Thursday 4 June 2015

Dos pombos de Roma as acácias de Maputo: os desafios da construção e consolidação da paz em Moçambique, 1983-2015.


Carlos Domingos Quembo1
Introdução
O conteúdo deste texto não é científico. Assim, não deve ser citado como tal em qualquer nível de ensino, seja ele oficial ou informal privado ou público ou debate público e privado. Ele contém ideias que alimentarão um future artigo científico. Ele apresenta alguma opinião-reflexão sobre a actual tensão política entre a Renamo2 e o governo de Moçambique, que volta a ameaçar uma paz que se acreditou ser durável em Moçambique. Moçambique ficou internacionalmente famoso como um excelente exemplo duma sociedade política, económica que tansitou com sucesso dum longo conflict armado para uma paz duradoira. O tempo está a dizer o contrário. A ideia aqui é que a solução para a paz duradoira em Moçambique passa pela compreensão da trajectória que este processo teve, desde os primeiros esforços na década 1980. A busca pela paz em Moçambique é histórica, as causas que a minam também assi são. Um outro aspecto a considerar é o clima de disconfiança entre os principais actores, que é motivada pela percepção histórica que cada uma das partes tem sobre a outra. Enquanto a liderança da Frelimo3 ainda percebe e interpreta a Renamo como o movimento rebelled criado pelo
Ian Smith da Rodédia do Sul e mais tarde suportado pela África do Sul do Apartheid, para a Renamo a Frelimo ainda é o partido autoriário-unitário, que mudará se não por métodos violentos. Para além de algumas obras que oferecem um suporte teórico para a abordagem, este texto é sustentado por informações obtidas nos meios de comunicação social online. As circunstâncias em que escrevo, a partir de Oxford-Inglaterra ditaram este método, que pode ter influenciado o argumento. Depois dum breve historial do processo do AGP, o texto discute as continuidades e descontinuidades ocorridas desde o AGP até a actualidade, e a prevalência das percepções que cada uma das partes tem sobre a outra. O artigo também aborda as diferenças e semelhanças entre as negociaçoes de Roma e as de Maputo e termina com algumas lições qe podem ser tiradas da experiência de Roma, para alcançar consensos entre as partes em conflicto. Este texto não pretende trazer soluções para esta tensão política, mas sim levantar alguns pontos de reflexão que podem ajudar a identificar soluções duráveis e sustentáveis para a paz e estabilidade política em Moçambique.
1 Candidato a doutoramento no Departamento de Estudos de Desenvolvimento Internacional, na Universidade de Oxford-Inglaterra. O autor é licenciado em História UEM- Moçambique) e mestrado em Ciência Política (Sciencespo Bordeuax- França).
2 Resistência Nacional de Moçambique
3 Frente de Libertação de Moçambique

O caminho tortuoso a Roma, 1983-1992: um breve tratado

Como argumenta Martin Rupiya (1998) o caminho para o Acordo Geral de Paz (AGP) remonta aos anos 1980s. As igrejas, que outrora foram marginalizadas, tiveram um papel importante na aproximação entre a Renamo e o governo da Frelimo para uma negociação directa, que iniciou em Julho de 1990. Este capítulo traz uma breve trajectória do processo que levou a assinatura do AGP em Outubro de 1992. Embora o fim da Guerra Fria e a transição política na África do Sul, tenham criado um contexto favorável ao AGP, este acordo só foi possível graças ao significante papel jogado pelos diferentes actores nacionais e internaconais, estatais e não-estatais, durante o longo processo, qe teve o seu início nos anos 1980s.
Existem cinco momentos principais neste processo. O primeira, que vai de 1983 a 1986, é marcado pelo Acordo deIncomati em 1984, quando o governo de Moçambique procurou, pela primeira vez, encontrar uma solução não militar para findar o conflicto com a Renamo. Para tal, o governo assinou o acordo de Incomati com a África do Sul do Apartheid, em Março de 1984. Nesta altura, a Frelimo ainda não reconhecia a Renamo como um partido político e com causas legítimas qe justificassem o conflicto. Assim, sendo a Renamo um projecto externo, com um e único objectivo de desestablizar Moçambique e tendo apoio da África do Sul, depois que o Zimbabwe alcançou a independência, fazia mais sentido negociar com a África do Sul. Mas, o acordo de Incomati estava condenado ao fracasso devido ao papel duplo da África do Sul e a pressão exercida sobre a Renamo para continuar com a guerra. Esta fase marcou o início de intensas manobas diplomáticas ao nível regional, que criaram condioes para o AGP, dez anos mais tarde.
