Governo responde positivamente,mas divergências continuam
Depois do braço de ferro que tentou erguer, o Governo moçambicano acaba de dar resposta às inquietações que lhe foram apresentadas em Dezembro pelos representantes do grupo dos 19 países que apoiam directamente o Orçamento Geral do Estado, também conhecidos por G-19 ou Parceiros do Apoio Programático (PAPs).
Numa carta datada de 5 de Fevereiro, e endereçada ao embaixador da Finlândia, na sua qualidade de representante do grupo, o Ministro da Planificação e Desenvolvimento, Aiuba Cuereneia, submeteu um documento de 16 páginas, contendo 71 pontos, e que constitui a resposta do governo às preocupações que lhe foram apresentadas por aquele grupo.
As preocupações dos G-19 cobriam três áreas principais, nomeadamente a inclusividade política e reformas eleitorais; a transparência na governação económica; e a luta contra a corrupção. Os G-19 solicitavam ao Governo para que apresentasse um plano sobre como abordar todas as questões levantadas, o qual deveria ser acordado entre as partes até meados de Março.
Na sua resposta, o governo manifesta a sua intenção de “prosseguir com o diálogo permanente que tem caracterizado as relações entre o Governo e os parceiros de cooperação”.
A resposta do Governo contraria de forma dramática a explosiva resposta manifestada na altura por alguns círculos pró-governamentais, que consideravam a inquietação dos diplomatas como um acto de ingerência nos assuntos internos de Moçambique.
Em relação às questões da governação e da inclusividade, a resposta do Governo remete os parceiros à Constituição da República, a qual considera constituir a base para o aprofundamento da democracia, tendo como fundamento a separação e interdependência dos podees e o pluralismo político. Ainda neste capítulo, e respondendo à inquietação dos parceiros quanto à inadequacidade da legislação eleitoral, o Governo considera ser responsabilidade do novo Parlamento iniciar o processo de revisão da lei eleitoral, tornando-a mais adequada aos novos desafios de consolidação da democracia multipartidária. Este processo tomará em conta as recomendações do Conselho Constitucional, bem como as sugestões feitas pelas diversas missões de observação eleitoral e pela sociedade civil.
Considera ainda que a presidência aberta, a adesão voluntária ao Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP), e ainda as consultas ao nível dos Conselhos Consultivos Locais, com o sector privado, com os sindicatos e com a comunicação social são exemplos da governação aberta e participativa.
No seu conjunto, a resposta do Governo reflecte uma atitude de cooperação e de abertura para um processo de engajamento construtivo com os parceiros, o que representa o abandono da estratégia inicial de confrontação.
Aborda de uma forma detalhada as iniciativas do Governo para o melhoramento da governação política, económica e de combate à corrupção.
Contudo, é uma resposta que ainda não é satisfatória, do ponto de vista dos parceiros, segundo informações a que o SAVANA teve acesso.
Fontes do SAVANA indicam, por exemplo, que a resposta do Governo não aborda a questão da alegada intromissão excessiva do partido Frelimo nas acções do Estado, assunto que os parceiros consideram um desafio aos princípios fundamentais da igualdade e liberdade de escolha.
Apontam as recentes declarações do Secretário Geral da Frelimo, Filipe Paunde, sobre a presença das células da Frelimo nas instituições do Estado, como estando em contradição com o plano de acção do MARP, o qual aconselha a não intrusão política nas instituições públicas.
Quanto à posição do Governo de remeter a iniciativa de revisão do pacote legislativo eleitoral à Assembleia da República, os parceiros consideram que o Governo tem tomado iniciativa em todos os outros pacotes legislativos, e questionam a razão de se eximir desta questão em particular.
Sobre a inclusividade, o Governo indicou na sua resposta a retirada da barreira dos cinco por cento para as eleições parlamentares como exemplo do seu compromisso para uma maior participação naquele órgão legislativo. Os parceiros consideram que a eliminação da barreira pode servir de argumento a favor de outras reformas que devem ser levadas a cabo, como por exemplo, o número mínimo necessário para a constituição de uma bancada parlamentar.
Esta observação parece ser uma referência indirecta à necessidade da Assembleia da República rever o seu estatuto orgânico de modo a permitir que o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), que só tem oito membros no parlamento, possa constituir-se em bancada parlamentar, podendo dessa forma participar nas diversas comissões especializadas daquele órgão legislativo.
Consideram ainda que a estratégia de inclusividade do Governo baseia-se na acomodação, não necessariamente na aceitação de pontos de vista divergentes.
No capítulo da luta contra a corrupção, o Governo refere que um dos exemplos do seu empenho está no facto de entre 2006 e 2008 terem sido instaurados 4 025 processos disciplinares contra funcionários do Aparelho do Estado. Os parceiros consideram tal facto como demonstrativo de uma atitude e dinâmica positivas em comparação com o passado. Contudo, entendem que tal informação é omissa sobre quantos destes casos referem-se a crimes de corrupção e os níveis a que se referem.
A declaração de bens por parte de titulares de cargos públicos é também uma área de contestação entre o Governo e os parceiros. O Governo refere que, de facto, os titulares abrangidos têm a obrigação legal de depósito da referida declaração no início do seu mandato, sendo tal declaração actualizada anualmente junto do Conselho Constitucional.
Adianta ainda que a Lei do Estatuto Geral de Funcionários e Agentes do Estado abre espaço, no seu artigo 41, que a mesma obrigatoriedade se aplique aos funcionários que ocupam cargos de chefia e de direcção, mediante termos ainda por regulamentar.
Na óptica dos parceiros, esta medida peca por omitir a verificação e a natureza pública de tais declarações.
A questão do conflito de interesses também entra no xadrez do diálogo entre o Governo e os G-19. O Governo volta ao Estatuto Geral de Funcionários e Agentes do Estado, o qual diz fazer referência ao assunto. Acrescenta ainda que o ordenamento jurídico nacional contém igualmente normas que acautelam a questão do conflito de interesses, e que a revisão da lei 6/2004, actualmente em curso, terá maior abrangência e especificidade ao definir claramente e de forma concisa o tratamento a ser dado aos casos de conflito de interesses.
Só que o Governo não faz referência à implementação dessas normas, consideram os parceiros, sublinhando que a intimidade no relacionamento entre o poder político e interesses económicos ofusca a distinção entre o interesse pessoal e o interesse público, e que só uma maior transparência poderá garantir que titulares de cargos públicos prestem maior prioridade ao interesse público.
SAVANA, 19/02/10
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