Thursday 4 June 2015

40 anos: Independência em tensão militar quase permanente

 

 

A história de Moçambique, independente desde 25 de Junho de 1975, ficou marcada por mais dias de guerra do que tempos de paz, afectando, de todas as formas, as populações civis de norte a sul do país.
Ao longo das últimas décadas registaram-se graves problemas de fome e situações adversas provocadas por intempéries mas foi a guerra que marcou a vida dos moçambicanos ao longo de trinta anos de conflito permanente mesmo depois da guerra da independência entre 1962 e 1975 contra os portugueses.
No período após a independência, a guerra civil prolongou-se durante 16 anos (1976-1992) registando-se também momentos de conflitualidade nos últimos anos entre a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) e as forças governamentais (Frente de Libertação de Moçambique – FRELIMO), sobretudo no centro do país.
A guerra e a violência são os factores que marcam a vida dos moçambicanos sujeitos a quase três décadas de conflito: a luta pela independência (1962 – 1975) e depois pela guerra civil (1976- 1992).
Nestes dois períodos, a guerra atingiu todo o território mas as áreas rurais foram as mais afectada sendo que a magnitude dos efeitos destas duas guerras é ainda desconhecida.
No caso da Gorongosa, por exemplo, os dados demográficos disponíveis demonstram que quase 95 por cento da população viveu em zonas de guerra durante 16 anos, incluindo soldados.
O estudo “The Cultural Dimension of War Traumas in Central Mozambique – The Case of Gorongosa” coordenado por Victor Igreja aprofunda os efeitos da guerra no centro do país.
Nesta zona, as populações civis viveram constantemente ameaçadas, quer pela RENAMO quer pelas forças governamentais, sendo que 95 por cento dos inquiridos pela investigação considera que os momentos mais traumáticos foram o uso de buracos como abrigo, por longos períodos, a vida nas aldeias comunitárias, sem contar com os efeitos provocados pelas cheias.
Os últimos quarenta anos da história de Moçambique como Estado independente confundem-se, por isso, com uma das situações mais extremas a que o ser humano pode estar sujeito: a guerra civil e as consequências da violência prolongada e que continua a afectar as populações.
De acordo com o académico e psicólogo moçambicano Boia Júnior quando se referem os traumas de uma guerra civil - em que moçambicanos estiveram contra moçambicanos – é preciso ter presente que ainda não existe “um consenso” nacional sobre as razões que levaram o país à guerra.
O reconhecimento das atrocidades cometidas por ambas as partes faz com que actualmente exista uma sociedade em que “de certa maneira” a violência não é vista como “negativa”.
“A violência continua a estar presente no quotidiano dos moçambicanos. A ameaça do recurso à violência por parte de partidos políticos e mesmo o uso da violência por parte de partidos políticos, ou pela polícia são bastante comuns”, alerta o académico moçambicano.
Ao contrário, na África do Sul, Nelson Mandela assumiu-se como figura de reconciliação afirmando claramente que tinham sido cometidas atrocidades e crimes tanto de um lado como do outro, durante o regime do Apartheid.
“Não foi o caso de Moçambique. Nós nunca assumimos o que houve de errado em relação ao conflito militar. Fazemos de conta que nós os moçambicanos somos bons e que as razões do conflito foram provenientes de fora. Fazemos uma projecção: nós somos os bons e os maus vieram de fora. Isto é perigoso porque não aprendemos com a nossa própria história”, disse à Lusa Boia Júnior.
A guerra provocou três milhões deslocados, um milhão e meio de refugiados e um milhão de mortos.
O impacto que a guerra civil provocou no quotidiano das populações e na sociabilização deve ser considerado grave pois, sublinha, “roubar, violar e matar era normal”.
Esses valores correm o risco de serem transmitidos pelos pais aos filhos, lamenta o académico que estudou com profundidade o problema das crianças forçadas a combater.
Em 1988 o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) indicava pelo menos 10 mil crianças usadas pelas forças da RENAMO mas as forças governamentais também usaram crianças como soldados e membros de milícias populares.
Por outro lado, há um outro dado da UNICEF que refere que pelo menos 250 mil crianças sofreram traumatismos psíquicos em virtude da guerra e que podem explicar a “banalização” da violência.
“Nós como sociedade adulta não fomos capazes de proteger as crianças, instrumentalizamos as crianças que foram soldados e isso vai ter um impacto a médio e longo prazo, bastante grave. No fim da guerra não fizemos o trabalho de recuperação destas crianças. Ao nível das comunidades houve algum trabalho feito mas ao nível, económico, político e social nada foi feito”, refere.
O académico sublinha que a FRELIMO e a RENAMO continuam hoje como inimigos e não como partidos com opções políticas diferentes e que deviam ser parceiros na construção da paz e da democracia.
Por outro lado, sublinha, regista-se o aumento da violência nas relações interpessoais e o aumento da criminalidade em geral o que provoca a normalização da violência.
“Este Estado frágil que nós temos - em que os antigos beligerantes continuam com poder político - provoca um desgaste dos valores morais da sociedade. As acções de moralização da sociedade são muito importantes mas o bem comum continua a não ser o bem mais alto da nação e verifica-se um corroer dos bens morais que o Estado devia exercer na mediação das relações humanas em Moçambique”, defende.

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