A segunda fase, de 1987 a 1989 foi marcada pela fatiga militar dos dois beligerantes (a Renamo e o governo). Foi esta fatiga que criou a predisposição dos beligerantes para o diálogo. Para este texto, é importante sublinar que não é a vontade genuína e intrínseca que levou os beligerantes ao diálogo. Mas sim, a fatiga militar, a incapacidade militar dos dois em financiar o conflito militar. Esta incapacidade pode ter sido ditada pelas mdanças políticas e económicas globais e regionais. Mas ela é real e foi ela que propiciou o interesse pelo diálogo entre as partes. Neste contexto, o presidente Joaquim Chisaano começou a prestar mais atenção aos apelos qe a igreja já vinha faznedo para o diálogo. Com efeito, encoragou os cléricos (Dom Dinis Sengulane e Dom Jaime Gonçalves) a contactarem a Renamo. Embora as duas rondas de conversações entre a Renamo e os líderes religiosos, efectuadas em Quénia, em 1989 tenham dado pouco progresso, elas forçaram a Renamo a articular politicamente, pela primaira vez, as suas demandas e confirmou a existência da vontade política das partes em encontrar uma solução não militar para o conflicto. Consciente de que o apoio ao seu regime
Marxista continuaria a reduzir, e querendo liderar o processo de liberalização política, que se tornava ireversível, Chissano iniciou o programa de reforma constitucional. Isso providenciaria uma plataforma decisiva para as negociações, já em curso e a eventual elaboração do AGP.
A terceira fase, de 1990 a 1992 é marcada pelo início das negociações directas entre a Renamo e o governo da Frelimo, mediadas pela Comunidade Santo Egídio. Também foi marcada por alguns factores que favoreceram o alcance do AGP, tais como a transição política na África do Sul, a seca devastadora na região Austral e o fim da Guerra Fria. Depois de 12 rondas de negociações, o AGP foi assinado em Roma, aos 4 de Outubro de 1992. Como argumenta Vines (1998), embora o contexto internacional tenha sido favorável, a assinatura do AGP deveu-se também a uma pressão internacional instensa, diplomacia regional, ao papel crucial dos mediadores em minimizar o clima de disconfiança, entre as partes e traze-las ao foco, e a provisão de incentivos financeiros significativos tanto para a Renamo, assim como para o governo.
Embora o AGP tenha formalizado o fim do conflicto armado, os eventos seguintes : desmobilização dos soldados, a sua reintegração na sociedade pós-conflicto, a realização das eleições, a redistribuição económica, o contrôle e o acesso aos recursos do estado, seriam decisivos para a consolidação da paz e estabilidade política. A fase da implementação do AGP, supervisionado pela Oraganização das Nações Unidas em Moçambique (ONUMOZ) é a quarta. Esta culmina com a realização das primeiras eleições multipartidárias em Moçambique, em 1994. Durante esta fase, a presença da ONUMOZ em Moçambique ajudou a construir a confiança da Renamo na paz e ajudou no processo da sua transformação de movimento de guerrilha para partido político. Apesar de a Renamo ter inicialmente boicotado as eleições de 1994, as mediações dos líderes regionais e das Nações Unidas (NU) asseguraram a participação da Renamo e a aceitação dos seus resultados, em caso de perca. Apesar de a Renamo ter alegado fraude eleitoral, não houve tumultos que pusessem em causa o processo da consolidação da paz. Daí, Moçambique ter sido percebido e interpretado como um caso de sucesso na transição duma sociedade de conflicto, para a de paz e estabilidade política. Contudo, os eventos recentes põe em causa esta percepção. A violência pós-eleitoral de 2000, que culminou com a morte de cerca de 100 indivíduos, asfixiados na prisão de Montepuez, os ataques a residência do líder da Renamo em Nampula, em 2012, o conflicto de Muxúngué, a narrativa bélica do líder da Renamo e a aparente intransigência da Frelimo e da sua liderança, juntos, questionam o argumento segundo o qual Moçambique transitou com sucesso duma sociedade de conflicto para uma sociedade de paz e estabilidade política. Para este artigo faz mais dentido falar de transição duma sociedade de conflicto armando, para uma sociedade de conflicto latente. A paz sempre esteve ameaçada em Moçambique.
