Friday 12 June 2015

Forças residuais, unidade nacional e reconciliação

 

Onde estão os problemas e onde estão as mentiras?
 A cor da verdade deve ser algo consensual e não um conjunto de imposições que todos devem cumprir sob pena de uma punição a ser executada por seres superiores, porque “ungidos” com essa qualidade.
Construir um Moçambique estável, uno, solidário, humano e de concórdia ultrapassa conceitos reducionistas apregoados com frequência a partir de determinados segmentos.
Há uma persistente tendência de atribuir valor especial a certas opiniões e de recorrer sempre ao mesmo “poço” para tirar água que todos devem beber.
Moçambique não é Maputo e nem tudo o que se diz a partir das tribunas de Maputo constitui a única verdade.
Sobressaem sinais preocupantes de que a via da imposição e da discriminação teimam em continuar a ser a política a seguir. Só é importante e mencionável, digno de espaço nobre nos canais televisivos, aquilo que se aproxima do que a “Santa Comissão Política” entende e manda publicar.
Antes, também era o “Sacrossanto Bureau Político” do Comité Central que tinha a prerrogativa de determinar o que era legítimo e aceitável em termos de ideologia e de procedimentos.
Esse reducionismo restritivo e perigoso levou o país para caminhos violentos e para uma realidade de embrutecimento de milhões de pessoas.
Hoje, de certos quadrantes, surgem vozes aparentemente preocupadas pelo rumo dos acontecimentos e há uma vozearia enorme à volta de um termo: “Unidade Nacional”.
Afinal o que aconteceu com a unidade nacional? Transcorridos quase quarenta anos, alguém “acordou” e deu-se conta de que não havia unidade nacional? Como entender que os promotores da existência de forças residuais da Renamo venham a público exclamar que é inaceitável que existam partidos políticos armados? Com o comando das Forças Armadas e policiais abertamente sob comando do partido suporte do Governo, Frelimo, não será hipocrisia pretender que os outros se submetam a essa discriminação?
Se o sistema judicial conjuga a cartilha dos detentores do poder político-governamental, onde encontrar um árbitro justo e equidistante para dirimir os litígios sociopolíticos?
A reconciliação nacional não se impõe. Os moçambicanos na sua diversidade são chamados a reflectir sobre os seus problemas longe de complexos de superioridade e de grandeza como ainda continua acontecendo.
Moçambique sem moçambicanidade é insustentável. Moçambique sem patriotas torna-se num espaço geográfico ao sabor de ventos vorazes do saque dos seus recursos.
Aquela áurea que cobria os “libertadores” e que lhe conferia respeitabilidade foi sendo corroída ao longo do tempo. Os ideais que se propunham difundir e implementar ficaram enterrados ao longo da jornada, pois não houve a humildade e honestidade de reconhecer que, embora “libertadores”, não eram mais do que humanos como todos os outros.
Balizar e estabelecer mecanismos de controlo do permissível, numa bitola definida por um comité de pessoas supostamente perfeitas e submeter toda uma sociedade ao que fosse ou seja promulgado como verdade é um atentado directo contra a democracia.
Os líderes não se impõem, mas são reconhecidos, e o que tem acontecido no país é contrário a uma realidade de liderança e participação democrática ampla.
As pretensões de democratização são contrariadas por uma realidade pré-concebida de hierarquias e de esquemas de sucessão a que todo um povo se deve submeter.
Terá sido uma visão de continuidade aprovada nos altos escalões do partido Frelimo que ofuscou ou limitou a democratização, criando condições para que as forças residuais da Renamo não fossem enquadradas e um aparato de defesa e segurança republicano não fosse erigido.
Se atendermos a que não se alterou nem se democratizou o sistema judicial, dá para perceber que não houve preocupação consequente com uma verdadeira democratização.
O panorama de controlo do poder pela cúpula da Frelimo é indesmentível em todos os sectores nevrálgicos do país. Nada acontece sem que haja aprovação prévia.
Terá faltado honestidade negocial no AGP, e uma fórmula rápida foi aceite como forma de a assinatura do acordo acontecer.
Se hoje ainda continuamos com uma realidade de um país com dois exércitos, deveríamos reconhecer que o problema tem causas concretas e que o seu tratamento ultrapassa a retórica constitucionalista ou desvarios de opinião que analistas e comentadores ocasionais possam ter.
Temos um problema que significa em termos práticos uma “armadilha” com efeitos transversais permanentes.
Toda a agenda negocial no Centro de Conferências “Joaquim Chissano” é o somatório daquilo que não se conseguiu fazer em termos concretos. O AGP não foi implementado. Uma sociedade mais democrática e mais justa não se concretizou. Democracia política e económica é debatida hoje porque toda uma sociedade se sente discriminada e limitada nos seus direitos. Parece que Moçambique se tornou num grande quintal que é propriedade privada de um grupo especial de cidadãos, seus filhos e amigos.
Hoje, quem tem culpas no cartório quer ilibar-se das suas responsabilidades, proferindo discursos convenientes, que continuam pecando porque não reconhecem onde se falhou e quem falhou.
Outros falam da unicidade de Moçambique como se fosse um comando divino de cuja desobediência resultariam consequências diabólicas. Os moçambicanos estão mais que fartos de demagogias e de “chamas” de uma unidade que não existe.
Quando ainda hoje se tenta vender a mensagem de que se matou e se fuzilou compatriotas porque eram reaccionários, e isso é dito por pessoas com responsabilidades políticas e históricas, significa que não estamos reconciliados.
Quando se instrumentalizam confissões religiosas em actos de branqueamento da História, significa que a tese perseguida é de continuação da mentira oficial.
Quando uma academia se apresenta oca ou pouco interventiva, quando os políticos sufocam a academia através de restrições orçamentais, e quando os intelectuais se deixam amedrontar, é toda uma sociedade que fica privada de ideias esclarecedoras e de contribuições que teriam um impacto de grande valor na resolução dos problemas de hoje. Tantos milhares de “quadros” vegetando pelo país denotam a existência de travões reais para a sua participação efectiva na vida nacional.
A “síndrome do cartão vermelho” não é nenhuma invenção de comentaristas ou analistas desavindos com o regime do dia.
Se houvesse interesse em atacar os problemas e dar um fim aos impasses negociais, estariam hoje num outro patamar, discutindo outro tipo de coisas.
Reduzir tudo ao pacote de leis existentes é como que dizer que nada mudará, e sabe-se que isso não é de maneira alguma aceitável para milhões de moçambicanos.
Não se pode passar “sabão e uma escova” sobre o que aconteceu, mas não se pode deixar de dar oportunidade a uma nova realidade só porque alguns de nós temos receios de que ceder seria como que morrer.
Fique claro que ninguém será assaltado e morto porque a verdade passou a ser do domínio público.
Uma sociedade que não encara os seus problemas tem poucas probabilidades de vencer os desafios existentes.
Por mais bela e perfeita que pareça ser a blindagem feita, há fissuras invisíveis a olho nu que permitem que a verdade seja conhecida e que esquemas previamente acordados sejam revelados.
Os atrasos negociais de hoje são como que confirmação de que o AGP não foi negociado de boa-fé.
Compatriotas, engajemo-nos a catalisar uma discussão que interessa a todos e pressionemos com todas as nossas forças para que as negociações resultem em mais PAZ para todos.



(Noé Nhantumbo, Canalmoz)

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