Friday 13 August 2010

ONDE ESTÁ A CAPACIDADE AFRICANA DE AUTO-DESENVOLVER-SE?

Mesmo com recursos são os outros é que definem os caminhos...

Beira (Canalmoz) - A notícia da assinatura no Brasil de um acordo de cooperação trilateral entre a USAID e o Brasil para implementar projectos de assistência em agricultura e segurança alimentar em África pode parecer uma boa nova. Mas se vistas com profundidade e em todo o seu significado real, tal acordo e outros do mesmo tipo, assinados com a Índia ou a China, não são mais do que a continuação de políticas de apoio a África, tendenciosas e pouco produtivas em termos dos impactos que trazem para este continente. Significam sobretudo a falta de uma visão africana própria no que concerne a definição de suas agendas de desenvolvimento. Significa que os africanos continuam a sujeitarem-se a imposições dos outros por ausência de governos com capacidade própria de determinar como se utilizam os recursos que África possui. Significa que os governantes africanos teimam em colocar tudo nas mãos dos outros e abandonam a sorte dos seus concidadãos nas mãos de interesses corporativos estrangeiros.
Nem a alegada falta de tecnologia ou de recursos humanos com capacidade de desenhar projectos cola porque existem milhares de técnicos africanos qualificados em universidades e institutos técnicos africanos e internacionais com capacidade comprovada para fazer seus países andarem para a frente.
Uma coisa é a falta de vontade política para implementar políticas apropriadas e outra coisa é a incapacidade de gerir dos governos africanos com base em princípios e práticas éticas, morais e políticas conducentes a criação de condições para a emergência de sociedades dinâmicas, adultas, auto-suficientes e democráticas em todos os sentidos que isso signifique. Governos “chorões” e pedintes são governos irresponsáveis que querem atirar para os outros as suas incapacidade de governar. Se um país da dimensão da Bélgica ou Holanda consegue suprir as suas necessidades isso deve-se a uma cultura de governo que não se coaduna nem aceita a corrupção e em que todos os actos goovernativos estão sujeitos a fiscalização de parlamentos interessados em ver as coisas andando da maneira mais transparente possível.
Quando nos dizem que querem implementar modelos de cooperação Sul-Sul e no fim vemos projectos socialmente interessantes esbarrarem com complicados sistemas de aprovação parlamentar em países como o Brasil, só podemos duvidar da autenticidade de tais proposições. Não é aceitável que uns meros 100 ou 200 milhões dólares americanos tenham que levar tanto tempo a decidir pelas autoridades brasileiras para a implementação de um projecto farmacêutico de produção de medicamentos destinados a tratar pacientes de HIV/SIDA em Moçambique.
Será que o Botswana, Swazilândia, Moçambique e África do Sul, mesmo incluindo a Zâmbia e todos os outros países da SASDC não conseguem reunir a componente financeira para implementar tal tipo de projecto?
A parceria e cooperação internacional primeiro tem de ser entre os que são vizinhos e que sofrem do mesmo problema e depois estendida para outros horizontes.
Será que faz muito sentido ir ao Brasil buscar cooperação técnica para a produção agrícola quando a vizinha África do Sul é o país que abastece Moçambique de muitas das suas necessidades alimentares? Não há tecnologia no Zimbabwe, no Quénia capaz de ser transmitida para Moçambique em domínios como a agricultura?
A procura da via fácil ou aparentemente fácil de desenvolvimento nacional está colocando o país em via de colisão com os seus próprios interesses.
Faz mais falta um curriculum educacional adequado às necessidades de desenvolvimento endógeno do país do que milhões de dólares despejados em projectos de capacitação institucional.
Os governos estão pecando por não serem capazes de absorver e aplicar experiências como a da China ao pagar pelos estudos de seus concidadãos em países tecnologicamente avançados. São esses estudantes que hoje replicam suas experiências em ambientes desenvolvidos e que tem levado a China a aplicar metodologias e tecnologias apropriadas que a catapultaram para patamares cada vez mais avançados de desenvolvimento.
Porquê a teimosia de adoptar só aquilo que os conselheiros estrangeiros despejam com suas consultorias dispendiosas?
Sempre que condicionalismos de ajuda externa ou de créditos amarram os governos africanos, seus países tornam-se reféns de interesses corporativos.
É preciso entender que enquanto os governos africanos não acarinharem seus concidadãos tecnicamente preparados e os hostilizarem, estes vão preferir estabelecer-se em outros países e aplicarem os conhecimentos de que África carece na diáspora.
Já alguém contabilizou quantos africanos vivem na diáspora só porque seus governos não conseguem criar condições para a sua reinserção? Que dificuldades tecnológicas estes cidadãos seriam capazes de resolver uma vez instalados em África?
O que temos como migração africana para África muitas vezes não passa de esquemas de enriquecimento rápido com base na pirataria e negócios ilícitos. Ou então são refugiados políticos legítimos que fogem dos conflitos sangrentos originados por guerras pela posse e controle de recursos naturais.
Há que continuar a dizer que o nosso problema não é a falta de mais seis milhões de dólares que é o orçamento da publicitada cooperação trilateral Brasil-USAID-Moçambique para a agricultura.
O nosso problema como já alguém disse é a falta de uma liderança genuinamente interessada em ver os nossos países caminhando com os seus próprios pés.
Há que estar contra qualquer tipo de ajuda ou caridade filantrópica de africanos que entanto que governantes não conseguem aplicar os preceitos de governação necessários para trazer dignidade e orgulho para os seus concidadãos mas volta e meia atiram com algumas notas dólares para cidadãos carenciados de países que visitam.
As esmolas dadas por fundações alegadamente bem intencionadas não resolvem os problemas de falta de democracia que este continente efectivamente sofre. Isso não ajuda a melhorar o ambiente político nem traz mais tolerância. Isso não elimina os financiamentos eleitorais feitos à socapa via cooperação entre governos. Isso não contribui para eliminar um sistema enraizado de impunidade e de desrespeito às leis nacionais aprovadas. Isso não contribui para o estabelecimento de um ambiente de responsabilização dos governantes e para a promoção de uma cultura de transparência baseada em códigos de conduta apropriados.
É preciso abandonar os projectos de cooperação internacional que só aumentam a dependência externa de nossos países.
Temos recursos para dar e vender.
Só falta um ingrediente, governos de que nos possamos orgulhar pelo que fazem em prol do progresso e equidade em nossos países. Governos responsáveis e governantes que não hesitam em demitir-se quando não conseguem cumprir com as suas obrigações...

(Noé Nhantumbo, Canalmoz, 12/08/10)

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