Com a crescente frustração da maioria dos moçambicanos, com a não satisfação das suas aspirações económicas e políticas mínimas, com o aumento da desigualdade social e ecnómica e da assimetria regional, a consolidação da paz, que é a quinta fase do AGP, se tornou uma missão titânica e complexa. Como argumentou Armon et al (1998), a ansiedade dos soldados para desmobilizar e reintegrar na socieda do tempo de paz, junto com o regresso espontâneo de milhares de refugiados dos países vizinhos, confirmou o sentimento generalizado da fatiga pelo conflicto. Isso serviu para assegurar o novo contexto político, em que o desejo de retorno a guerra não era equacionada pelas lideranças políticas e muito menos pela sociedade. Contudo, a tensão latente no processo de recontrução económica, as desigualdades económicas prevalecentes, significam que violências renovadas constituem uma ameaça eterna para a paz e a estabilidade política em Moçambique.
Muda-se o contexto, mas as inquietacoes e percepções persistem
Desde 1989 quando a Renamo articulou politicamente, pela primeira vez, a condição sine equa non para parar com o conflicto foi a garantia de segurança e assistência financeira (Rupiya, 1998). Para a Renamo, a questão financeira da sua liderança e dos seus soldados, a redistribuição e o contrôle dos recursos e instituições do estado, assuntos que deviam ter sido assegurados com a implementação do AGP, anida continuam não resolvidos.
O país testemunhou várias ransformações de desde do AGP até hoje. Tendo inciciado com a reforma constitucional na decada 1990, o país adoptou uma constituição que criava condições legais para o pluralismo politico. Houve um revisão cosmética em 2004, mas não trouxe mudanças de fundo. Em resultado deste novo cenário, as primeiras eleições gerais multipartidárias previstas para 1993, ocorreram em 1994. Embora a Renamo tenha perdido, teve votos suficientes para se legitimar como um partido político. Ela conseguiu obter 112 na Assembleia da República, contra 129 da Frelimo (Armon et al, 1998). Isto criou uma certa margem de manobra para a Renamo acomodar parte significativa dos seus quadros no processo político convencional em Moçambique. A Renamo também conseguiu ter um certo contrôle dos recursos de estado, com a recepção de fundos correspondentes ao número de deputados na Assembleia da República.
Em 1998, houve as primeiras eleições autárquicas e a Renamo boicotou. Os resultados das eleiçoes de 1999 foram mais uma vez contestadas pela Renamo e principalmente pelo seu líder. Diferentemente das de 1994, nestas, não sei por que águas, a opinião pública generalizada, acreditou que a Renamo e o seu líder ganharam-as. No ano seguinte as eleições, uma catástrofe humana ocorreu em Montepuez. Cerca de 100 reclusos, maioritariamente apoiantes e membros da Renamo morreram asfixiados na
prisão. Este incidente nunca foi formalmente explicado e ainda ecoa na memória da Renamo e da sua liderança.
Em 2003 as segundas eleições autárquicas. Desta vez a Renamo participou mas sem sucesso significativo, embora tenha ganho alguns municípios. Das eleições derais de 2004 até as de 2009, a Renamo registou uma queda significativa e a taxa de abstenção política aumentou. Alguns estudos sugerem que os eleitores da Renamo retiraram legitimidade as instituições públicas gestoras do processo eleitoral (Comissão Nacional de Eleições-CNE e Secretariado Técnico de Admisnitração Eleitoral- STAE). Fruto dum erro estratégico e crasso da Renamo e principalmente do seu líder, que receiava sua sucessão na lidernça do partido, Daviz Simango foi expulso da Renamo em 2008. Nas eleições autárquicas do mesmo ano este concorreu a presidencia do Município da Beira, como independente, e derrotou os candidatos da Frelimo e da Renamo. A vitória de D. Simango foi uma derrota política para a Renamo. Como se não bastasse, com um significativo apoio popular dos munícipes da Beira, D. Simango consegue mobilizar apoio suficiente e cria o seu partido: Movimento Democrático de Moçambique (MDM). Uma parte significativa dos eleitores da Renamo e alguns dos seus membros passaram para o MDM. Isto desviou significativamente o suporte popular a Renamo e a sua liderança de apercebeu disso.
