Tuesday 16 June 2009

Quem põe termo às tentativas de subversão do Estado de Direito?


Maputo (Canal de Moçambique) - O Bastonário da Ordem dos Advogados revelou, ontem, num programa televisivo, que foi um inspector da Polícia de Investigação Criminal (PIC) que emitiu o mandato de captura contra os dois advogados, Abul Gani e o seu assistente Zainadine Jamaldine, e foi o Procurador Geral da República quem mandou suspender o mandato contra o Dr. Gani e ordenou a libertação do Dr. Jamaldine. Presume-se que isto que o Dr. Gilberto Correia disse, são os factos. Seria preferível que numa conferência de imprensa nos pudessem mostrar as ordens de captura e se suspensão dos mandatos contra os dois advogados. A dimensão do problema embora por lei não se exija isso, justifica agora mais transparência. O problema já não pode ficar entre paredes das instituições. As suspeitas são de todo justificadas. Chegamos a um ponto que é preciso “ver para crer! ”…
É a primeira vez que neste caso maquiavélico alguém fala dos autores, ainda que de forma pouco precisa. Mas objectivamente pôs termo a meras insinuações. Embora fizessem certas afirmações, certas fontes deixaram ainda assim no ar algumas dúvidas que agora parecem começarem a dissipar-se. É, no entanto, preciso ir-se mais longe. Convinha que se mostrassem os documentos à Imprensa.
Num outro passo da sua intervenção ontem, disse ainda o Bastonário que desconhecia os fundamentos que um e outro usaram para emitir e suspender, respectivamente, o mandato contra o Dr. Abdul Gani, e mandar libertar o estagiário de advocacia que “estava ilegalmente detido” ao abrigo de mandato semelhante que foi executado no sábado.
Os mandatos de captura foram emitidos na sexta-feira. Na própria sexta-feira em que a invasão dos escritórios de Abdul Gani foi praticada por agentes da PIC, a Comunicação Social noticiou que o Dr. Gani e o seu assistente estavam a ser procurados para serem detidos mediante Mandato de Captura. No sábado o Dr. Zainadine Jamaldine foi detido e encaminhado à Cadeira Civil onde pernoitou.
Na sexta-feira foi violada flagrantemente a Constituição como agora nos confirma o Bastonário no comunicado emitido ontem à noite.
Só domingo o mandato foi suspenso contra o Dr. Gani e só domingo depois do meio dia o Dr. Zainadine Jamaldine foi retirado do cárcere a que foi remetido na Cadeia Civil da Cidade de Maputo. Será que o guardião da Justiça, o PGR, precisou de 48 horas para perceber que estava a ser violado o art.º 63 da Constituição da República e outra legislação aplicável? Os seus mais directos colaboradores, os procuradores-adjuntos não souberam de nada, todo esse tempo, a ponto de não terem conseguido contribuir a tempo e horas para que se evitasse o clima que se gerou? Não é verdade que a PIC é uma instituição que auxilia e assiste o Ministério Público?
Porque razão então o PGR só fez saber que o mandato contra o Dr. Abdul Gani foi suspenso depois que se começaram a juntar advogados, políticos, deputados, jornalistas e outros cidadãos solidários com os dois causídicos? Depois de ali estarem cidadãos concentrados à frente da PIC-Maputo desde as 10 horas, só cerca das 11h30 de domingo a Dra. Fernanda Lopes foi capaz de anunciar aos presentes o que acabara de lhe ser comunicado telefonicamente. Ela própria aguardava pelo seu constituinte, Abdul Gani, à porta da PIC onde era suposto o causídico apresentar-se para se entregar demonstrando que não estava a fugir à Justiça. Porquê a PGR agiu tarde e a más horas? Que guardião da legalidade é este?
