Admirável e vertiginosa aceleração da História, resumiu o escritor tunisino Abdelwahab Meddeb. A ditadura do Presidente Ben Ali desmoronou-se como um castelo de cartas, em menos de um mês.
Alarmaram-se algumas capitais árabes: seria o primeiro dominó de uma cadeia de "mudanças de regime"? O sistema tunisino parecia "blindado" contra todos os riscos de subversão. Por que caiu tão inesperadamente?
Porque deixou de meter medo. Porque o protesto dos cidadãos ganhou uma dimensão e um poder extraordinários. Porque, enfim, o Exército deixou cair Ben Ali.
O primeiro argumento é explicado pelo jornalista tunisino Farès Omrani: "Ele deixou de meter medo." Na sua paranóica e patética intervenção televisiva a 10 de Janeiro, tratando os manifestantes como "delinquentes", simulou ser o ditador implacável de sempre. Na realidade, mostrou nada perceber do que se passava no país há 25 dias. O povo considerava-o "velho, cansado, até doente (...), dominado pela mulher e pelo omnipresente cunhado", as cabeças do cleptocrático clã dos Trabelsi. "Já não provocava verdadeiramente medo. Tinha-se tornado o tema das nossas anedotas".
"O regime já não era um regime, era uma oligarquia", sustentada por uma ditadura policial. Outrora, o regime funcionava na base de um contrato: a troca das liberdades pela promessa de prosperidade. O apodrecimento do sistema pôs em causa este modus vivendi.
O reverso da Argélia
Numa entrevista ao "Libération", o islamólogo francês Gilles Keppel chama a atenção para a especificidade da Tunísia. "Até agora, a revolução tunisina foi levada a cabo por uma classe média educada e largamente laicizada. É um movimento muito diferente do que sacudiu a Argélia no início de Janeiro, onde as escaramuças eram provocadas por jovens marginalizados que atacavam antes de mais supermercados ou símbolos da classe média, na impotência de desafiarem um Estado forte."
Na Argélia, há motins económicos. Na Tunísia houve uma revolta política contra a opressão. As "revoltas do pão" não foram centrais. O objectivo rapidamente passou a ser a queda do "estabelecimento institucional-familiar" posto em pé por Ben Ali. Conclui Keppel: "A classe média foi capaz de descer à rua e de forçar Ben Ali à fuga." Pagou o preço: mais de 70 mortos. O facto que desencadeou a revolta foi a imolação pelo fogo de um jovem "diplomado no desemprego", reduzido a vendedor ambulante de fruta, acossado pela brutalidade e pela corrupção policial. Chamava-se Mohamed Bouazizi, tinha 26 anos e imolou-se numa localidade perdida a 265 quilómetros de Tunes. Um fotógrafo filmou e o vídeo circulou.
As "redes sociais" desempenharam um papel importante na difusão do movimento, como hoje acontece um pouco por toda a parte. Mas a tecnologia não determina o desfecho das revoltas.
"Na Tunísia", escreve Benjamin Stora, historiador do Magreb, "os elementos detonadores foram a recusa do Exército em disparar sobre o povo e o apelo à greve da UGTT [União Geral dos Trabalhadores Tunisinos], o mais antigo sindicato do Magreb, criado em 1924. Uma forma de oposição social, substituindo a oposição política, pôde assim funcionar."
"Ifrikiya"
O derradeiro factor foi o Exército. Ben Ali nunca confiou nos militares. A repressão estava confiada às polícias - 120 mil homens, o triplo dos militares. Ao contrário do Exército argelino, o tunisino não é politizado nem está aparentemente envolvido nos grandes negócios. Era leal a Ben Ali, mas tinha uma "linha vermelha": não massacrar. Na parte final, protegeu a população contra a polícia e despediu o ditador - sem golpe de Estado.
A Tunísia é, com o Egipto, uma das antigas entidades geopolíticas de África, sublinhou o geógrafo Yves Lacoste. O termo árabe "Ifrikiya", que hoje se aplica ao continente, começou por designar a Tunísia. Ao contrário da Argélia e Marrocos, é homogeneamente árabe, não tendo praticamente berberes.
A luta pela independência, contra o protectorado francês estabelecido em 1881, foi conduzida pelo Néo-Destour, de Habib Bourguiba. A independência foi proclamada - após acções de guerrilha mas não de verdadeira guerra - em 1956 e plebiscitada a república no ano seguinte. Bourguiba estabeleceu um Estado laico, com um código de família ocidental, interditando a poligamia e o repúdio. Ben Ali destituiu Bourguiba em 1987, "por incapacidade física e mental". O vitalício "comandante supremo" perdera o controlo do país com a ascensão do fenómeno islamista. Para evitar um confronto total - como o que depressa lançaria a Argélia na guerra civil - Ben Ali optou por um compromisso com os islamistas e prometeu um regime pluralista. Ao radical Movimento da Tendência Islâmica, sucedeu o mais discreto Ennahdha - uma força a ter em conta na nova transição.
O parênteses democrático pouco durou. A lógica do regime consiste doravante em lançar o país numa fase de acelerado crescimento económico - "o novo dragão africano" - acompanhada de crescente despotismo. Sobreviveu sem problemas de maior graças à aliança ocidental e às cumplicidades com Paris e Roma. Nos últimos anos, começou a romper-se este "casamento entre liberalismo consumista e autoritarismo policial".
Mesmo assim, a Tunísia tem indicadores económico-sociais mais favoráveis do que os países vizinhos, níveis de educação mais elevados, elites intelectuais. "Tem a sorte de não ter petróleo nem gás": criou um tecido económico diversificado e dinâmico.
Desafiar o caos
Ben Ali deixa a Tunísia à porta do caos. Não há forças políticas constituídas para preencher rapidamente o vazio institucional. A única solução provisória - a coligação entre elementos do "antigo regime", a oposição e os sindicatos - é eminentemente instável e implica um alto grau de desconfiança. O Exército está condenado a desempenhar um papel determinante nesta transição.
O movimento, de essência profundamente democrática, veio de baixo, sem uma força política organizada, não dispondo, portanto, de instrumentos para uma rápida solução por via eleitoral. Mas sem rápida passagem a um processo de institucionalização democrática, são elevados os riscos de decepção, radicalização e violência.
Os tunisinos já compreenderam: é o preço a pagar pelas admiráveis acelerações da História.
Jorge Almeida Fernandes, Público
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