Neste intervalo de tempo, houve também outras mudanças e « novidades » agradáveis para uns e motivo de frustração para outros. Em Moçambique foram “descobertos” importantes jazigos de carvão, gás natural, areias pesadas de Moma, pedras preciosas entre outros recursos minerais e energécticos, que aumentaram a importância económica de Moçambique e o desejo sedento por ele, tanto da elite política e económica nacional, assim como a internacional. Por ironia ou não, estas descobertas ocorrem no centro (carvão) e norte (gás, arreias pesadas e pedras preciosas). Por causa destas descobertas, Moçambique se tornou num destino privilegiado para os grandes investimentos de multinacionais, tais como a Vale, a Eni, a Anadarko, a Jindal, a Rio Tinto, etc. Isso é razão suficiente para ressuscitar conflictos políticos latentes e capitalizá-los, para encontrar formas de beneficiar das rendas, a serem criadas po restas descobertas. Principalmente num país onde o contrôle ou a gestão do poder político aumenta significativamente a probabilidade de benefícios económicos. Paralelamente a estas descobertas, a Renamo ia se sentindo cada vez mais marginalizada e abandonada pelo se eleitorado e parte dos seus membros da geração pós 1992. Os militares da Renamo, tanto os « integrados » pelas Forças Armadas de Defesa e Segurança, assim como os que permaneceram para a guarda pessoal do líder da Renamo, partilhavam este sentimento de excluão, marginalização e reforma “compulsiva”. Algumas acções, concretas, começaram a dar corpo a este descontentamento. Afonso Dhlaka abandonou a sua residencia em Maputo e foi para a outra de Nampula. A sua residência
em Nampula foi atacada pelas Forças de Intervenção Rápida (FIR). De seguida, Dhlakama foi fixar-se em Satunjira- Gorongosa, onde durante o conflicto armado esteve a base militar da Renamo. De lá, foi gerindo, do seu jeito, a Renamo e as “pinimbas” com o governo da Frelimo. A sua barganha foi reforçada. Num contexto de altas expectativas de grandes investimentos de mega-projectos num dos países mais pobres do mundo, qualquer ameaça a estabilidade política, é indesejada. A liderança da Frelimo está consciente disso.
De Satunjira a 5 de Setembro de 2014 o país reviveu as memórias indesejadas do conflicto armado. Politicamente apresentado como um esforço para por fim ao conflicto de Satunjira, foi assinado o Acordo de Cessação de Hostilidades Militares (ACHM), entre o então presidente da república Armando Guebuza e Afonso Dhlakama, líder da Renamo. Este acordo foi ractificado pela Assembleia da República e tranformado em lei. Na sequência deste acordo e para garantir a sua efectivação, negociações deviam iniciar no Centro de Conferências Joaquim Chissano (CCJC), para acomodar as inquietações da Renamo : a desparidarização das instituições do estado, a reintegração da sua força residual no exército e na polícia da Replica de Moçambique e a redistribição económica, e as do governo : a desmilitarização da Renamo. Assim, O fim definitivo das « hostilidades militares », a paz e a estabilidade política foi condicionada aos consensos a serem produzidos no CCJC, entre as delegaçõees da Renamo, chefiada por Saimone Macuina e do governo, chefiada por José Pacheco, com a mediação da Equipa Militar de Observação da Cessação das Hostilidades Miliatares (EMOCHM) e dos mediadores nacionais (Padre Filipe Couto e Dom Dinis Sengulane) também foram mobilizados. Mas, a decisão de iniciar as negociações de Maputo resulta da necessidade de criar condições para a realização das eleições gerais e não duma vontade genuína de resolver os problemas levantados, que não diferentes, na essência daqueles levantados a quando do AGP e que deviam ter sido resolvidos com a implementação efectiva do AGP. Poranto, a semelhança do AGP, as negociações de Maputo são motivadas por um factor externo, que tem pouco haver com os problemas históricos levantados. Isto constitui uma das razões porquê que não se consegue ultrapassar o bloqueio actual no CCJC. Mais de 100 rondas negociais aconteceram e ainda não há resultados tangíveis sobre os assuntos cruciais : desmilitarização e reintegração das forças da Renamo e a despartidarização do estado. Contrariamente a isso, outros aspectos não previstos na agenda inicial, foram trazidos a rebalta. A EMOCHM e os observadores nacionais foram unilateralmente dispensados. A incerteza e a disconfiança dominam a natureza do discurso dos dois beligerantes e os mediadores não tem poder para minimizar o clima de disconfiança e devolver as partes ao foco principal.


