Wednesday, 3 June 2015

Marco do Correio, por Machado da Graça


Meu caro Chivambo
Espero que estejas de saúde, assim como toda a tua família. Do meu lado está tudo bem, felizmente.
Só que com aqueles problemas de sempre que, como diria Filipe Nyusi, nos tiram o sono.
Mas eu conto-te:
Há dias, para espairecer, fui dar uma volta de barco pela baía de Maputo e, no regresso, ao fim da tarde, dei de caras com a frota pesqueira da EMATUM. Essa mesma, ou, pelo menos, grande parte dela. Ali atracada no cais, com os barcos quatro a quatro. A velocidade do barco em que eu estava não deu para os contar mas seriam talvez uns 20.
E estavam com ar de estar para ali parados já faz tempo. Alguns deles já com sinais claros de enferrujamento. Ninguém visível a bordo nem nenhum aspecto de que sejam barcos de trabalho, seja para a pesca seja para qualquer outra coisa. Para poderes avaliar mando-te algumas fotos que tirei.
E lembrei-me que foi usando o dinheiro de todos nós como avalizador que aqueles barcos foram construídos para virem apodrecer naquele cais. E lembrei-me que o primeiro relatório e contas da empresa dava indicações totalmente negativas sobre o seu desempenho e perspectivas futuras a curto prazo.
A situação é tão grave que a empresa de auditoria Ernest & Young alerta para o risco de a empresa vir a ser dissolvida no caso de não serem tomadas medidas urgentes, ao abrigo do art.º 119.º do Código Comercial, que diz o seguinte:
“119
(Perda de metade do capital)
1. O órgão de administração que, pelas contas de exercício, verifique que a situação líquida da sociedade é inferior à metade do valor do capital social deve propor, nos termos previstos no número seguinte, que a sociedade seja dissolvida ou o capital seja reduzido a não ser que os sócios realizem, nos sessenta dias seguintes à deliberação que da proposta resultar, quantias em dinheiro que reintegrem o património em medida igual ao valor do capital.
2. A proposta deve ser apresentada e votada, ainda que não conste da ordem de trabalhos, na própria assembleia que apreciar as contas ou em assembleia a convocar nos oito dias seguintes à sua aprovação judicial nos termos do artigo 175.
3. Não tendo os membros da administração cumprido o disposto nos números anteriores ou não tendo sido tomadas as deliberações ali previstas, pode qualquer sócio ou credor requerer ao tribunal, enquanto aquela situação se mantiver, a dissolução da sociedade, sem prejuízo de os sócios poderem efectuar as entradas referidas no n.º 1 até noventa dias após a citação da sociedade, ficando a instância suspensa por este prazo.”
Quer isto dizer, se bem entendo, que estamos em risco de a EMATUM ser declarada dissolvida e os bancos credores exigirem aos accionistas (todos integrantes do nosso Estado) a devolução do seu dinheiro. E, caso não estejam capazes disso, exigirem ao Orçamento do Estado que honre o seu compromisso como avalizador.
Recentemente, no contexto da sua candidatura a Presidente da Federação de Futebol, o ex-Ministro das Finanças Manuel Chang considerou que o caso da EMATUM foi o seu único pecado enquanto esteve no Governo. Só que estamos agora a ver o tamanho do tal pecado e as suas consequências para o país.
E fica sempre no ar a pergunta: quem meteu ao bolso as luvas pela assinatura de um tal contrato?
Um abraço para ti do
Machado da Graça
Correio da manhã, 02/06/2015

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