Monday, 10 January 2011

Os riscos de criar um novo país em África

A colonização de África foi feita com a ajuda da régua e do esquadro, mas os líderes independentistas aceitaram uma espécie de pacto sagrado que impossibilitava a revisão das fronteiras. Isso significou que, mesmo depois da expulsão dos colonizadores europeus, as linhas arbitrárias com que estes dividiram etnias a pensar apenas nos seus interesses políticos e económicos foram mantidas ( o caso do Congo é tão emblemático que mereceu ser tema do mais recente livro do Nobel Mario Vargas Llosa). Se a intenção óbvia dos líderes independentistas do século XX era evitar uma série de movimentos secessionistas, o credo oficial era que as novas nações seriam capazes de se constituir em fraternidades onde a etnia ou a religião não seriam factores de divisão.
Passado mais de meio século sobre a primeira vaga de independências africanas, é incontável o número de conflitos étnicos no continente, alguns tão graves que assumiram contornos de genocídio, como é o caso do Ruanda em 1994. Contudo, movimentos secessionistas armados de grande fôlego foram raros, talvez com os mais famosos a serem o do Katanga, no Congo, e o do Biafra, na Nigéria, derrotados sem apelo. Outros, como o de Casamansa (face ao Senegal) ou de Cabinda (em relação a Angola), duram há décadas, mas sem hipóteses de sucesso.
Alias, bem analisada a história, o pacto sagrado entre africanos de não mexer nas fronteiras coloniais tem sido respeitado quase a 100%. Tirando o caso da Eritreia, que em 1993 se separou pacificamente da Etiópia, os novos países africanos que vão nascendo são sempre ex-colónias. Por isso a importância desta segunda provável excepção, o Sul do Sudão, um país que a nascer partirá quase ao meio o gigante de África. Tal como caso da Eritreia, o processo está a ser político, depois de uma longa guerra, mas que a violência seja a etapa seguinte não é de descartar. Há demasiado ódio acumulado entre o Norte do Sudão, árabe e islamizado, e o Sul, onde predominam as etnias negras cristãs e animistas. Além disso, as próprias fronteiras ficam por traçar ao pormenor e as zonas de polémica são aquelas onde há petróleo. Deviam entender-se, mas será que acontecerá?
O direito à autodeterminação é reconhecido aos povos de todo o mundo pela ONU. E permitiu que na Ásia, ainda em épocas recentes, Timor-Leste se tornasse independente. Mas o processo de criação de países traz sempre enormes riscos, e em África, onde a mistura étnica, é mesmo a regra, esses riscos são gigantescos. A comunidade internacional deve assim estar vigilante e tudo fazer para que, caso a independência triunfe, as duas metades do Sudão sejam capazes de se separar em paz.

Diário de Notícias (Portugal)

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