Semelhanças e diferenças entre o AGP e o CCJC: algmas reflexões sobre o bloqueio

As negociações no CCJC reproduzem, de certa forma, as demandas supostamente resolvidas com o AGP que, a ser assim, consolidariam a paz em Moçambique. Contudo, o contexto, as motivações, a forma, a diversidade, a experiência, as habilidades dos mediadores e a postura dos dois principais actores (Renamo e o governo), são diferentes dos qe levaram ao AGP. A diferença não é só entre os “pombos” de Roma, que criaram um ambiente favorável ao AGP, e as “acacias” de Maputo de Maputo, que não criam para além da lufada de ar fresco e da sombre que alimenta o sono dum ventre assaciado de banquetes, mas sim em todos outros aspectos cruciais que conduziriam a soluções duráveis e sustentáveis para um problema histórico. Neste capítulo, tratar-se-a de algumas dessas diferenças e semelhanças, que podem ajudar a identificar as causas do bloqueio e possíveis saídas.
Como indicado em cima, o que levou ao AGP e ao CCJC foram razões alheias a vontade genuína de trazer a paz e a estabilidade política. Foram a Roma porque já não era financeiramente possível financiar o conflicto armado. Fora mao CCJC porque queriam eleições num ambiente de « paz ». Contudo, diferentemente do CCJC, para o AGP o contexto foi favorável, os mediadores fizeram o seu papel e tiveram credencias e confiança de ambas as partes para o fazer. Decisões unilaterais como a que o governo tomou, de dispensar a EMOCHM podiam ser tomadas. Mas os mediadores tinham poder para reconciliar as partes. No caso do AGP hove garantias financeiras tanto para o governo, assim como para a Renamo.
Tanto em Roma, assim como na cidade das “acacias”, reina o clima de desconfiança e os actores principais trazem a mesa pontos que de certa forma desviam o foco e o objectivo principal das negociações. Contudo, em Roma a diversidade, as habilidades e as experiências dos mediadores foi decisiva para contornar estas artimanhas e lhes devolver ao foco principal, que era o AGP. Os actores de Roma eram de diversa natureza. O governo, chefiado por Armando Guebuza e a Renamo chefiada por Raúl Domingos. Estes foram mediados por Mario Raffaelli, representante do governo italiano e coordenador dos mediadores, Bispo da Beira Dom Jaime Gonçalves, Andrea Riccardi e Matteo Zuppi, da Comunidade Santo Egídio, e observadores das NU e dos governos dos Estados Unidos da América, França, Reino Unido e Portugal. No CCJC temos o governo, chefiado por José Pacheco, a Renamo chefiada por Saimone Macuiana. Estes contavam com os observadores a EMOCHM. Os seus membros provém da Itália, Portugal e Reino Unido, que abandonaram o país findo os primeiros 135 dias. Outros membros vém de Cabo-Verde, África do Sul, Quénia e Zimbabwe, que terminam a missão sem terem feito o que deviam, depois de uma prorogação de 60 dias. Estados Unidos não enviou o seu observador. Também há mediadores nacionais, Dom Dinis Sengulane, Padre Filipe Couto. Estes, a semelhança da
última equipa da EMOCHM também foram dispensados. Restando somente as delegeções da Renamo e do governo. Os mediadores não tem credenciais para fazer o seu trabalho e não são confiados pelas partes beligerantes. Com efeito, não são capazes de minimizar o clima de desconfiança que reina e os efeitos sobre a negociação. Tambe não são capazes de devolver os beligerantes ao foco principal. Isso não se deve a incapacidade e a falta de habilidade dos mediadores, mas sim ao facto de não terem sido criadas condições para assim fazerem.
O contexto do AGP é diferente do do CCJC. O fim da Guerra Fria, a queda do bloco socialista e a ascensão ideológica do neo-liberalismo e as ideias de liberalização política, a transição política na África do Sul, com o reconhecimento do ANC e a libertação de Nelson Mandela, a darem sinais concretos do fim do Apartheid na África do Sul, a seca geral na região da África Austral, a avançada crise económica do estado moçambicano, colocaram tanto a Renamo, assim como o governo sem outras opções, se não negociar. Hoje, a ausência da Áfirica do Sul do Apartheid e dos seus aliados internacionais, coloca a Renamo numa situação difícil e vulnerável. A Renamo tem poucas chances de sobreviver a uma aventura igual a dos 16 duros anos. Ela está consciente disso. Do outro lado, o crescente investimento em Moçambique determinando pela descoberta de quantidades comercializáveis de carvão mineral, gás, arreias pesadas, pedras preciosas, etc tornam a paz e a estabilidade política um imperativo. E o governo está conscinte disso e sabe que a Renamo pode voltar a criar turbulências, ao nível das de « Muxúngué ». Isso coloca os dois actores com capacidade de barganha.
