Se não fosse porque coincide com os factos, teria sido fácil ignorar as palavras do Secretário Geral da Frelimo, sobre a instalação das células daquele partido nas instituições do Estado.
Mas a tendência dos últimos anos é exactamente nesse sentido, e não haverá alternativa senão levar o homem à sério. O que nos leva a duvidar da sinceridade do partido Frelimo quando repetidamente diz estar comprometido com a evolução positiva do processo democrático em Moçambique, e na construção do Estado de Direito.
E o que é trágico é que estas células não são estritamente necessárias, e certamente que o modo do seu funcionamento expõe um certo comportamento de arrogância que se pode viver perfeitamente sem ela.
Para contextualizar, as células da Frelimo nas instituições públicas são uma relíquia do monopartidarismo que se viveu desde a independência, em 1975, até à aprovação da primeira Constituição multipartidária em 1990. Foi um período em que o partido desempenhava o papel dirigente do Estado, numa situação em que este se subordinava às directrizes do partido.
Nessa época, até os oficiais das forças armadas tinham que ser “vermelhos por dentro”, como diria um célebre Coronel.
Esse quadro mudou, e Moçambique é hoje um país com mais de 30 partidos políticos, onde a Constituição da República é o principal instrumento orientador da acção do Estado.
Por isso, a manutenção das células do partido nas instituições públicas, com toda a sua carga intrusiva no funcionamento destas instituições, é contrária a tudo quanto é princípio fundamental que rege um Estado de Direito.
É importante notar que a própria Frelimo, até a declaração de Paunde, sempre se manifestou contrariada perante acusações de estar a partidarizar o Estado. A única forma de se manter coerente neste posicionamento seria, de facto, aceitar que a presença das suas células nas instituições públicas é uma prática que deve pertencer ao passado, e que deve ser abandonada.
O discurso público sobre a profissionalização do Aparelho do Estado sofrerá sérios revezes enquanto a Frelimo continuar a insistir em impor a sua autoridade sobre instituições cujo funcionamento deve apenas obedecer ao comando da Constituição.
Não serve o processo democrático e o princípio de equidade quando por exemplo, durante a campanha eleitoral, funcionários de instituições públicas abandonam as suas actividades profissionais para se envolverem na campanha do seu partido, durante as horas normais de trabalho.
A Frelimo pode argumentar que como partido no poder, legitimamente mandatado pelo povo para dirigir o Estado, tem uma palavra a dizer sobre a implementação dos programas do seu governo.
Contudo, essa acção orientadora sobre o governo pode ser realizada perfeitamente a partir das sedes do partido aos vários níveis, não necessariamente a partir de dentro das instituições públicas, onde funcionários públicos têm de se subjugar à condição de serem membros do partido para a sua progressão na carreira profissional.
A condição de se ser membro do partido pode ser aplicável para o exercício de cargos de confiança politica, mas a integridade da função pública deve ser preservada com a aderência aos princípios de competência e de mérito, que devem ser aplicados a todos os funcionários públicos, independentemente da sua filiação partidária. É assim em todo o mundo, e se Moçambique quiser insistir em ser uma excepção, fá-lo a custo do seu próprio desenvolvimento.
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