens por parte de titulares de cargos públicos é também uma área de contestação entre o Go­verno e os parceiros. O Governo refere que, de facto, os titulares abrangidos têm a obrigação legal de depósito da referida declaração no início do seu mandato, sendo tal declaração actualizada anualmente junto do Conselho Constitucional.

Adianta ainda que a Lei do Estatuto Geral de Fun­cio­nários e Agentes do Estado abre espaço, no seu artigo 41, que a mesma obrigatoriedade se aplique aos funcionários que ocupam cargos de chefia e de direcção, mediante termos ainda por regula­mentar.

Na óptica dos parceiros, esta medida peca por omitir a verificação e a natureza pública de tais declarações.

A questão do conflito de interesses também entra no xadrez do diálogo entre o Governo e os G-19. O Governo volta ao Estatuto Geral de Funcionários e Agentes do Estado, o qual diz fazer referência ao assunto. Acres­centa ainda que o ordena­mento jurídico nacional con­tém igualmente normas que acautelam a questão do conflito de interesses, e que a revisão da lei 6/2004, actual­mente em curso, terá maior abrangência e especificidade ao definir claramente e de forma concisa o tratamento a ser dado aos casos de conflito de interesses.

Só que o Governo não faz referência à implementação dessas normas, consideram os parceiros, sublinhando que a intimidade no relaciona­mento entre o poder político e interesses económicos ofusca a distinção entre o interesse pessoal e o interesse público, e que só uma maior transpa­rência poderá garantir que titulares de cargos públicos prestem maior prioridade ao interesse público.

Ainda não estão marcadas as datas para o diálogo, mas tudo indica que apesar do novo posicionamento de engaja­mento construtivo por parte do Governo, as divergências continuam a manter as duas partes pólos à parte.

SAVANA, 19/02/10

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