Diferentemente do AGP, para as negociações de Maputo, existe uma intransigência de ambas as partes e um extremar de posições. A Renamo vai trazendo outros pontos na agenda, nao obstante o facto de a disposição legal moçambicana já tratar destes assuntos. Por exemplo a questão do conflicto de interesses públicos e privados dos altos funcionários públicos, já está previsto na Lei da Probidade Pública. Por outro lado, o governo, condiciona a reintegração das forças residuais da Renamo a entrega da lista e nome destas forças. Enquanto que a Renamo exige que se identifiquem os postos para onde estes serão integrados, antes de fazer a lista. Esta intransigência e extremar de posições resulta por um lado da disconfiança existente entre as partes, mas também da interpretação que a Renamo faz da implementação do AGP. De acordo com a Renamo, a « marginalização », a « discriminação », a « reforma compulsiva » que as suas forças sofreram depois do AGP, pode se reproduzir.
Um outro aspecto que difere do AGP é a postura e o discurso da liderança dos dois partidos políticos (Renamo e Frelimo), que são contrários aos objectivos das negociações do CCJC. Após a divulgação dos resultados das eleições de Outubro de 2014, o líder da Renamo- Afonso Dhlakama inicia uma digressão política pelo centro e norte do país, com destaque para as províncias onde ou ele ou o seu
patido teve maioria. Com excepção de Niassa isso ocorreu em Tete, Manica, Sofala, Zambézia e Nampula. Inicialmente, visivelmente animado, como descreve o semanáro Savana do dia 7 de Novembro de 2014, Afonso Dhlakama sugere a formação do governo de gestão. Depois de várias metamorfoses e sobretudo depois do encontro com Filipe Nyussi, presidente de Moçambique, Dhlakama fala de autarquias provinciais. Na sequência disso, submeteu o seu projecto a Assembleia da República, que chumbou o projecto, com o voto maioritário da Frelimo. A Renamo e o Movimnto Democrático de Moçambique votaram a favor. De lá para cá, a narrativa do líder da Renamo, capitaliza a ameaça da estabilidade política no país condiciona esta estabilidade a aceitação do seu projecto. Por outro lado, o discurso de Nyussi e da liderança do seu partido, antes de Nyussi ser eleito presidente da Frelimo, nem sempre foram conciliatórios. Inicialmente Nyussi tinha uma narrative concialiatória, e apontava para um acordo com Dhlakama. A Frelimo, ainda sob a liderança de Armando Guebuza desencadea uma campanha nacional apelando a rejeição da proposta da Renamo, antes desta ter sido submetida a Assembleia da República, assim como acordado entre Nyussi e Dhlakama. Após a sua eleição a presidência da Frelimo, Nyussi adoptou uma postura menos conciliatória vis-a-vis as demandas de Dhlakama-Renamo e sugere que qualquer solução aos problemas levantados pelo Dhlakama devem ser tratados pelas instituições democráticas do estado moçambicano. Discurso do tipo « não me vou ajoelhar para pedir a paz », « a paz não pode ser condicionada a vontade de um pessoa », embora semanticamente correctas, quando feitas num contexto de tensão política e de ameaça a estabilidade política, quando feitas pelo presidente duma República em que o seu presidente tem o contrôle sobre os poderes executivos, legislativo e judicial, pelo mesmo presidente que lidera o partido, que por sua vez governa a mesma república, não ajuda as negociações que tem por finalidade última assegurar a paz e a estabilidade política. É verdade que tecnicamente o conteúdo das negociações do CCJC são diferentes do da proposta da Renamo. Contudo, ambos fazem parte do esforço para que a paz efectiva e a estabilidade política sejam uma realidade em Moçambique. E mais, o peso e a influência da liderança dos dois partidos sobre este os principais actores do CCJC é real, forte e significativo. Como ficou demonstrado, a orientação para pôr fim a missão da EMOCHM veio da Comissão Política do Partido Frelimo e não do consenso entre as duas delegações (Noite Informativa da STV, 31.05.2015).