Outras perguntas que ainda não tem respostas são: quem mandou o inspector da PIC assinar os mandatos de captura contra os advogados? Quem foi esse senhor? Como se chama? Fê-lo por conta própria? Quem o mandou agir como agiu? Fê-lo por conta própria ou agiu por ordem de alguém. Quem ordenou? Terá sido o ministro do Interior a ordenar que o inspector o fizesse? Porque se insurgiu o Dr. Carlos Come, Director Nacional da Polícia de Investigação Criminal (PIC) contra a brigada da mesma PIC, neste caso da cidade, mais propriamente a que estava a executar mandatos judiciais que violam flagrantemente a Constituição e a Legalidade? Porque será que, como nos contaram, o DN da PIC, Dr. Carlos Come, terá chegado mesmo a ameaçar que mandava outra brigada prender os agentes que estavam abusivamente a invadir o escritório dos advogados contra o que diz a Constituição, se não se retirassem imediatamente?
Estão para já sob suspeita o Procurador Geral da República e o ministro do Interior até que tudo se esclareça, ou não será? Não serão apenas os ditos “pequenos” os culpados. Quem tem responsabilidades acima de quem executou os mandatos?
Por último dizer, contra melhor opinião, que não se pode misturar o caso do cidadão americano Charles Robert Smith, procurado pela Justiça no seu País, com a flagrante e grosseira intimidação aos advogados, sob pena de qualquer dia nenhum cidadão poder contar com o patrocínio de um causídico para se defender. São dois casos diferentes. Um gerou o outro. E que conste os advogados não usaram de violência para que a Polícia soltasse o cidadão americano da 18.ª Esquadra.
Se nos calarmos permitiremos que de abuso em abuso qualquer dia Moçambique esteja de regresso aos tempos em que nos julgamentos os réus não tinham direito a defesa. E viu-se quantos actos macabros marcaram pela negativa o Estado Moçambicano nesses anos que só uma guerra civil violenta foi capaz de lhes por termo. Até se chegou a enviar convites para se assistir a fuzilamentos de gente sem direito a defesa, em nome dos superiores interesses de um Estado em que um punhado de pessoas e os seus apetites pessoais se confundia com ele.
Muito sangue inocente foi derramado por causa de gente sem escrúpulos que aceitou aplicar legislação, ela por si atentatória dos mais elementares Direitos Humanos. Mais grave agora, em tempo de aparente Estado de Direito, continuamos a assistir a tentativas de fazer regressar o País aos tenebrosos tempos em que a resposta à contestação era uma rajada de balas como nos países facínoras de regimes como o dos Khemers Vermelhos do Cambodja.
Mais do que evitar-se a repetição de abusos é de todo imperioso que se impeçam abusos. E haja para já quem ponha ordem na PGR onde, pelo que vimos vendo, o actual elenco não tem mão naquilo. E haja ainda quem ponha ordem no Ministério do Interior para que esta imprescindível instituição deixe de nos surpreender com disparates.
Onde iremos parar se quem pode acabar com isto se mantiver a fomentar esta bagunça ou a permitir que ela vá em crescendo?
Não será por estas e por outras que se pede que todos os cidadãos se mantenham atentos e dêem o seu melhor para que se evite o regresso ao Partido único?
Se nada acontecer aos que ordenaram e permitiram de sexta-feira a domingo que dois advogados fossem humilhados da maneira que se viu, não nos venham dizer que exagera quem diz que o regresso aos macabros tempos em que os cidadãos viram sonegados os seus mais elementares direitos estão de volta. Por este andar se a sociedade não tomar as devidas providências, já, mais lá para diante será tarde demais.

( Canal de Moçambique, 16/06/09 )

2 comments:

Anonymous said...

Eles deveriam de ser indemnizados por tamanha humilhacao e afronta. Nao se pode por uma pedra no assunto e fingir que nunca aconteceu. Os direitos humanos e de cada cidadao devem ser respeitados.
Maria Helena

JOSÉ said...

Os manipuladores do sistema judicial devem ser identificados e punidos, num Estado que se pretende de Direito é inaceitável este tipo de subversão.