A semelhança do AGP, no CCJC as duas partes reproduzem as construções e percepções históricas sobre a outra. Por um lado a Renamo acredita que a mehor forma de trazer mudanças defendidas por si e fazer com que a Frelimo as adopte, é violência. Como se pode ler nas passagens abaixo extraída duma entrevista que o líder da Renamo concedeu a STV:
…”Senhor Jornalista, a Frelimo nunca vai aceitar mudar nada sem violencia, sem força, sem levar purrada”… (Noite Informativa da STV,12/05/2015)
Por outro lado, a Frelimo ainda interpreta a Renamo como um movimento rebelde, criado pelo governo de Ian Smith, na Rodésia do Sul e mais tarde, sustentado pelo regime do Apartheid na África do Sul. Para a Frelimo, a Renamo ainda não transitou para um partido politico.
Recentemente numa entrevista concedida a Lusa, o então presidente da República Armando Guebuza referiu- se a Renamo nos seguintes termos: “ A Renamo sempre funcionou com ultimatos”. Ou seja, não mudou depois de 23 anos de paz. Fica difícil haver uma vontade genuína de negociar entre duas partes que tem percepções e interpretações embuídas de juízos de valores degradantes, uma sobre a outra. Ou seja, fica difícil negociar, na base do diálogo, com o « inimigo ». Para que os consensos sejam alcançados e se chegue a um acordo que assegure a paz duradoura e sustentável, é fundamental que essa percepção degradante seja ultrapassada. Como argumentam Grindle & Thomas (1991) as percepções que os actores políticos tem sobre os problemas da agenda, são determinantes nas suas escolhas políticas para resolvé-los. Se para a Frelimo a Renamo ainda responde a agendas externa ao interesse dos moçambicanos e para a Renamo a Frelimo é o partido autoritário, não democrático que precisa de « purrada » para mudar, o diálogo não levará a lado, enquanto o contexto do AGP não existir. Não é por acidente que passam mais de 100 rondas e nada tangível foi alcançado. Não é por acidente que novos pontos são acrescidos a agenda e se perde o foco a cada nova ronda de negociaao. Não é por acidente que a intransigência e o extremismo domina. Não é por acidente que o governo já começa a tomar decisões unilaterais.

Conclusão : como aprendermos das nossas próprias expriências (o AGP)

O caso moçambicano pode servir de inspiração para outros esforços para o alcance e consolidação da paz e mesmo Moçambique, que neste momento vive uma paz capturada e ameaçada. Algumas elações sobre o AGP podem ajudar.
O conflicto em Moçambique esteve directamente ligado ao conflicto com e entre os países vizinhos (Rodédia do Sul e África do Sul). Esforços para limar as diferenças entre a Renamo e o governo sempre fracassaram enquanto os factores externos influenciaram as dinâmicas locais. Contudo, na medida que que o apoio militar externo foi reduzindo no contexto da mudança global para o neo-liberalismo e a liberalização política, os beligerantes não tiveram outra opção, se não negociar. Para o caso do CCJC é preciso que os mediadores saibam que a decisão de negociar não foi se não para permitir a realização das eleições. Isso ajudará a activar outros recursos e meios para evitar o acréscimo da agenda política e a perca do foco.
Múltiplas iniciativas tiveram que ser adoptadas para o AGP. As agendas dos mediadores religiosos, dos estados e actores individuais nem sempre coincidiam. Coordenação faltava, nalguns casos. Contudo, a diversidade de actores e de iniciativas, associada a exclusão total, de ambas as partes, da possibilidade do retorno ao conflicto armado, assegurou que a busca pela paz continuasse sempre que se ganhasse o momentum. As duas partes tem que abandonar por completo a possibilidade de recurso a um conflicto militar. Essa recomendação vai sobretudo para o governo. Deve deixar de dar sinais de fortalecimento da sua capacidade militar, num contexto de tensão política. Não é possível ter vontade genuína de encontrar soluções não militares e ao mesmo tempo estar a iniciar lobbies e contactos para aquisição de material bélico. A. Dhlakama e a Renamo deve parar de capitalizar a questão do retorno ao conflicto, para amentar a sua barganha.
Logo que o diálogo directo entre os dois beligerantes se tornou real, o papel dos mediadores do AGP foi crucial para construir o clima de confiança entre as partes. Mário Rafaell, Dom Jaime Gonçalves e os dois representantes da Comunidade Santo Egídio tiveram as credenciais para mediar devido a sua longa familiarização com Moçambique e o facto de merecerem a confiança dos beligerantes. A grande contribuição dos mediadores foi também lidar, pacientemente, com as diversas artimanhas do beligerantes, para trazer a mesa de debate, aspectos que desviassem o foco principal, e conseguir evitar que os beligerantes perdessem o foco. Robert Mugabe e « Tiny Rowland foram cruciais nesse sentido. Os mediadores devem ter credenciais e confiança de ambas as partes para poderem fazer o seu trabalho. É preciso lhes dar poderes para influenciar o processo e confiança e legitimidade para o fazerem. Os mediadores são cruciais para minimizar os impactos da disconfiança que existe entre as partes e
devolver o foco. Também são determinantes para evitar que novos pontos sejam trazidos na agenda e desviem o curso das negociações.
No processo de paz é crucial saber lidar com as questões por detras do conflicto, muita das vezes escondidos e intenções não declaradas. Desde o princípio, as duas partes, em Roma, concordaram com a necessidade de acabar com o conflict militar. Mas, não havia consenso sobre quem devia governar e como os recursos do estado deviam ser distribuidos. Neste contexto, o apoio financeiro era crucial para acomodar estas questões. O governo italiano, que suportava a mediação da comunidade Santo Egídio percebeu isso logo no princípio e disponibilizou incentivos financeiros para que o processo andasse. No caso do CCJC, é preciso que o que a Renamo quer é garantias financeiras, acesso aos recursos do estado que aumentam as suas chances de beneficiar das oportunidades económicas. Por outro lado, a Frelimo quer que a Renamo perca a capacidade de desestabilizar, mesmo ao tamanho de Muxúngué. A questão central é o quê que deve acontecer primeiro. Essa questão seria facilmente resolvida se houvesse confiança e garantias. Mas nenhuma das duas coisas existe. Aí, os mediadores devem tomar a iniciativa.
A paz em Moçambique está questionada. A estabilidade em Moçambique depende da forma como o processo de reconstrução política, económica e social lidará com a questão da pobreza e a divisão política que precipitou o conflicto no final dos anos 1970s e persistem na nossa sociedade. Apesar de não haver um conflicto étnico directo, o padrão do voto em Moçambique, não obstante algumas excepções, revela uma tendência do sul favorável a Frelimo e o seu partido, o Norte dividido entre Cabo Delgado e Niassa (Frelimo e o seu candidato) e Nampula (a Renamo-oposição e o seu candidato), o centro, maioritariamente a oposição. Nas últimas eleições, a Renamo e o seu líder recuperaram o seu apoio no centro e parte significaiva do Norte de Moçambique. Pela primeira vez uma parte da província do Niassa mostra um apoio directo a Renamo e seu líder. Até hoje, está dificil traduzir a relativa estabilidade política ema benefícios sócio-económicos tangíveis na sociedade moçambicana. Apesar da alta taxa de crescimento económico, a volta deos 7% nos últimos 10 anos, Moçambique ainda é dos países mais pobres do mundo. A desigualdade está a crescer, o fosso entre ricos (minoria) e pobres (maioria é gritante). Mais de duas décadas depois do AGP as assimetrias regionais ainda são visíveis. O crescimento se concetra no sul, em particular Maputo. O descontentamento dos jovens, das mulheres, dos ex-combatentes, no país e em particular nas zonas rurais cresce. Isso significa que o que ameaça a paz em Moçambique não é a Renamo. Esta só está a capitalizar um problema real da sociedade política e económica moçambicana. Se não fosse a Renamo, qualquer outra força política pode o fazer. Uma solução para a paz duradoira passa por resolver os problemas económicos, políticos e sociais dos moçambicanos e não fazer « acordinhos » de banquete com a Renamo.


Referências

Grindle, Merille & Thomas, John (1991), Public choices and policy change: the political economy of reform in developing countries. London: The John Hopkins University Press, 222p.
Rupiya, Martin, Historical context: War and Peace, in Armon, Jeremy et al, The Mozambique Peace Process in Perspective, Accord, 3,1998, pp.10-17
Vines, Alex, The business of peace: “Tiny” Rowland, financial incentives and the Mozambican settlement, In Armon, Jeremy et al, The Mozambique Peace Process in Perspective, Accord, 3,1998, pp 66-74

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